Baixo Augusta, noite de sexta-feira, 6 de agosto. A caminho do hospital, cruzo com uma multidão de jovens, lotando os bares, as calçadas e as ruas entre Augusta e Peixoto Gomide _ todos sem máscara e pulando com garrafas de cerveja na mão _ como se a pandemia tivesse acabado e dado lugar ao carnaval fora de época.
No pronto-socorro do Hospital Sírio-Libanês, ainda há tapumes separando a entrada de pacientes com sintomas de covid dos demais, mas não há mais filas de espera, reina absoluto silêncio, nada se vê daquela movimentação habitual. Poucos recepcionistas atendem os raros pacientes.
No final de semana, milhares de seguidores _ a pé ou sobre duas rodas, todos sem máscara _ acompanham as alegres motociatas de Bolsonaro desfilando pelas ruas de Florianópolis e Brasília.
Páginas inteiras nos jornais de domingo anunciam a estreia para 2 de setembro de “Cinderela”, o mega musical da Broadway, no Teatro Liberdade. “Não se atrase! A magia vai começar!”, diz o anúncio. Ingressos já estão à venda.
Também já se pode comprar camarotes para o Reveillon no Rio de Janeiro, que está sendo preparada pelo prefeito festeiro Eduardo Paes.
Para completar a grande festa do fim da pandemia no país de quase 600 mil mortos e mais de 20 milhões de contaminados, teremos um grande desfile militar nesta terça-feira, com veículos blindados, tanques de guerra e lança-mísseis, que percorrerá a esplanada dos Ministérios e estacionará em frente ao Palácio do Planalto, informa a colega Thaís Oyama em sua coluna aqui no UOL.
O motivo alegado para a “Operação Formosa” é a entrega pelo comandante do comboio de um convite para o presidente presenciar “o maior treinamento militar da Marinha no Planalto Central”. Quanto vai nos custar esta parada de 7 de setembro fora de época e de lugar?
Que beleza…, como diria o Milton Leite. Como Brasília não tem mar, será apenas uma demonstração de força de Bolsonaro, escreveu Oyama, no mesmo dia em que a Câmara vai votar _ e, ao que tudo indica, derrubar _ a PEC do “voto impresso”.
Nem originais eles são. O mesmo espetáculo com tanques na rua, ameaçando prender e arrebentar, lembra-me o editor Marcos Sérgio, foi apresentado pelo general Newton Cruz, montado a cavalo e de chicote na mão, no mesmo dia 25 de abril de 1984, em que a emenda das Diretas Já seria votada, e derrotada, na Câmara.
Eu estava lá nesse dia e me lembro quando todos saímos correndo da redação da sucursal da Folha em Brasília para ver o que estava acontecendo na Esplanada dos Ministérios, para amedrontar suas excelências e as caravanas que foram a Brasília para acompanhar a votação.
No fim, faltaram apenas 22 votos para a aprovação da Emenda Dante der Oliveira, com eleição direta para presidente da República, que restituiria a democracia ao país, após 20 anos de ditadura militar comandada pelos generais. Deputados governistas fugiram do plenário e se esconderam em seus gabinetes.
Agora, em lugar deles, temos na Presidência da República um capitão reformado pelo Exército, aos 33 anos, por planejar atentados terroristas em quartéis e na adutora de águas do Rio de Janeiro.
Trinta e sete anos depois, a história se repete, como farsa e como tragédia, com o mesmo clima de tensão e medo tomando conta do país, às vésperas de uma importante votação no Congresso _ no caso, um pretexto do presidente para melar as eleições diretas marcadas para 2022.
A pandemia não acabou, e o pandemônio continua matando e contaminando milhares de brasileiros todos os dias porque o governo não comprou vacinas a tempo.
Em compensação, poderemos ver o desfile de veículos anfíbios, aeronaves, carros de combate e de artilharia, além de lançadores de foguetes, porque pela primeira vez a “Operação Formosa da Marinha” contará com a participação também de 2.500 militares do Exército e da Aeronáutica.
Será que pelo menos eles usarão máscaras?
RICARDO KOTSCHO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)