Há um candidato óbvio para enfrentar Bolsonaro: Lula. E uma polarização entre o antipetismo e o anti bolsonarismo, explorada pela centro-direita.
Vou montar um xadrez aqui, mas, em alguns casos, trabalhando com algumas hipóteses que precisam ser confirmadas.
Genericamente, vamos dividir as forças mais ostensivas de oposição a Bolsonaro em três grupos. Ou melhor, dois grupos e meio, já que o terceiro é uma hipótese longínqua: a centro-esquerda, representada por Lula; a direita liberal, tendo como principal estimulador as Organizações Globo; e a extrema direita, representada por movimentos de militares em torno de Sérgio Moro. A última não tem expressão eleitoral, mas precisa ser acompanhada devido ao componente golpistas de tentar criar um bolsonarismo sem Bolsonaro.
Peça 1 – o jogo da polarização
Há um candidato óbvio para enfrentar Bolsonaro: Lula. E uma polarização entre o antipetismo e o anti bolsonarismo, explorada pela centro-direita. ‘
Durante algum tempo tentou-se emplacar o campeão branco em cima da seguinte premissa: se Bolsonaro e Lula se fortalecem com o, respectivamente, anti-lulismo e anti-bolsonarismo, um deles saindo do páreo, o anti garantiria a vitória de um terceiro. E toca procurar o terceiro e torcer para um dos dois favoritos sair do páreo.
Tentou-se Sérgio Moro e Mandetta, chegaram até a preparar um curso de madureza política para Luciano Huck, mas ele preferiu assumir o Programa do Faustão. Achou meio cacete ter que, toda semana, entrevistar grandes nomes do liberalismo mundial. Preferiu as excentricidades de seus programas.
O último sobrevivente foi Ciro Gomes. Mas Ciro tem um algoritmo no cérebro que é acionado para se autodestruir sempre que ele está prestes a encontrar algum rumo. O homem se prepara, estuda, se cerca de especialistas, desenvolve até boas propostas. Se fosse concurso ou vestibular, sairia bem. Na hora do teste política, é um desastre completo, o chamado político-transparente – que coloca em público seus instintos primitivos, voltados para alimentar sua militância que, como toda militância, pensa com o fígado. No primeiro desafio político se auto-destrói.
A lógica de Ciro – extraordinariamente canhestra para uma pessoa da sua idade e com seu nível de experiência – consiste em apostar tudo na criminalização do PT, esperando que a pandemia se incumba de tirar Bolsonaro do jogo.
Não se deu conta de que, após o desastre Bolsonaro, há um eleitorado cansado de guerra e sequioso por propostas de reconstrução. Mas a síndrome do escorpião é inerente à natureza de Ciro. Gradativamente, vai se tornando um candidato tóxico até para seus aliados políticos.
Peça 2 – o desafio de diluir o anti-lulismo
Um ex-presidente é um ativo político nacional, preservado em qualquer democracia civilizada pela relevante razão de que, em momentos delicados da vida nacional, ele é um agente relevante de mobilização de seu grupo.
Em momentos graves da vida nacional – como na tentativa de golpe com o “mensalão” -, todos os ex-presidentes, com exceção de Fernando Henrique Cardoso, se juntaram em defesa da governabilidade e da democracia – José Sarney, Fernando Collor de Mello e Itamar Franco.
Por aqui, ao destruir a imagem de Lula perante parcela do eleitorado, criou-se um enorme déficit democrático, do qual se aproveitou Bolsonaro. Enquanto a direita liberal se esmerava em destruir Lula, a boiada de Bolsonaro passava pela porteira aberta.
Agora, gradativamente, vão enxergando em Lula a única alternativa concreta para salvar o país da tragédia Bolsonaro. Há vários movimentos visando exorcizar Lula das acusações:
- O encontro de Fernando Henrique Cardoso com Lula, selando um pacto de velhos companheiros das diretas-já. Em todo o período, até a anulação das condenações de Lula pelo STF, FHC esmerou-se em reforçar as suspeitas contra Lula. Desta vez, a única ressalva, para se justificar perante seu público, foi a de que Lula “melhorou de vida”. Mas salientou que Lula é candidato de centro, negociador e bom político.
- O editorial do Jornal Nacional reforçando a ideia de que, contra os que combatem a democracia e a ciência, não haverá dois lados. E mencionando Lula na cobertura sem o bordão “condenado por corrupção”. Dia desses, uma pequena nota da mídia, sem repercussão, informava mudanças na cúpula da Globo, com a criação de uma diretoria à qual se subordinarão o diretor de jornalismo e o de esportes. Pode não ser nada. Pode ser uma maneira de domar os ímpetos do diretor de jornalismo, Ali Kamel, principal responsável pela imprudente radicalização política da emissora.
- Encontro de grandes empresários tradicionais em São Paulo – contrapondo-se ao jardim zoológico dos bilionários que apoiam Bolsonaro – para discutir a terceira via. E saindo com a convicção de que não existe terceira via e elogios à moderação de Lula, segundo reportagem do Valor Econômico.
Foram esses movimentos que fizeram Ciro ligar o botão de pânico, chegando a tratar Fernando Haddad como “criminoso”.
Peça 3 – a montagem do arco de centro-esquerda
A estratégia de Lula para montar um arco de centro-esquerda pode ser resumida em uma frase: ninguém manda, ninguém veta. A ideia é a montagem de um pacto sem a hegemonia massacrante do PT – apesar de ser o maior partido de oposição do país. A moeda de troca é o apoio do partido a candidatos a governador de outras siglas, com melhor possibilidade.
As recentes filiações do governador do Maranhão, Flávio Dino, e do deputado do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, reforçam substancialmente o movimento do PSB em direção a Lula. Além da participação de Ricardo Coutinho, ex-governador da Paraíba, um dos principais articuladores do consórcio do Nordeste e vítima da sanha lavajatista, mas que detém influência sobre o partido.
Outro ponto de confluência política é o fórum de governadores e, especialmente, o consórcio do Nordeste, ao se constituir em centro de racionalidade contra as loucuras de Bolsonaro.
O segundo movimento está sendo feito em direção a partidos do centro. Há notícias de bons contatos com um arco amplo de partidos, incluindo o PSD de Gilberto Kassab e o Centrão. Tudo dependerá dos ventos da opinião pública em relação a 2022.
Há uma regra de ouro para a cooptação de políticos: o mercado futuro vale mais que o mercado à vista. Ou seja, a compra de votos por Bolsonaro, com as emendas parlamentares, vale exclusivamente para o momento. Para o futuro, valerá a aliança com o candidato mais viável. O mesmo vale para o mercado. Esta semana, Bolsonaro entregou o último butim, a Eletrobras. Teoricamente, haveria menos razões para defender a manutenção do apoio a Bolsonaro.
Peça 4 – a luta pelo impeachment de Bolsonaro
A grande questão, do lado do arco anti-Bolsonaro, é se deve aguardar as eleições de 2022 ou batalhar pelo impeachment. Não faltam motivos para o impeachment, de crimes de responsabilidade a suspeitas de crimes maiores.
Ao mesmo tempo, a sobrevida a Bolsonaro traz riscos:
- A possibilidade de recuperação da popularidade com o controle da pandemia e alguma recuperação econômica em 2022.
- O fortalecimento do lado golpista de Bolsonaro, com o avanço sobre as policiais militares e as milícias armadas. O gatilho, que seria o questionamento do resultado das eleições. O estratagema, adotado por Donald Trump e, agora, por Keiji Fujimori, no Peru, mostra que se trata de uma estratégia da ultra-direita global.
- A articulação militar, para não perder o espaço conquistado junto à administração civil, além do antipetismo exacerbado da corporação.
O maior fator de pressão sobre Bolsonaro é a CPI do Covid. Nos próximos dias haverá a convocação para que Bolsonaro apresente – ainda que por escrito – as razões que o levaram a endossar a política de saúde que matou 500.000 pessoas. Mudou-se também a condição de depoentes da CPI, de testemunhas para acusados. O ponto de disparo será a convocação de algum filho de Bolsonaro.
Nos próximos dias, haverá um novo festival Bolsonaro de aberrações, como reação às pressões da CPI. E a opinião pública ainda está sob o choque das 500 mil mortes.
Mesmo assim, ainda não se vê sinais mais concretos de busca do impeachment.
Peça 5 – os temas a serem acompanhados
Nesse quadro, as maiores atenções se voltarão para os seguintes processos em curso:
- As negociações políticas de Lula.
- Os avanços da CPI.
- Os sinais de aceleração nos planos golpistas de Bolsonaro.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)