É cansativa a desonestidade intelectual e política de amplos segmentos da mídia corporativa. Seu incessante ataque ao campo político democrático-popular transcende o insano para instalar-se no lamacento território da lucratividade exponencial. Seu exclusivo horizonte é a afirmação de candidatos cujo exclusivo compromisso é com o mundo das altas finanças, onde estas ex-empresas de comunicação social vieram a ancorar os prioritários interesses econômicos que conduzem a sua linha editorial. Desertaram definitivamente do exercício da função de veículo de comunicação social para operar no campo da reprodução massiva dos interesses do capital financeiro, a expensas das necessidades primárias da população e seus direitos fundamentais, que em nada lhes interessa nem faz sentido.
A empreitada editorial da Folha de S.Paulo em ataque à posição política de Lula publicada neste dia 26.08.2021 anuncia que as suas (múltiplas) vitórias judiciais sem reexame de mérito não serão suficientes para o candidato à Presidência, pois, alega a empresa financeira dos Frias, continuarão a pesar sobre Lula os “escândalos”. A Folha despreza em sua análise o real objeto de escândalo internacional: a longa e imotivada prisão de Lula, a sucessão de ilegalidades que permeou toda a Operação Lava Jato, a apropriação internacional das reservas do pré-sal assim como o ilegal fatiamento da Petrobrás e o extermínio de grandes empresas nacionais. Como era de se esperar, a Folha tampouco faz referência ao “reexame” de sua posição em apoio irrestrito a esta “Operação” judicial conectada com a inteligência e o Departamento de Justiça norte-americano que, de fato, devastou o Brasil, econômica e politicamente, e que, literalmente, por ação ou omissão, pavimentou a trilha para a morte de mais de 600 mil pessoas. Mas para a família Frias o “problema” continua sendo Lula, vale dizer, o povo brasileiro.
O editorial da Folha é apenas o prenúncio da pesada artilharia em preparação pelo alto segmento do mundo das finanças que segue a desorientar o Brasil de seu rumo histórico, popular e democrático, como já o faz há décadas, sem rubor, vergonha ou preocupação com o sangue que lhes mancha as mãos e o que resta da biografia de seus próceres. Não se trata exclusivamente da posição deste veículo, pois é compartilhada há décadas por seus similares como as Organizações Globo, a exemplo do ocorrido desde o segundo mandato de Getúlio Vargas, passando por Juscelino Kubitschek, atingindo em cheio João Goulart – antes e durante o seu Governo – e, décadas depois, organizando pesada artilharia sobre o Governo Lula, para logo após pavimentar o golpe de Estado contra Dilma Rousseff. Neste período foram derrotados em 1961 na Campanha da Legalidade, intragável espinho na garganta da elite brasileira e sua mídia, quando Brizola articulou a defesa da Constituição, cujo êxito dependeu do recurso às armas. Foi a senha para a “despolitização” das Forças Armadas, massivo expurgo de militares comprometidos com a defesa da Constituição que, na prática, supôs a sua homogeneização das Forças Armadas pela ideologia dos golpistas de extrema-direita em 1964.
O Brasil vem sendo presa e vítima continuada de veículos de comunicação social cuja orientação, salvo ligeiros períodos de retraimento, é a destruição de políticas sociais e de todos representantes políticos que apontem para o rumo de reconfigurar o orçamento público para a consolidação das indispensáveis políticas sociais. É insustentável para as maiorias empresariais que pervertem o sistema eleitoral e colonizam o Congresso que sejam mantidas políticas sociais de longo prazo realizando a inclusão de seres humanos que permanecem na condição de genuínos escravos modernos, de gente humilde que labora a partir de cada madrugada para alimentar a si e os seus filhos à tarde. É a esta gente que a elite brasileira despreza sob a sua cosmovisão colonial tardia.
Nunca sem estar devidamente amparada pelo poder armado, uma vez mais a elite agora dá mostras de como percorre o caminho antidemocrático, pendente de excluir a qualquer custo, literalmente, as opções políticas da população brasileira. Esta perspectiva encontra reflexo no editorial da Folha de São Paulo, texto que dissemina falsidade ao atribuir “culpa” a Lula que ainda não pode ser afastada do cenário de avaliação política, enquanto que, por outro lado, a sua “culpa” anos atrás pode ser firmada à jato sem contestações pelo veículo, mesmo que o processo corresse ao arrepio de todos os princípios básicos do devido processo legal. Nada faltou para que tivéssemos o mais completo e bem acabado desenho da violação dos mais elementares princípios, e repeti-los aqui teria como função apenas desnecessária reiteração, sobejamente conhecidos que são, e não persuadiria aqueles que já optaram pela violência ao invés da política, stricto sensu, que apenas pode ser desenvolvida nos trilhos da legalidade constitucional e democrática.
A linha antidemocrática da grande mídia corporativa nacional é violência possível tão somente devido a sua ancoragem no poder armado. O futuro do Brasil tem como imperativo a desmobilização da atual configuração das Forças Armadas. Esta é a pedra angular de todos os golpes de Estado perpetrados contra a gente brasileira, superação que implica vencer o preconceito interessadamente disseminado sobre a “despolitização” das Forças Armadas, posto que elas sempre tiveram absoluto compromisso ideológico com os interesses norte-americanos desde o período imediatamente posterior à Segunda Grande Guerra Mundial até sua definitiva homogeneização em 1964. A nova configuração precisa estar orientada por inarredável compromisso com a Constituição e uma ideologia de fundo e verniz democrático, prevenindo a comissão de golpes de Estado com punições exemplares ao primeiro sinal de desvio do compromisso constitucional na caserna. Este deverá ser o primeiro de todos os passos para proteger a futura democracia brasileira e sua soberania.
Imediatamente a seguir, o segundo escalão do golpismo demofóbico brasileiro precisa ser desarticulado através dos seguintes movimentos: reconfiguração do setor bancário e financeiro assim como o da comunicação social, a partir do impedimento de cruzamentos entre eles, mas também uma forte regulamentação da mídia (rádio, televisão, jornais e internet) como ocorre em diversos países capitalistas ocidentais, também definindo pesadíssimas sanções, considerando o intenso dano que podem causar às instituições democráticas e, como observamos, à economia do país. Indispensável que o limite à propriedade privada seja claramente colocado quando cruze a fronteira dos básicos interesses e direitos coletivos, a exemplo da alimentação, saúde, educação, meio ambiente e direitos políticos.
Sem pretensão de menção exaustiva, mas meramente exemplificativa, cito aqui três dos mais relevantes atores antidemocráticos da história brasileira aos quais se somariam amplos setores do Poder Judiciário e Ministério Público (com especial ênfase no estímulo à omissão de grande parte de seus membros, que permite triunfar teses minoritárias altamente comprometidas com o golpismo), e de setores empresariais do meio urbano e rural, historicamente obcecados com visão de mundo do mais primitivo momento pré-feudal obtemperado pela afirmação prática do valor da teologia como liga sociopolítica e econômica. Aspiram espaço de mundo em que o humano é carne a ser queimada como mera peça de reposição.
A profunda reconfiguração destes setores é a única condição para a pavimentação do horizonte liberto da gente brasileira, e não outro. Não se trata de revolução quando o horizonte é a afirmação dos direitos fundamentais do povo, senão que “revolucionário” é todo aquele movimento político que denega os direitos das gentes, estratégia de poder de agentes nada sóbrios nem conservadores, mas assassinos que controladores do manche político. A violência institucional é a própria revolução no sentido de atentar contra a vida dos titulares do poder político, malgrado a continuada afirmação midiático-cultural que critica a consolidação dos direitos fundamentais (a exemplo do que ocorre com a atual Constituição desde os seus primeiros momentos em 1988) como algo “impraticável”, como se de algo “revolucionário” se tratasse. Esta jornada requererá coragem e ousadia, mas o que todos nós que sobrevivemos a este genocídio do povo brasileiro devemos em homenagem às mais de 600 mil vidas que se foram senão, ao menos, coragem para enfrentar quem as consumiu?
A Folha quer apresentar Lula como possuidor de fardo pesado para um candidato, a saber, o suposto fato de que não tenha sido dado um “veredito da Justiça a respeito de suas relações com empreiteiras que fizeram negócios lícitos e ilícitos com seu governo”, como se esta ainda fosse uma questão pendente após todas as decisões judiciais tomadas nos múltiplos processos que compõe o quadro de perseguição judicial estruturada politicamente (Lawfare). A Folha questiona que não foi realizado o “reexame de provas e depoimentos”, mas em seu momento não se posicionou, e todavia não o faz, sobre falsos depoimentos, outros obtidos sob a tortura de intermináveis prisões nas masmorras da república curitibana, nem sobre as flagrantes ilegalidades praticadas sob o pretexto da Operação Lava Jato, e também nada diz sobre as intervenções (de) militares nos momentos eleitorais decisivos com declarações vedadas pela legislação nem tampouco do aboletamento de alta patente em gabinete do Presidente da Suprema Corte. Realmente a Folha não entendeu nada disto? Se não entendeu e não informou os seus leitores, então, o veículo perdeu a qualidade, e se entendeu e não informou os seus leitores, bem, então o que perdeu foi outra coisa ainda mais grave, e em nenhuma das alternativas a recomenda como empresa de comunicação social.
No limite, a Folha esteve sempre bem informada, e em primeira mão, de todas as violências e decisões judiciais tomadas à jato não apenas contra Dilma Rousseff, Lula e o PT, mas contra a Constituição, o povo e o processo eleitoral brasileiro – lembremos que o candidato favorito, Lula, foi excluído do pleito –, senão que a empresa, após anos, agora questiona as decisões que favorecem a estas figuras e instituições. O editorial da Folha é apenas a encarnação de seu descompromisso com a democracia e as instituições mas, sobretudo, com o povo brasileiro, não sem mascará-lo com figuras plurais nos seus veículos que envernizam o mal-estar que emana de sua linha editorial. Mas nem a Folha pode deixar de reconhecer em seu editorial que Lula lidera as pesquisas. Sem embargo, oculta que se o povo brasileiro conduzir Lula à vitória, ainda terá de garantir a sua posse, e depois de garanti-la, terá de permanecer nas ruas a defender o seu Governo, pois a elite continuará articulada para defender o fruto de seu golpe de Estado de 2016 ou, mesmo, perpetrar novo golpe. Nada disto interessa aos Frias informar aos seus leitores. O seu jogo é outro.
Rigorosamente, não há falha na Folha, o tom de seu editorial reflete projeto comum da elite, bem articulado com os demais setores demofóbico-autoritários que inclui o neofascismo sempre e quando necessário para garantir seus interesses. O editorial é falso quanto ao posicionamento jurídico apresentado, visando nada mais do que dar continuidade a interdição do campo popular nos processos eleitorais e, sobretudo, de seu maior líder político, Luís Inácio “Lula” da Silva, lamentando nas entrelinhas que não seja possível acelerar quaisquer processos contra ele. O país ideal que a Folha reflete é o da elite apoiada pela classe média branca e autoritária. É contra este mundo paralelo e neofascista que o povo brasileiro deve se insurgir em todas as frentes. Isto não ocorrerá sem braço erguido. O temor no presente ampliará ainda mais a dor futura. Resistência já!
ROBERTO BUENO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)