” O ESTADO DE SÃO PAULO”, O JORNAL TEMIDO HOJE É IRRELEVANTE

A imprensa corporativa no Brasil é controlada por famílias. Ou expresso de outra forma: a opinião publicada reflete os interesses de famílias da elite, por isso o jornalista Mino Carta apelidou os grandes jornais de mídia da Casa Grande .

Os Marinhos, no Rio de Janeiro, editam os jornais ” O Globo”, ” Valor Econômico” e ” Extra”. Os Frias, em São Paulo, publicam a “Folha de S.Paulo” e o ” Agora”.

Há outras publicações familiares relevantes no Rio Grande do Sul ( “Zero Hora”) e em Minas Gerais (” O Estado de Minas”), sem influência nacional.

Os Mesquitas, fundaram e editaram por muitos anos “O Estado de S.Paulo” e o “Jornal da Tarde'”, o último deixou de circular em 2012.

Criado por um grupo de republicanos em 1875 sob o nome de “A Província de São Paulo”(à época todos os estados brasileiros eram chamados de província), transformou-se em “O Estado de S.Paulo” sob o comando de Rangel Pestana, depois sucedido por Júlio de Mesquita. .

Foi a publicação pioneira em venda avulsa impulsionada pelo imigrante francês Bernard Gregoire, que saia às ruas montado num cavalo e tocando uma corneta para chamar a atenção do público.

Décadas depois , ele virou símbolo do jornal por ter aumentado as vendas permitindo que se tornasse a publicação de maior tiragem no estado no final do século XIX.

Alcançou prestígio nacional, grandes tiragens e influência política nacional.

Nos anos 30, por incentivar a Revolução de 32, virou alvo do Estado Novo e passou a enfrentar o poder central de forma sistemática, obrigando Júlio de Mesquita Filho, que havia sucedido seu pai, a buscar exílio em Portugal onde ficou até novembro de 1933.

Quando Getúlio Vargas nomeou Armando Salles Oliveira, amigo da família, para interventor do Estado, Júlio de Mesquita Filho e seu primo Francisco Mesquita decidiram voltar ao Brasil.

Júlio de Mesquita Filho comandava o projeto editorial; Francisco cuidava das finanças e administração.

É no retorno que Júlio de Mesquita Filho cria seu projeto mais ambicioso: a Universidade de São Paulo, com o apoio do professor Fernando de Azevedo e a chancela da maior autoridade pública do estado, Armando Salles Oliveira.

Fundada em 1934, a USP foi concebida como uma universidade pública para formar uma elite intelectual nacional nos moldes das universidades francesas.

Mesmo assim, por permitir que grandes professores estrangeiros como Claude Levy-Strauss, Fernand Brudel, Roger Bastide, Donald Pierson e outros implantassem novos padrões de ensino e pesquisa na formação de novas gerações que revolucionaram o ensino no Brasil, o país deve aos Mesquitas seu desenvolvimento cultural e educacional.

No ano de 1940 até 1945 a família Mesquita foi afastada da direção de ” O Estado de S.Paulo”.

Por intermédio do Dip ( Departamento de Imprensa e Propaganda ) , o governo Vargas calou o jornal que fazia oposição aberta ao governo central. Apenas em dezembro de 1945, por decisão do Supremo Tribunal Federal, o jornal foi devolvido aos seus legítimos proprietários.

Nos anos 50, sob a direção de Júlio de Mesquita Filho e a influência de jornalistas europeus fugidos dos destroços da Segunda Guerra Mundial, franceses ( Gilles Lapouge), portugueses ( Miguel Urbano Rodrigues) e italianos ( Giannino Carta), pai do jornalista Mino Carta, “O Estado de S.Paulo” destacou-se como um veículo conservador independente e temido pelos donos do poder.

Com a morte de Júlio de Mesquita Filho, seus filhos Júlio de Mesquita Neto e Ruy Mesquita passaram a comandar a operação jornalistica e mantiveram o prestígio e a influência da família no cenário nacional.

Em 1953 , o jornalista de esquerda Cláudio Abramo é contratado para secretário de redação , e junto com o diretor de redação, Giannino Carta, realizam uma verdadeira revolução jornalística. Cláudio deixa o jornal em 1963, foram dez anos de mudanças que ficaram na história da publicação.

De um jornal que privilegiava o noticiário internacional e literário, o órgão de imprensa se transforma em uma publicação plural, sem desprezar o noticiário internacional, dando destaque a notícias do Brasil, das cidades e incorporando a participação de nomes de prestígio do universo do conhecimento.

Essa receita editorial fez do ” O Estado de S.Paulo” o jornal que os governos temiam.

Mesmo tendo apoiado a queda do presidente João Goulart em 1964 pelos militares, os Mesquitas não se livraram das perseguições do poderosos de plantão.

Em 1968, “O Estado de S.Paulo” teve uma de suas edições apreendidas. E por se negar a fazer autocensura, passou a publicar trechos de Camões em matérias censuradas.

No ” Jornal da Tarde, dirigido por Ruy Mesquita, matérias censuradas deram lugar a receitas culinárias.

O jornalista e cientista político Oliveiros Ferreira da USP (1967 – 1978 ) sucedeu a Cláudio Abramo , mantendo intocável a receita editorial.

Os jornalistas Miguel Jorge ( 1977-1987), Augusto Nunes (1986-1992 ) e Pimenta Neves ( 1994 -2000 ), que também lideraram editorialmente o jornal, mantiveram a fórmula.

Com as mortes de Júlio de Mesquita Neto (1996) , de Ruy Mesquita (2013) e Oliveiros Ferreira ( 2017) , a empresa iniciou um período de turbulências financeiras que começaram com a mudança da sede da Rua Major Quedinho para a Marginal do Rio Tietê por influência e decisão de especialistas em Organização/ Método e os preços dolarizados oscilantes no custo do papel.

De referência do centro histórico da Cidade de São Paulo à rua Major Quedinho, “O Estadão”, líder de vendas em bancas, publicidade e classificados, se transformou num jornal qualquer nas mãos de empresário financistas que seguem os paradigmas do mercado.

De temido e respeitado pelos governos de plantão, admirado e influente como uma instituição para leitores, empresários e anunciantes, “O Estadão” passou a ser mais uma publicação impressa a combater em desigualdade as redes sociais.

Apenas uma voz da direita em um país dividido.

Uma triste trajetória para uma publicação de tamanha importância na história do Brasil, que resistiu a censura em todas as épocas, mas que foi incapaz de resistir aos homens de negócios .

PS: segundo texto de uma série sobre a imprensa brasileira.

PATRÍCIO BENTES ” ALLTV” ( BRASIL)

Patrício Bentes é jornalista e sociólogo pela Universidade de São Paulo

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