Toda uma série de grupos evangélicos levanta sua voz contra os abusos de um Governo e de um presidente que, dizendo-se cristão, age em total desacordo com os ensinamentos dos livros sagrados
As igrejas evangélicas começam a abandonar Bolsonaro, que aposta na morte contra a vida. Mais de 40 movimentos e coletivos dessas igrejas assinaram, segundo o site Brasil 247, um manifesto denominado “Coalizão evangélica contra Bolsonaro”.
O manifesto é todo baseado em demonstrar que a política de Bolsonaro contradiz os textos evangélicos e será lançado em uma transmissão ao vivo da Frente Evangélica pelo Estado de Direito. O documento começa com um duro texto do Evangelho de João (10:10), que diz: “O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.
Todo o manifesto evidencia que a política de Bolsonaro que valoriza a destruição da vida e esquece os fragilizados e desamparados se opõe diretamente aos valores do cristianismo original, todos eles voltados para salvar vidas e resgatar o que o mundo despreza.
“Na contramão disso”, diz o texto, “vemos o (des)governo do presidente Jair Bolsonaro como um agir maligno, que já permitiu a morte desnecessária de mais de meio milhão de irmãos e irmãs em nosso querido Brasil”.
O texto dos evangélicos afirma, sem rodeios, que “Bolsonaro não esconde suas pretensões autoritárias de implantar novamente uma ditadura, tendo loteado seu Governo com milhares de militares, de quem espera apoio aos seus planos de opressão e poder, destruindo de vez a Constituição Federal de 1988, que promete ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária, sem discriminação de raça, sexo, cor, religião ou quaisquer formas de discriminação’”.
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O texto dos evangélicos destaca as “inúmeras ameaças de golpe feitas ao país, tanto pelo presidente Jair Bolsonaro como por alguns de seus aliados”, e afirma, com dureza, que Bolsonaro “veio para roubar, matar e destruir” e por isso, diz, “nos colocamos ao lado das inúmeras organizações que se movimentam em defesa do nosso povo e contra os avanços autoritários dos dominadores do poder”.
Uma das afirmações mais graves é quando assevera que Bolsonaro “governa à base de mentiras e manipulando o discurso do Evangelho” e acrescenta que “as vidas dos brasileiros, principalmente dos negros, dos pobres, dos indígenas, das mulheres, dos LGBTQIA+ e dos favelados estão sendo roubadas todos os dias”. Por tudo isso, os evangélicos, diz o manifesto, “em nome da vida e em nome de Jesus, clamamos pelo Fora Bolsonaro!”
O documento termina com uma citação da Bíblia, a de Provérbios 31.8, que diz:
“Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados”.
É a primeira vez no Brasil que toda uma série de grupos evangélicos levanta sua voz contra os abusos de um Governo e de um presidente que, dizendo-se cristão, age em total desacordo com os ensinamentos dos livros sagrados. Esses evangélicos desmascaram com o manifesto a farsa de um movimento político como o bolsonarismo, que em nome de Deus pisoteia todos os valores essenciais dos ensinamentos de Jesus.
O manifesto deverá ter ressonância não só no Brasil, mas no exterior, onde é acompanhada com interesse e preocupação a involução do movimento das igrejas evangélicas com a conduta genocida e golpista de Bolsonaro. É o início de uma ruptura que deverá ter reflexos nos próximos movimentos da política negacionista e golpista em que o Brasil se precipita, ameaçado a cada dia com um golpe militar que cerceia as liberdades conquistadas com tanto esforço por uma sociedade que apostou na democracia que hoje, como escreveu Jamil Chade neste jornal, “está mais ameaçada do que nunca”.
O fato de 40 grupos de igrejas evangélicas terem aderido ao “Fora, Bolsonaro”, acusando-o de governar contra a vida e a favor da morte e da democracia, é uma novidade importante, pois até agora o evangelismo parecia apoiar maciçamente o bolsonarismo, em clara contradição com os ensinamentos cristãos de que o líder golpista se serviu para atrair votos evangélicos, com o slogan “Deus acima de todos”.
A dissidência evangélica que parece ter tomado o caminho do “Fora, Bolsonaro” poderá ter repercussão nas próximas manifestações nacionais de protesto contra o genocida. Pode ser um precedente para que outras entidades continuem aderindo a esse movimento para arrancar do poder um presidente que se mostra cada vez mais radical em seus afãs autoritários e golpistas enquanto crescem as massas de brasileiros que mergulham na pobreza e até na miséria.
Este despertar das igrejas evangélicas, que começam a ver a contradição de um presidente que se proclama cristão enquanto toda a sua política se baseia em atropelar os ensinamentos da Bíblia, pode ser um germe de oposição capaz de contagiar outros grupos que estão se conscientizando de que o Brasil com Bolsonaro está mergulhando no abismo autoritário do desprezo pela vida e a cada dia se distancia mais dos princípios de democracia e liberdade cunhados na Constituição.
JUAN ARIAS ” EL PAÍS” ( ESPANHA / BRASIL)
Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse grande desconhecido’, ‘José Saramago: o amor possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.