Cohen (ou Kohen) é uma palavra de origem hebraica que significa sacerdote. Foi esse o titulo que o então coronel Olímpio Mourão Filho, em 1937, emprestou ao seu famoso Plano Cohen – oficialmente atribuído ao Komintern soviético – que assustou o País, imobilizou as instituições e assegurou os poderes ditatoriais que Getúlio Vargas buscava desde 1930, ao implantar o Estado Novo em 10 de novembro de 1937.
A versão mais acreditada da origem do Plano Cohen reza que Mourão Filho, integralista fervoroso e membro do Serviço Secreto da Associação Integralista Brasileira – AIB – teria recebido a orientação do líder Plinio Salgado para elaborar “novas diretrizes de combate ao comunismo”. O resultado foi um documento com dois capítulos. No primeiro – jamais apresentado oficialmente – Mourão teria preparado uma série de recomendações para o devido funcionamento do serviço de inteligência da AIB.
Para a elaboração do segundo capítulo, um suposto plano de ação, o coronel Mourão inspirou-se num artigo de uma publicação francesa, Revue des Deux Mondes, que descrevia como o líder comunista húngaro, Bela Kun, havia tomado o poder, ainda que de forma efêmera, logo após o término da Primeira Guerra Mundial. Concluído o rascunho, o coronel, “por brincadeira”, teria escrito o nome de Bela Kun no final do texto. Como o renomado integralista Gustavo Barroso, notório anti-semita, se referia ao líder da Hungria como Bela Cohen, o coronel Olímpio, num átimo de zelo ideológico, riscou o sobrenome Kun e escreveu Cohen. O datilógrafo do texto final de Mourão, não entendeu a correção e resumiu a suposta assinatura do trabalho para Cohen.
Por caminhos nunca exatamente esclarecidos, o segundo capítulo do “Plano Cohen” – o primeiro foi devidamente suprimido – chegou às mãos do General Góes Monteiro, então chefe do Estado-Maior do Exército. Em poucos dias, aquele texto pensado para a economia interna do integralismo brasileiro, pousou na mesa de uma reunião militar como a orientação soviética para a repetição da fracassada “Intentona Comunista de 1935”. “O Crime de lesa-pátria praticado em novembro de 1935 está prestes a ser repetido, provavelmente com mais energia e mais segurança de êxito.
Não é fantasia do governo; os documentos de origem comunista são copiosos e preciosos”, disse, em tom grave o conspícuo general Eurico Gaspar Dutra, então ministro da Guerra, empunhando o Plano Cohen, na sua mais solene licença poética, diante de uma plêiade de autoridades armadas. Na tarde naquele 27 de novembro de 1937, com sinistra aquiescência, ouviam o general Dutra os generais Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército, Américo de Moura, comandante 1ª Região Militar, José Antônio Coelho Neto, diretor da Aviação Militar, Newton Cavalcanti, comandante da 1ª brigada de Infantaria da Vila Militar e, last but not least, o temido Chefe de Polícia do Distrito Federal, Filinto Muller, uma mistura macunaímica de Fouché com o Satanás.
“As instruções do Komintern para a ação dos seus agentes contra o Brasil”. Com essa manchete explosiva do dia 01 de outubro de 1937, o Correio da Manhã redimensionou as apreensões que os órgãos de comunicação do governo nutriam o País anunciando uma suposta ameaça comunista desde a reunião de Dutra com seus generais do dia 27 de setembro. No dia 10 de novembro, 41 dias depois da manchete do Correio da Manhã, após ter decretado o estado de guerra com a autorização do Congresso, Getúlio Vargas fecha a Câmara e o Senado, impõe uma nova Constituição ao País inaugurando o Estado Novo, a nossa versão tupiniquim do nazifacismo então em ascensão na Europa de Hitler e Mussolini.
A turbulenta primeira metade do século XX – talvez o século mais violento da história ocidental – teve sim Hitler, Mussolini, Lenin, Trotsky, Stalin, Mao e outros assassinos menores. Mas teve também Churchill, Roosevelt, De Gaulle e uma plêiade de homens de todo o mundo, com as armas, a ciência, a poesia, a literatura, a musica, a pintura, a escultura e a bravura solitária movida pela nobre aura poética de um certo sentido de existência que, ao seu modo, salvaram o mundo. Aqui, no Império de Macunaíma, Getúlio – que tinha na alma anjos e demônios – só deixou o poder em 1945, tangido pelas mesmas fardas que o haviam entronado em 1937.
Lembro e relembro esses fatos, tão caros ao que ainda nos resta de civilização, quando me deparo, dia sim outro também, com os movimentos crescentes e seguros de um golpe de estado que se anuncia, ainda que de forma imprecisa e, aparentemente, amadora. Comparar Bolsonaro com Getúlio não seria apenas uma ofensa estética, mas antes civilizatória. Quanto aos militares, a história já nos ensinou que a presença fardada na gestão do Estado, não foi exatamente exitosa e adequada para a democracia.
Mesmo reconhecendo o papel importante que alguns militares tiveram na nossa história republicana, como Teixeira Lott, Castelo Branco, Golbery do Couto e Silva, Ernesto Geisel, Jarbas Passarinho, por exemplo, não parece adequado aos fardados de hoje o anunciado alinhamento com as expectativas autoritárias do presidente Jair Bolsonaro. Acredita-se, não sem razão, que uma face são os Pazuellos, da ativa e do pijama, fascinados por palácios, mordomias, prebendas, privilégios e, não raro, cultivadores dantescos da violência.
Uma outra face, esta digna, são daqueles que labutam nos bivaques da pátria, conscientes de que as armas lhes foram entregues para defender a Nação e não para aterrorizar os irmãos brasileiros. Estes, acredita-se, amam um Brasil que ajudam a construir e conhecer. Aqueles desconhecem a Nação que, pelo comportamento, antes odeiam.
São abissais as diferenças entre as circunstâncias e os atores que fizeram a nossa história do século XX e esses que nos assombram nesse início da década de 20 do século XXI. Entretanto, ontem como hoje, não temos cidadania, instituições adequadas, uma elite de fato e uma direção para o nosso destino comum. A prevalecer a desordem que se anuncia, seremos apenas a perplexidade que nos alcunha de Macunaímas: aqueles heróis de si mesmos sem nenhum caráter!
JORGE HENRIQUE CATAXO ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)