O DISCURSO PREPARADO DE PAZUELLO NA CPI DA PANDEMIA: OMISSÕES, DADOS INFLADOS E HEROÍSMO

CHARGE DE NANDO MOTTA

Traçando um balanço positivo no Ministério da Saúde, mesclado a tons de heroísmo, retrospectiva familiar e carreira militar, Pazuello inflou dados, omitiu e tirou de contexto informações

Jornal GGN – Carregada de um discurso que muito se assemelhou a uma campanha eleitoral de Jair Bolsonaro, a introdução do ex-ministro Eduardo Pazuello na CPI da Covid foi a demonstração do preparo e treinamento recebido por ele nos últimos 20 dias.

Recebendo uma preparação intensiva, Pazuello deveria participar da CPI da Covid no dia 5 de maio. Nervoso e com receio, a equipe palaciana tentou evitar até mesmo pela Justiça a participação do ex-ministro na Comissão que investiga as omissões e crimes cometidos pelo governo Bolsonaro.

Coincidentemente, às vésperas do depoimento, o general apresentou um pedido de prorrogação aos senadores alegando ter tido contato com pessoas com Covid-19 e que, assim, deveria ficar 14 dias em isolamento, quarentena – tempo que, confirmada ou não a suspeita de Covid-19, foi suficiente para estar preparado para se apresentar aos parlamentares.

Traçando um balanço positivo de sua gestão à frente do Ministério da Saúde, com sequências de “bilhões” e “milhões” que a pasta investiu no enfrentamento à Covid-19, mesclado a tons de heroísmo, retrospectiva de sua infância, familiar, cidade de origem e carreira militar, Pazuello inflou dados e destacou pontos que dariam o tom de todo o seu depoimento no Senado.

Entre os dados inflados, o ex-ministro enfatizou que o “Brasil figura entre os países que mais imunizamos no mundo”, citando os números de população, atrás somente da China, Estados Unidos e Índia. A informação, contudo, foi tirada de contexto e não traz a real dimensão da imunização no país.

O Brasil é o sexto país mais populoso do mundo, com 212 milhões de habitantes. Assim, os números absolutos parecem indicar que a vacinação entre os brasileiros caminha bem, o que não se confere na realidade. Isso porque, em porcentagem de doses versus população, o Brasil está em 73ª posição entre 166 países do mundo.

Assim, Pazuello inflou e retirou de contexto a declaração, ao conclamar em tom positivo: “Hoje, o Brasil figura entre os países que mais imunizamos no mundo, e lembro que esses 3 países [EUA, China e Índia] detem quase 100% da produção de insumos no mundo.”

Na contramão da realidade, ainda ao falar rapidamente sobre a vacinação, Pazuello disse que “o governo federal agiu de forma muito rápida” ao entrar em contato com fabricantes de vacinas.

“Mesmo quando não se falava em imunizantes, o governo federal já estava agindo de forma rápida e estávamos em contato com todos os fabricantes de vacina em todo o mundo”, narrou, surpreendentemente. A fala omite que o Brasil foi um dos últimos países a começar a vacinar a população no mundo e os atrasos já comprovados pela própria CPI da Covid, com o governo ignorando diversas propostas da Pfizer, por exemplo.

Com o cuidado de jamais pronunciar a palavra “atraso”, assim justificou Pazuello na sua abertura: “Iniciamos [conversando] com 6 fabricantes que estavam avançadas e acompanhávamos de perto a da Moderna e de Oxford, e assim fomos trabalhando e escolhendo a tecnologia que pudesse ser transferida para nós, em detrimento da compra direta. Isso nos permitiu em alcançar números que vão além.”

Com isso, o ex-ministro tratou de justificar que o governo teria impulsionado parcerias para trazer a tecnologia das vacinas contra a Covid-19 no Brasil e não comprar diretamente de laboratórios mundiais. Na prática, contudo, a afirmação não confere.

Isso porque o país não apoiou a produção da CoronaVac, no laboratório do Instituto Butantan, e tardou em fechar um acordo com o mesmo para a distribuição dessas doses ao Brasil, enquanto que o governo de São Paulo já avançava com a garantia do calendário de imunização no estado.

Entre os “números que vão além”, Pazuello ainda citou o acordo com a Covax Facility como se fosse consequência das tratativas de 2020 do governo brasileiro, e não uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), concretizada somente em 2021, para que países sub-desenvolvidos e em desenvolvimentos não ficassem atrás na corrida pela imunização.

O próprio ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, admitiu na sessão desta terça (19) que a OMS ofereceu ao Brasil a aquisição de doses suficientes para imunizar 50% da população brasileira, mas que o Brasil aceitou somente 10%.

Mas, para Pazuello, a atuação “rápida” do governo na imunização “nos permitiu alcançar acordos com Covax Facility, com os 200 milhões de doses até o final do ano” e jogou as contas dos posteriores atrasos da aquisição de vacinas junto aos laboratórios, novamente sem citar a palavra, “nas adequações da lei” feitas em março, um ano após o início da pandemia.

MANAUS: “ANTECIPEI-ME AOS FATOS”

Outra informação inflada pelo general na CPI da Covid foi o episódio da crise sanitárias de Manaus, Amazonas.

“Vi e vivi (…) o colapso do sistema de saúde de Manaus. Antecipando-me aos fatos do Amazonas, para avaliar em locu a realidade da situação, mesmo antes de conhecer a profundidade dos fatos, desloquei o gabinete do ministro e todos os secretários de saúde”, afirmou o ex-ministro.

A Saúde, contudo, não “se antecipou” ao colapso da saúde em Manaus. Ao contrário, conforme o GGN e o noticiário revelou, em janeiro deste ano, o governo federal soube do “iminente” colapso na crise sanitária na região 10 dias antes de estourar e, após a morte de 20 a 30 pessoas asfixiadas por falta de oxigênio, Pazuello determinou o envio de uma comitiva a Manaus somente no dia 3 de janeiro, e a equipe só chegou nos dias 10 a 13 daquele mês, quando o noticiário de todo o país já registrava diária e ininterruptamente as mortes por falta de ar.

Ainda, as quantias de oxigênio enviadas ao estado foram mínimas em comparação à necessidade local e somente após o pior dia do colapso, 14 de janeiro, é que o então ministro providenciou o transporte de mais oxigênio ao Amazonas, por meio da FAB e da Marinha, e a transferência de pacientes para receber atenção em outros estados. O caso foi motivo de abertura de um inquérito da Polícia Federal e também uma das principais razões para a abertura da CPI.

Mas, nas palavras de Pazuello, a atuação dele e sua equipe em Manaus foi motivo de comemoração, “uma das maiores operações logísticas da história”, que geraram “o desprendimento de 1,6 milhões de m³ de oxigênio, e pudemos restabelecer o oxigênio em 6 dias”, celebrou, sem citar, ainda, a doação de 107 mil m³ de oxigênio do governo da Venezuela, antes mesmo de Pazuello começar a agir no estado.

CULPA ESTADOS E MUNICÍPIOS

Outro destaque dado pelo ex-ministro em sua fala introdutória foi a tentativa de responsabilizar estados e municípios pela crise sanitária. Como já esperado, e segundo os mesmos argumentos sustentados pelo presidente Jair Bolsonaro, Pazuello quis distorcer o foco das investigações da CPI como se as omissões e crimes fossem de responsabilidade dos entes federativos e não do governo federal.

Citou a Lei 8.080 que “define as responsabilidades da União, estados e municípios, de forma tripartite” e que só cabe, segundo ele, à União “disponibilizar recursos para que os estados e municípios executem” as políticas de saúde pública.

E criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que concedeu autonomia para que os entes federativos atuassem no combate à pandemia, determinando, por exemplo, medidas de isolamento social. “A decisão do STF limitou ainda mais a atuação do governo em tais ações”, criticou Pazuello.

Ao contrário da declaração, a determinação da Supremo Corte, de abril de 2020, e as cosnequentes decisões do ministro Ricardo Lewandowski sobre o caso evidenciavam que era competência da União a centralização do governo federal para atuar no enfrentamento da pandemia e que em caso de omissões ou não exercer tal função é que os governadores e prefeitos poderiam adotar as medidas sanitárias de proteção da população contra o vírus.

“Não tem como a União intervir, isso seria possível somente através de uma intervenção de estado”, afirmou Pazuello. A informação correta, contudo, é que o governo federal só precisaria “intervir” caso quisesse adotar uma medida contrária às decisões de proteção sanitária determinadas pelos Estados e municípios, e não ao contrário.

Seguindo na responsabilização dos prefeitos e governadores, disse: “O gestor pleno do SUS é o secretário municipal de saúde. Coube à União apoiar a execução de medidas. (…) O ministro não decide nada sozinho no SUS, divide um terço da responsabilidade.”

VÍRUS DA CORRUPÇÃO

Para encerrar seu discurso, Eduardo Pazuello adotou a bandeira anti-corrupção de campanha do presidente Jair Bolsonaro, criticou gestões anteriores, falando de histórico de “desvios de recursos públicos em todas as áreas” e que o Brasil tem que lidar com outros dois vírus “vírus da corrupção e o da impunidade, ainda bastante presente e que matam milhões de brasileiros, tão avassaladores e crueis quanto o coronavírus”.

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Acompanhe o depoimento de Eduardo Pazuello na CPI da Covid:

PATRÍCIA FAERMAN ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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