Segundo uma superstição do folclore político nacional, agosto é tempo de desgosto. A coleção de infortúnios ocorridos nesse pedaço da folhinha é vasta. Suicídio de Getúlio, renúncia de Jânio, morte de Juscelino, impeachment de Collor… Neste agosto de 2022, não há no horizonte nada tão dramático. Mas o mês não trouxe sorte a Bolsonaro.
O presidente parece atravessar algo muito parecido com uma tempestade perfeita. Nela, misturam-se uma deterioração profunda do quadro econômico e uma crise inédita do Executivo com o Judiciário, agravada pelo pedido de impeachment que Bolsonaro mandou protocolar no Senado contra o ministro Alexandre de Moraes.
Pela terceira semana consecutiva, o noticiário foi sacudido por decisões tomadas por Moraes no âmbito do inquérito sobre fake news, que corre no Supremo Tribunal Federal. Na primeira semana de agosto, Bolsonaro foi empurrado para dentro do inquérito por mentir sobre urnas eletrônicas. Na segunda, o bolsonarista Roberto Jefferson foi enviado para a cadeia.
Esta terceira semana do mês começou com uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral, presidido pelo ministro Luis Roberto Barroso, que bloqueou a remuneração de sites bolsonaristas que difundem ódio e mentiras na internet. E terminou com visitas dos rapazes da Polícia Federal a 29 endereços. Entre os alvos das batidas policiais estão dois defensores de mostruário do presidente: o cantor Sergio Reis e o deputado Otoni de Paula.
A escalada do Judiciário na direção de Bolsonaro e do bolsonarismo azedou a retórica do presidente. Ele cumpriu apenas metade da ameaça que fizera no final de semana passado. Absteve-se de pedir o impeachment de Barroso, concentrando-se, por ora, em Moraes. Mas saiu-se com a novidade de uma ação no Supremo para suspender um artigo do regimento interno da Corte que permite a abertura de investigações de ofício, sem passar pela Procuradoria-Geral da República.
O pedido de afastamento de Moraes vai para a gaveta do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. A ação judicial contra o artigo do regimento do Supremo é natimorta. Serve apenas para animar os devotos de Bolsonaro nas redes sociais e desanimar os tolos que apostavam na hipótese de restabelecer o diálogo entre Executivo e Judiciário.
Contra esse pano de fundo conturbado, deteriora-se a situação econômica. Zonzo, o ministro Paulo Guedes (Economia) rala sem sucesso para destravar sua pauta na Câmara, as contas públicas se deterioram, a inflação foge ao controle, os juros sobem, as previsões de crescimento declinam. E a atmosfera de ruptura institucional afasta os melhores investidores.
A ficha do mercado financeiro parece cair. A de Bolsonaro, não. Agosto ainda nem acabou e o presidente já planeja as encrencas do próximo mês. Anuncia a disposição de realizar dois comícios no feriado de 7 de Setembro —um em Brasília; outro na Avenida Paulista, em São Paulo. Bolsonaro revela-se capaz de tudo, exceto de desperdiçar um naco do seu tempo com atividades, digamos, mais produtivas. Nem mesmo os desgostos de agosto conseguem pôr para trabalhar gente que nunca trabalhou.
JOSIAS DE SOUZA ” SITE DO UOL” ( BRASIL)