Acusado de ameaçar impedir eleições caso a insana insistência de Bolsonaro pelo voto impresso não tenha aval do Congresso, Braga Netto nega numa nota em que troca o pé pelas mãos e palpita em questões que não deveria meter o bedelho. Mourão foi certeiro: “Não somos república de banana.”
Tem cara de blefe, ainda assim é gravíssimo. Não está entre as funções institucionais dos militares palpitar sobre a realização de eleições, talvez o principal pilar das democracias. Reportagem de Andreza Matais e Vera Rosa, publicada pelo Estadão, revelou que o ministro da Defesa, general Braga Netto, teria se valido de um interlocutor para transmitir ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, uma ameaça inacreditável: ou o Congresso aprova o voto impresso ou não haverá eleições. Essa baboseira já havia sido dita antes por Jair Bolsonaro no cercadinho do Palácio da Alvorada.
Como era previsível, o general divulgou nota negando a ameaça. Outra vez deu um passo maior que a perna. Foi bem além do alcance de seus coturnos. Disse: “O País quer mais transparência e o debate sobre voto impresso é legítimo”. Quem Braga Netto pensa que é para avaliar que “o país quer mais transparência” , pondo em dúvida as urnas eletrônicas — o mais moderno, confiável e auditável sistema de votação da nossa história. As pesquisas mostram que os eleitores confiam nas urnas eletrônicas e não querem a volta das incontáveis fraudes em todas as modalidades de voto impresso.
O que se diz entre quem circula no meio militar é que, a exemplo de Braga Netto, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica também estariam fechados no apoio à volta do voto impresso. Cada um pode achar o que quiser, só não pode é ameaçar, aberta ou veladamente, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. O mau exemplo vem de cima: Bolsonaro faz isso o tempo todo.
Mas isso não cola. Nem entre os militares. O general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, ao chegar ao Palácio do Planalto na tarde da quinta-feira (22), detonou a tal ameaça, que ele acredita não tenha sido feita por Braga Netto: “É lógico que vai ter eleição (mesmo sem voto impresso), pô. Quem é que vai proibir eleição no Brasil. Por favor, gente. Nós não somos república de banana”.
Arthur Lira que, segundo a reportagem, depois da ameaça teria ido ao gabinete de Bolsonaro dizer que o apoia, mas não contem com ele para golpes como o cancelamento das eleições, foi meio evasivo, no que também seria um desmentido, em uma postagem em uma rede social: “A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano”. Desmentiu coisa alguma.
Se a intenção do blefe foi viabilizar a aprovação do voto impresso, não deu certo. A avaliação de parlamentares de todos os naipes é que a emenda constitucional do voto impresso será sepultada na Câmara, nem chegará ao Senado. Então, por que essa insana insistência? Ajuda na mobilização da militância mais radical do bolsonarismo, em um momento em que, acuado pela CPI da Pandemia e popularidade em queda livre, Bolsonaro entrega o governo ao Centrão na expectativa de apoio para permanecer no poder até o final do mandato.
Essa cruzada pelo voto impresso serve também como discurso para justificar a derrota nas urnas. Mais uma cópia mal ajambrada do que fez Donald Trump nas eleições americanas. O que torna a situação mais complicada aqui é a pública e notória conspiração de Bolsonaro incitando PMs e outras forças policiais contra governadores, goste-se ou não deles, também legitimamente eleitos. Vai assim criando caldo de cultura para tumultuar o processo eleitoral. Os outros poderes da República têm que dar um basta nisso.
Em meio a tudo isso, cresce a estranheza com a afirmação do ministro da Defesa de que “o País quer mais transparência” nas eleições. Só para ficar no quadradinho dele, Braga Netto não deu sequer um pio sobre as denúncias de tantos militares envolvidos nas falcatruas na compra de vacinas e outros grandes negócios com cara de negociata no Ministério da Saúde. Ele também participa da rede de proteção ao general Eduardo Pazuello e ao coronel Élcio Franco, que cometeram barbaridades no enfrentamento da pandemia. Falta transparência até na não punição de Pazuello por transgressão às mais elementares normas de conduta dos militares ao participar, como general da ativa, em um comício de Bolsonaro. Com o agravante de o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, ter determinado que o processo contra Pazuello seja mantido em sigilo por 100 anos.
Haja transparência.
ANDREI MEIRELES ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)