Fiquei surpreso e inconformado com a ordem de prisão contra Roberto Dias, a partir da acusação de mentir em seu depoimento à CPI sobre a Covid-19.
Assim mesmo. “Mentir”, sem fatos específicos ou episódios concretos. “Faltar com a verdade”, como se o universo da CPI fosse uma assembleia angelical.
Bastou a ordem do senador Omar Aziz, presidente da CPI, para que Roberto Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, um dos vários acusados de envolvimento no esquema de corrupção que se instalou no Ministério da Saúde, fosse enjaulado.
Você pode ter qualquer opinião sobre o papel de Roberto Dias na tragédia da Covid-19. Pode até acreditar que seu papel foi mais importante do que o de Eduardo Pazuello, ou mesmo Jair Bolsonaro.
Numa investigação onde o volume de denúncias é inversamente proporcional aos fatos devidamente apurados, as suposições se tornam incontroláveis.
O problema aqui é simples. Não se apontou uma única prova da culpa de Roberto Dias que justificasse uma medida tão grave, fato que causou constrangimento entre integrantes da CPI e produziu divergências entre muitos de seus integrantes mais ilustres e responsáveis.
A senadora Simone Tebet, responsável por vários momentos memoráveis, fez questão de deixar clara sua discordância — depois de sublinhar sua convicção, na sessão de ontem, de que as acusações contra Dias serviam para encobrir culpados mais graúdos.
Em busca de fatos e provas, a senadora defende uma proposta irresistível no caminho de apurar a verdade — uma acareação contra o próprio Roberto Dias e o coronel Elcio Franco, Secretário Executivo do Ministério, número 2 na hierarquia da instituição.
Otto Alencar, parlamentar experiente, médico de formação, que submeteu o general e ex-ministro Eduardo Pazuello a uma sabatina marcada pelo rigor e pela coragem, foi outra voz discordante.
O senador Alessandro Vieira, policial de formação, responsável por alguns dos interrogatórios mais esclarecedores, foi outro que não escondeu sua discordância.
Num país que acaba de enfrentar a truculência da Lava Jato, que produziu uma regressão lamentável em nosso regime democrático, é prudente manter uma postura mais cuidadosa com princípios elementares do Direito, como a presunção da inocência.
A cena de hoje mostra que gestos espetaculares, que rendem manchetes espalhafatosas, continuam no arsenal de boa parte de nossos políticos. São mais fáceis de produzir do que denúncias apuradas de modo consistente e divulgadas de forma responsável.
A CPI foi criada para cumprir a mais nobre das missões, que é investigar responsabilidades pelas 525 000 mortes pela Covid. É uma tarefa indispensável — hoje, amanhã e sempre — que não pode ser substituída por imagens sob medida para iludir uma população corretamente indignada com uma tragédia que poderia ter sido evitada.
Nessa tarefa, o país precisa de fatos e provas, base de toda Justiça.
Alguma dúvida?
PAULO MOREIRA LEITE ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)