O PARTIDO MILITAR E OS MILITARES BOLSONARISTAS

CHARGE DE AMARILDO

Peça 1 – fator militar

Não há mais dúvidas de que o fator militar veio para ficar. 

No dia 21.12.2017 teste quadro já estava claro.

As declarações do general do Exército Antônio Hamilton Martins Mourão, mencionando possibilidade de uma intervenção militar, definiram uma nova etapa, um novo normal em cima do anterior.

Depois das intervenções das Forças Armadas em várias capitais do Nordeste, em Vitória e no Rio de Janeiro, devido à perda de controle dos respectivos governos sobre a segurança interna, se poderia considerar a afirmação apenas uma constatação óbvia.

Disse o general: “Então no presente momento, o que que nós vislumbramos, os Poderes terão que buscar a solução. Se não conseguirem, né?, chegará a hora que nós teremos que impor uma solução. E essa imposição ela não será fácil, ele trará problemas”.

Partindo de um oficial da ativa, ganha outro significado. E os desdobramentos do episódio mostram o novo cenário.

Houve grita da mídia, por uma resposta do governo ao militar. O Ministro da Defesa Raul Jungman chegou a anunciar que cobraria providências. Ontem à noite, no programa de Pedro Bial, o chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Villas Boas, declarou em alto e bom som que não haveria punição, que o general falou em ambiente fechado, provocado pelas perguntas etc.

Ali, encerrou-se a fase de subordinação das Forças Armadas ao poder civil.

Obedeceu a uma lógica óbvia: como vai punir um companheiro de fardas, que expressou o sentimento do Alto Comando, se o próprio presidente da República é reconhecidamente corrupto e o Congresso Nacional está dominado por um grupo de parlamentares denunciados?

O atual Partido Militar surge das operações de paz no Haiti, temperadas pelo radicalismo ideológico dos Clubes Militares. Minimizou-se por muito tempo o alarido dos militares da reserva. Mas seu discurso foi penetrando cada vez mais nas famílias militares, especialmente na geração mais velha, influenciadas pelo jornalismo de guerra que imperou a partir de 2005.

Peça 2 – os dois grupos de militares no poder

Há algumas características da atual politização das Forças Armadas, que precisam ser melhor compreendidas para se  montar cenários.

Há dois grupos distintos, que se autoprotegem. 

Um deles são os militares ligados a Bolsonaro, reunidos em torno do general Augusto Heleno e que ganhou corpo com a missão ao Haiti. São militares que não se pejam de entrar na lama da política para preservar seu projeto de poder. Destacam-se o próprio Heleno, o general Luiz Eduardo Ramos – que entregou o controle do orçamento público ao Centrão -, e o Ministro da Defesa, general Walter Souza Braga Neto.

O aparelhamento da máquina pública é feito com militares da ativa e da reserva provenientes de grupos conservadores, como o Instituto Força Brasil. É o caso do coronel Élcio Franco, Secretário Executivo do Ministério da Saúde na gestão Eduardo Pazuello, e principal implicado no escândalo das vacinas. 

O segundo grupo é o Partido Militar propriamente dito, incrustado na hierarquia das Forças Armadas e se aglutinando em torno do vice-presidente, General Hamilton Mourão, autor do discurso citado acima. Não estão subordinados a Bolsonaro, mas serão parceiros fiéis, enquanto Bolsonaro permanecer no poder. E, em caso de sua queda, se colocarão no jogo político, negociando com grupos em disputa.

Isso ficou claro em dois episódios:

1. A entrada dos novos comandantes militares, mostrando a afirmação de um poder autônomo.

Quando Bolsonaro demitiu o Ministro da Defesa Fernando Azevedo, e o comandante das Forças Armadas, general Fernando Pujol – um militar irrepreensivelmente profissional – houve uma reação da corporação para impedir que fossem atropeladas regras de promoção interna.

Na fase inicial do governo Bolsonaro, quando a euforia pela vitória poderia permitir o aparcelamento do Alto Comando por Bolsonaro, aliás, Pujol teve papel central para impedir a ascensão de militares bolsonaristas ao comando de tropas.

Na sua sucessão, o Partido Militar saiu vitorioso, passando a impressão de que poderia se constituir em barreira para os abusos de Bolsonaro. 

2. A Nota Oficial visando impedir o avanço da CPI da Covid, quando esta bateu no núcleo militar da vacina.

A promoção do Alto Comando manteve intacto o Poder Militar. No momento seguinte, reforçou a aliança com Bolsonaro, não como subordinado, mas como parceiro. E, com isso, jogou a imagem das Forças Armadas no pandemônio bolsonarista.

É curioso, aliás, ler supostos especialistas em Forças Armadas tentando reduzir o significado da tal Nota. Afinal, aderiram ao bolsonarismo apenas o Comandante da Força Aérea e o da Marinha – ou seja, 2/3 do Alto Comando. E o comandante do Exército não resistiu às palavras de ordem do general Braga Neto, hoje em dia o principal agente da deterioração da imagem das Forças Armadas.

Além disso, a proteção corporativa parece atender apenas os termos do pacto Partido Militar-Bolsonaro.

Por exemplo, o General Eugênio Pacelli Vieira Mota  foi exonerado depois de criticado por Bolsonaro por editar portaria que aumentava o controle de armas pelo Exército. Sua decisão visava proteger os interesses das Forças Armadas, como detentoras do monopólio da força, impedindo uma liberação de armas que beneficiaria outros grupos armados. Foi degolado.

Por outro lado, envolvidos até a pescoço com as irregularidades do Ministério da Saúde – por adesão ou omissão – tanto o general Eduardo Pazuello quanto o coronel Élcio Franco foram poupados, mas não para atender os desejos de Bolsonaro. Pelo contrário, a tática óbvia de Bolsonaro – no caso da denúncia dos irmãos Miranda – é jogar a conta para Pazuello e seu vice, Élcio Franco.

Peça 3 – os velhos vícios do poder militar

A nota, e os movimentos políticos do Partido Militar, expõe, também, velhos e novos vícios do pensamento militar:

1. Blindagem aos mal-feitos da tropa. 

No passado, enlamearam-se na blindagem ao porão. Agora, o Alto Comando calou-se frente a todas as suspeitas envolvendo militares – do tráfico de cocaína em aviões da FAB às suspeitas com vacinas. 

Aqui, um levantamento dos escândalos recentes, sobre os quais o Alto Comando se calou.

2. A retórica da força como argumento político

Ao assumir papel político, as Forças Armadas se expõem ao chamado escrutínio público. Mas, expostos à críticas, recorrem à retórica da força.

Após a Nota oficial, a entrevista a O Globo do boquirroto comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Jr, com ameaças explícitas ao poder político, mostra a lógica castrense. O twitter fixado em seu Twitter é a nota oficial do Alto Comando e o hastag #JuntosSomosMaisFortes.

O perfil de Baptista Jr mostra o estilo do partido militar: interferência no poder civil, proselitismo político e incapacidade de se submeter à crítica pública. E menções frequentes ao poder das armas. No caso dele, além disso, um deslumbramento ridículo, valendo-se do seu posto para autopromoção nas redes sociais.

Peça 4 – os novos vícios do Partido Militar

1. Falta de um projeto nacional.

Se a truculência é marca antiga, a marca nova do Partido Militar é a ausência total de projetos de país. Em outros momentos da história, o pensamento militar foi essencial para a industrialização do país. Havia, então, a competição com a Argentina – apoiada pela Inglaterra – estimulando a produção interna voltada para a indústria bélica. Tudo isso sob a ótica da segurança nacional.

Após a Segunda Guerra, o pensamento militar cindiu-se em duas frentes. Uma frente, nacionalista, teve papel essencial na criação da Petrobras. A outra, pró-Estados Unidos, devido à enorme influência do general Wernon Walthers junto à Sorbonne – o grupo de militares liderado intelectualmente por Golbery do Couto e Silva – com uma visão liberal da economia.

Hoje em dia, são meramente repetidores de slogans superficiais de mercado, padrão Globonews. Refletem a enorme carência de projetos que marcou o pensamento ultraliberal nas últimas décadas.

2. O fim da noção da segurança nacional

O ponto central do pensamento industrialista das Forças Armadas era a segurança nacional, exigindo autonomia na produção de produtos estratégicos. Esse projeto acabou. Hoje em dia, o desmonte de empresas estratégicas – como a Petrobras e a Eletrobras – está sendo conduzido por militares, em busca óbvia de aliança com o mercado.  Na pandemia, todo o esforço consistiu em aumentar a produção de cloroquina. A lógica de país tornou-se meramente uma lógica de poder, a serviços dos interesses pessoais da corporação.

3. Subordinação total aos Estados Unidos e combate à China.

Não se viu uma manifestação dos militares em relação à venda (frustrada) da Embraer para a Boeing, mesmo sabendo que afetaria a produção militar da empresas. O desestímulo à indústria bélica aumentou a dependência dos Estados Unidos. Não há o menor senso estratégico das Forças Armadas de se beneficiar da competição entre as duas potências. São Estados Unidos e não se fala mais nisso. 

4. Conservadorismo nos costumes e antipetismo radical

É possível algum arejamento nas novas gerações, mas a atual geração no poder continua presa à fantasia da guerra fria – agora no formato EUA x China. Acreditam piamente que o PT é um partido comunista que pretende tomar o poder, enfraquecendo o caráter da Nação com políticas identitárias.

Além dos interesses corporativos, o único fator de agregação das Forças Armadas é o tema moral – assim como os fundamentalistas evangélicos que seguem Bolsonaro.

Peça 5 – militarismo e golpe

Há várias diferenças em relação a 1964, e um conjunto de fatores indicando o não apoio a um golpe de Bolsonaro.

Em 1964 havia amplo apoio da classe média ao golpe militar. Hoje em dia, não.

Apoiar um golpe de Bolsonaro significaria entregar a um desvairado uma centralização de poder que enfraqueceria automaticamente a parceria autônoma. E o Poder Militar pretende sobreviver à hecatombe bolsonarista.

Por outro lado, à medida em que avança essa promiscuidade com o poder civil, mais aumentará o tom das críticas a militares e as medidas de contenção dessa infiltração indevida.

Qual será a reação? Manifestações de força, obviamente, mas, depois da condenação unânime com que foi recebida a última nota oficial, a tática será outra. É possível que o ativismo militar ganhe outras facetas. Em vez da retórica das notas, uso da repressão pontual violenta com o aumento das operações de Garantia da Lei e Ordem e o uso de interpretações arbitrárias da Lei de Segurança Nacional.

Todos esses riscos levarão a parte mais responsável das forças políticas econômicas a tentativas de contenção do dique aberto por Michel Temer, quando colocou militares no centro do poder federal.

O resultado final é uma incógnita absoluta.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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