Só falta agora um manifesto assinado por grileiros e milicianos em defesa da harmonia entre os poderes. Uma declaração pública conjunta que expresse convergência de ideias e interesses e de unidade inabalável num momento difícil.
O poder de destruição de Bolsonaro desmoralizou até os manifestos. Hoje, uma nota com a ambição de provocar comoções cívicas pode, ao invés de fortalecer os signatários, reforçar o sentimento de desordem em que todos se meteram.
Grileiros, banqueiros, garimpeiros, empresários grandes e pequenos, vendedores de vacinas e de cloroquina, latifundiários, contrabandistas de madeira, assassinos de índios – todos convergiram com Bolsonaro para o cenário que tentam consertar com notinhas.
A situação é tão esdrúxula que uma nota bloqueada, como essa da Fiesp com os banqueiros, acaba tendo mais repercussão quando vazada do que teria se tivesse sido solenemente divulgada.
Alguém ditou a nota a um estagiário da Fiesp, com a ideia colegial de usar a Praça dos Três Poderes para falar de harmonia e independência.
Uma notinha que poderia ter sido escrita numa mesa de bar por cinco bêbados, mas todos mais valentes do que a Fiesp e suas entidades parceiras.
A Fiesp e os banqueiros, calados pelo poder de censura do gerentão da Caixa, deveriam ter chamado dois ex-presidentes do Banco Central, Armínio Fraga e Pérsio Arida, para que escrevessem a nota.
Fraga e Arida transmitem no que têm dito o sentimento dos liberais de fato constrangidos. Os dois sabem que Bolsonaro não é apenas um aprendiz de déspota, sem condições de ser um déspota completo, é um destruidor do país para muito além das questões econômicas.
Bolsonaro poderia ter sido mais um dos tantos autoritários dedicados a degradar relações humanas, instituições, ciência, produção, emprego, salários e sonhos, mas com um mínimo de racionalidade como gestor público.
Poderia ter sido uma aberração humana com habilidades e competências. Mas Bolsonaro não é apenas um disseminador de ignorância, ódio e violência, é um incapaz. Isso não aparece nas notinhas da Fiesp e do agronegócio.
Bolsonaro foi sustentado por esse liberalismo arrependido, mas ainda com medo de enfrentar a criatura. É uma debandada tardia. Empresas e mercado financeiro achavam que teriam reformas, privatizações e degradação dos serviços públicos, e assim o liberalismo urbano bacana tornou-se cúmplice de Bolsonaro ao lado do Brasil arcaico.
Não há, por índole e por intenções expostas e encobertas, quase nada que possa distinguir empresários e grileiros, banqueiros e garimpeiros, nos grupos de apoio a Bolsonaro. Todos carregaram Bolsonaro até aqui, indiferentes ao que ele faz com saúde pública, educação, meio ambiente, empregos, inflação.
O liberalismo brasileiro, que agora cede às pressões do capataz da Caixa, é incapaz até de produzir notinhas quando anuncia que está saltando fora. Porque ainda teme Bolsonaro e os militares e deve favores a Paulo Guedes.
Os líderes empresariais das notinhas censuradas por ordem de Bolsonaro só se diferem dos grileiros porque os grileiros talvez não se submetessem às pressões do gerentão da Caixa.
Os empresários, o mercado, os grileiros e os milicianos trouxeram Bolsonaro juntos até aqui. O defensor de torturadores, como observa Pérsio Arida, talvez continuasse contando com apoios, se fizesse com competência o que o mercado queria.
Poderia continuar como genocida, se a normalidade da economia compensasse os crimes cometidos pela família, pelos coronéis das facções das vacinas e pelas fábricas de fake news e de manifestações pró-golpe.
Os liberais tentam se desplugar de Bolsonaro porque não dá para perder mais dinheiro. É uma fuga. O gestor dos seus interesses, que estaria sob o controle de Guedes e dos militares, não era o que eles esperavam.
Eles não estão desistindo do homem que deprecia a ciência, a vacina, o bom senso e a convivência entre discordantes. Eles abrem mão de andar junto com o matemático que soma -4 com +5 e conclui que chegou a um 9.
O capitalismo de notinhas estudantis tenta se livrar do gestor Bolsonaro, não do genocida chefe de uma estrutura criminosa. Mas os nossos capitalistas ainda são reféns do gerentão da Caixa.
MOISÉS MENDES ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)