O maior enigma da história recente do Supremo Tribunal Federal (STF) é o Ministro Luiz Edson Fachin. A enorme visibilidade, conferida pelas transmissões de TVs e transformação de Ministros em celebridades, permitiram identificar claramente a personalidade de cada um, explicando duas atitudes.
Por exemplo,
Luis Roberto Barroso move-se pela vaidade. Era nítido desde o início de sua gestão, quando modestamente se colocou ao lado de Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e San Thiago Dantas, como os juristas políticos. Ou sua insistência em se autodefinir como “homem bom”, “homem que só busca o bem”, fazendo lembrar o clássico “Canto de Ossanha”, de Baden e Vinicius (“o homem que diz sou, não é”).
A sombra de Narciso marca todos seus atos. Pretendeu-se líder do ultraliberalismo, aliando-se a Flávio Rocha, o pior discípulo de Roberto Campos. Um grande jurista precisa conhecer não apenas as leis, mas a história, sociologia, ciências sociais. Quis tornar-se um intérprete do Brasil, repetindo os estereótipos mais manjados e superficiais dos grandes intérpretes – como o mito do brasileiro preguiçoso e malandro -, demonstrando-se um leitor de orelha de livros.
Acusado de superficialidade, lançou um livro pretendendo aprofundar-se em alguns temas contemporâneos, sem nenhuma capacidade de juntar as análises em uma interpretação minimamente sofisticada dos tempos modernos. Era apenas uma coletânea. Anunciou o novo Iluminismo e, quando Temer não se mostrou à altura, recorreu a Gramsci para sustentar que “o velho morreu e o novo ainda está nascendo”. E o novo nasceu na forma de Bolsonaro.
Joaquim Barbosa movia-se pelo ódio. Usou o “mensalão” para derramar todo seu ódio contra o preconceito que sofreu ao longo de sua vida. A um amigo, disse que evitava chegar cedo ao Supremo para não se encontrar com os colegas no café e sentir-se menosprezado. Encontrou no “mensalão” sua revanche da vida. Tornou-se poderoso, usou o cargo de relator do “mensalão” para destruir tudo o que passava à sua frente, todos que ousassem atrapalhar o seu grande momento de vingança. Sua guerra particular refletiu-se sobre todo o país, ajudando a implantar o clima de ódio e preconceito do qual foi alvo. Quando caiu a ficha do mal que fez ao país, balbuciou alguma reação em sua conta de Twitter e se recolheu. Não se pronunciou nem quando o ódio, que foi sua herança, explodiu na forma de Bolsonaro, destruindo todas as políticas de inclusão que, ainda procurador, Barbosa defendia.
Carlos Ayres Brito e Carmen Lúcia, frágeis e superficiais, encantaram-se com a publicidade dada pela mídia. A cenoura que os conduzia eram as matérias leves que falavam das poesias de Carlinhos (como é tratado pelos amigos) e as frases mineiras de Carminha. Encantado com sua curta carreira de celebridade, Carlinhos chegou a endossar uma das teses conspiratórias da mídia, de que Lula pretendia pressionar o Supremo, dando como prova seu último encontro com ele, quando Lula lhe perguntou “como vai Celso Antonio?”. O grande jurista Celso Antonio Bandeira de Mello foi padrinho da indicação de Carlinhos e Carminha. Uma obviedade – Lula mencionando um conhecido comum – foi usado por Ayres Brito para supostamente comprovar a conspiração de Lula para influenciar Ministros.
Gilmar Mendes é o poder, por tal entendendo-se o Ministro que conhece profundamente as entranhas do poder. Tem noção clara de onde estão os focos de poder e como atuar para se impor. No período Lula, entendeu o papel central de José Dirceu, como estrategista do PT, e de Paulo Lacerda, como articulador do profissionalismo da Polícia Federal. E atuou decisivamente para colocá-los fora do jogo. Depois, ao perceber o avanço do fascismo, colocou-se decisivamente contra o arbítrio da Lava Jato e nas conversas, inclusive com militares, foi fundamental para assegurar a independência do Supremo, como último bastião contra a barbárie
Se Gilmar é o poder, Alexandre Moraes é a força. São iguais na coragem, mas diferentes nos propósitos. Moraes é o típico paulista desajeitado nas articulações políticas, mas cioso da sua autoridade. Seu papel nas investigações das fake news foram essenciais para repor a autoridade do Supremo.
Marco Aurélio é o anti-sistema, no melhor e no pior sentido. É contra conchavos, contra interpretações unilaterais do regimento e da Constituição e, em nome de seu individualismo, comete extravagâncias desnecessárias.
Celso de Mello era o jurista conservador clássico, com sua obediência à lei e seu princípio de que processos não têm capa nem fotos – para salientar a impessoalidade no julgamento.
Ricardo Lewandowski é a voz solitária de coerência, não mudando de posição em nenhum momento.
Dias Toffoli era o petista clássico que assumiu seu posto de Ministro do STF em um momento em que a opinião pública e, especialmente, o Judiciário, era tomada por uma onda incontrolável de antipetismo. Foi alvo de ataques abjetos da Veja, abrigou-se nas asas de Gilmar Mendes e fez a travessia silenciosa para o outro lado do rio.
Já Fachin é a incógnita.
Sua origem é a esquerda. Seus amigos no Paraná são juristas e advogados progressistas. Foi advogado do Movimento Sem Terra e, em evento na PUC-SP, em apoio à campanha de Dilma, pediu para ser um dos oradores.
Criou reputação de grande jurista, sim, mas, já na campanha para Ministro, começou a expor suas vulnerabilidades.
A primeira delas, foi o patrocínio recebido da JBS, oferecendo jatinhos e assessoria política junto ao Senado. Era curioso que um jurista defensor do MST pudesse ser apoiado pelo maior cartel agrícola do país. Ficou mais estranho no dia em que Fachin negou um habeas corpus a lideranças rurais presas no centro-oeste, tema que nada tinha a ver com a Lava Jato nem o governo, mas com seu próprio histórico de advogado.
A transformação definitiva veio com a Lava Jato. Em 2015 assumiu a relatoria da Lava Jato, de forma esdrúxula em consequência da morte de Teori Zavascki. Tempos depois, a Vaza Jato revelou a comemoração dos procuradores de Curitiba: “uh-uh, Fachin é nosso”. Nunca se soube qual foi o acordo que fez com que, no início de seu mandato de STF, o jurista que fez campanha para Dilma fosse considerado “nosso” pela Lava Jato.
Surfou nas águas da Lava Jato, ao lado de Barroso e se mostrou o mais implacável dos juizes. Atuou politicamente em todas as frentes internas do Supremo para impedir a candidatura de Lula. Atribui-se a ele a preparação do voto da Ministra Rosa Weber, que garantiu a prisão em 2a instância, mantendo Lula na prisão. O fato foi desvendado por um jornalista da Folha, analisando os juristas mencionados no voto, todos já citados anteriormente em votos de Fachin, nenhum em atos anteriores de Rosa Weber.
Mas, enquanto Barroso se abria para qualquer holofote que o iluminasse, Fachin guardou uma discrição completa. Com isso passaram desapercebidas algumas ações e não-ações.
Por exemplo, contrariando sua atuação implacável, mandou libertar Rocha Loures, flagrado recebendo uma mala de R$ 500 mil da JBS, depois de indicação do então presidente Michel Temer. Loures é filho de um ex-presidente da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP), Rodrigo Rocha Loures. Antes do Supremo, Fachin atuava como árbitro junto à FIEP. Em evento com Lula, em 2010, Rodrigo Rocha Loures defendeu a candidatura de Fachin ao Supremo.
O caso JBS – a delação de Joesley – caiu no colo de Fachin devido a manobras do então Procurador Geral da República Rodrigo Janot. Este encaminhou dois pedidos de cautelares a Fachin, considerando-o prevento – termo que define a competência do julgamento. Essa característica, de prevento, foi desmentida, depois, pela análise das ações.
Segundo reportagem minuciosa do jornal A Tarde,
“Poucas horas depois da assinatura do pré-acordo de delação da JBS, no dia 7 de abril de 2017, Janot fez dois pedidos de cautelares a Fachin: um de interceptações telefônicas e outro de ação controlada, ambos referentes ao então senador Aécio Neves (PSDB). Para isso, forçou uma relação inexistente do caso do tucano com outros dois processos já sob a relatoria de Fachin, alegando que o ministro seria prevento, ou seja, que já teria despachado anteriormente em casos vinculados.
No entanto, a própria Coordenadoria de Processamento Judicial do STF não encontrou vínculos das cautelares envolvendo Aécio com a petição 6122 e o inquérito 4326, apontados por Janot para justificar a prevenção de Fachin. A petição 6122 é relacionada a Fábio Cleto, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, e o FI-FGTS (…)
A inexistência da prevenção foi reconhecida mais tarde pelo próprio Fachin, em 30 de maio, ao determinar que a investigação sobre Aécio e pessoas ligadas a ele fosse enviada para “livre distribuição no âmbito da Suprema Corte”, já que eram “minimizados os pontos de contato entre os referidos núcleos em investigação”.
Fachin abriu mão do caso Aécio, mas manteve consigo o julgamento do pedido de anulação da delação da JBS. Até hoje não se manifestou. Se a delação for anulada, Joesley Baptista ficará novamente vulnerável à ação da Justiça. Curiosamente, a defesa de Fachin, em relação à matéria de A Tarde, foi feita pela própria JBS, em nota oficial:
“O mais grave, no entanto, são as absurdas ilações em relação à isenção e retidão do ministro Edson Fachin. Não há em sua trajetória nenhuma mácula, e seu histórico mostra que nunca favorece quem quer que seja em suas decisões, muito menos a J&F ou seus acionistas. Questionar a isenção de um ministro da corte suprema do país é questionar o Poder Judiciário e mesmo o próprio equilíbrio entre os poderes, pedra fundamental do estado democrático de direito”, escreveu a empresa”.
Enquanto segurava o pedido de anulação da delação da JBS, Fachin saiu da discrição e deu dois lances ousados – e destrambelhados – mostrando uma enorme incapacidade de analisar estratégias.
O primeiro, foi a decisão de anular as condenações de Lula por Sérgio Moro, por considerar que ele não seria o “juiz natural” do caso. A decisão foi em favor de Moro, visando impedir que o STF pudesse julgar a suspeição de Moro. O julgamento da suspeição foi mantido e a anulação das condenações colocou Lula de volta ao jogo político – desdobramento óbvio mas, provavelmente, não previsto por Fachin.
O segundo episódio foi autorizar a Polícia Federal a investigar seu colega Dias Toffoli, baseado em uma delação – não aceita pela Procuradoria Geral da República – do ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
12 dos 15 anexos da delação de Cabral já haviam sido rejeitados pela PGR por falta de provas. Presidente do STJ, Toffoli aceitou a posição do PGR e suspendeu a validade. Em seguida, Cabral fez nova delação – exclusiva para a Polícia Federal – envolvendo Toffoli e até sua (de Cabral) esposa. A PF pediu autorização para investigar o Ministro, e Fachin concedeu.
Ante a reação generalizada da corte, Fachin voltou atrás e enviou o pedido ao pleno.
Com as últimas medidas, Fachin se expôs à luz do dia. Mas não o suficiente para que se possa explicá-lo adequadamente.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)