CHARGE DE AROEIRA
O que se fez no Brasil no dia seguinte à noite em que ultrapassamos 4 mil mortes diárias (e hoje, ficamos quase lá)?
O presidente da República vai , em Chapecó, fazer o elogio charlatão de medicamentos inúteis para a Covid e é incapaz de uma palavra de simpatia para as famílias que perderam pessoas queridas.
O ministro da Saúde, esgueirando-se para ficar fora de foco, seguiu o chefe, mas convenientemente nada disse sobre a encenação.
A Câmara dos Deputados aprova um projeto para legitimar o tráfico de vacinas: quem tiver dinheiro, compre onde venderem – na “casa da tua mãe”, segundo as palavras presidenciais – seja lá que porcaria for e aplique em quem quiser, sem controle algum.
A Suprema Corte passa a tarde discutindo o óbvio: se é legal restringir aglomeração em cerimônias religiosos, em meio a um mar de mortes ou se os pregadores do tipo “Jim Jones” estão livres para fazerem os seus cultos da morte. Na sessão, um procurador – Augusto Aras – e um ministro – André Mendonça, disputam nos discursos quem é mais “terrivelmente evangélico”.
Este é o retrato de um país devastado por cinco anos em que a estupidez e a mediocridade tomaram conta do poder e por um ano, pouco mais, em que não podemos nos aproximar, conversar, agir em conjunto.
Assim como a economia, também a democracia depende do fim deste vale da morte pandêmico para poder voltar a funcionar e, depois de meses em que tivemos de nos esconder para sobreviver, precisamos começar a nos preparar para a hora de nos movermos fortemente.
Não sabemos até aonde iremos nesta tragédia, mas já sabemos que não serão vacinas em falta ou isolamentos sociais “meia-boca” que nos tirarão dedo dela.
É preciso completar a emersão deste oceano de ódio e ignorância em que nos deixamos mergulhar, mas do qual já é possível perceber que estamos emergindo.
Não é tão difícil, embora seja doloroso: este não é o país da morte, embora tenha andado perto dela tantas vezes. Como uma bóia, quanto mais nos afundam, mais temos forças para vir à tona.
FERNANDO BRITO ” BLOG TIJOLAÇO” ( BRASIL)