o poder do grupo político e econômico que teve em Aécio Neves sua maior expressão.
Entre o final de 2013 e início de 2014, André de Pinho pediu a prisão do dono do Novo Jornal, Marco Aurélio Carone, único veículo relevante em Minas Gerais que publicava reportagens sobre corrupção e outros desmandos nos governos de Aécio e de seu sucessor Antonio Anastasia.
André de Pinho também trabalhou pela prisão do lobista Nílton Monteiro, delator da Lista de Furnas e do chamado Mensalão Mineiro, além de buscas nas residência do advogado Dino Miraglia e do jornalista Geraldo Elísio, o Pica-Pau, detentor de um Prêmio Esso e editor do Novo Jornal.
A ofensiva de agentes do Estado contra eles foi fundamental para os planos políticos de Aécio Neves, na época pré-candidato a presidente pelo PSDB.
“Eu fui massacrado por enfrentar o grupo que tinha entre seus líderes simplesmente aquele que a elite acreditava que seria presidente a república, Aécio neves”, disse Dino Miraglia, que era na ocasião um dos criminalistas mais conhecidos do Estado.
Miraglia tinha exposto a elite politica mineira ao atuar como assistente de acusação no julgamento do assassino da modelo Cristiane Ferreira, apontada como transportadora de malas de dinheiro para pagamento de propina.
Ela apareceu na chamada Lista de Marcos Valério, em que o publicitário relacionou o nomes das pessoas a quem entregou dinheiro sujo, por indicação do governo de Eduardo Azeredo, aliado de Aécio e ex-presidente nacional do PSDB.
Cristiane, que morreu por asfixia com travesseiro ou toalha em um flat de Belo Horizonte, era o que no jargão policial se chama de “mula”. Na lista do Valério, seu nome aparece relacionado à quantia de R$ 1,25 milhão (em valores de 1998).
Depois de conseguir a condenação do detetive Reinaldo Pacífico, que teria sido o executor do crime, Dino passou a se empenhar pela investigação dos mandantes.
Recebeu das mãos de uma fonte cujo nome mantém em sigilo o original da Lista do Valério e a entregou para o então ministro do STF Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470, que ficou conhecida como Mensalão.
A lista, protocolada regularmente, desapareceu no STF.
Depois que seu apartamento foi vasculhado pela Polícia Civil, numa ação cinematográfica que contou até com helicóptero e policiais descendo por cordas na cobertura, Dino perdeu o casamento, clientes e foi internado em uma clínica psiquiátrica depois de ser encontrado com o carro batido contra o guard rail de uma rodovia.
Na clínica psiquiátrica, foi encontrado pendurado por fios em um chuveiro.
Seis anos depois, Dino reabriu seu escritório e, de volta ao batente, tem colecionado vitórias no júri novamente, como a condenação recente dos médicos processados por tráfico de órgãos em Poços de Caldas.
O dono do Novo Jornal, outra pedra no caminho dos poderosos em Minas, teve infarto na prisão e ficou três meses na solitária, onde conversava com um rato. “Era para não enlouquecer”, conta ele.
Assim como Nilton Monteiro, Carone foi solto alguns dias depois do segundo turno da eleição de 2014, em que Aécio Neves perdeu para Dilma Rousseff.
Carone e Nílton Monteiro foram silenciados durante a campanha uma prisão que se revelaria completamente injusta, já que foram absolvidos no caso.
O assassinato de Lorenza Maria Silva de Pinho evoca o porão político daquela época e chama a atenção que a investigação tenha sido aberta pelo procurador-geral Jarbas Soares Júnior.
Ele postou no Twitter:
“No âmbito das minhas atribuições como PJEMG, abri investigações para apurar as circunstâncias da morte da Sra. Lorenza M. S. de Pinho. Medidas e diligências foram deferidas pelo TJMG na virada da noite.”
Jarbas, no entanto, era o procurador-geral em 2008, quando o Novo Jornal foi censurado por iniciativa do Ministério Público do Estado.
O veículo havia publicado notícias que o ligavam ao esquema de poder e corrupção no governo de Aécio Neves.
Jarbas também faz parte do grupo político do Ministério Público que conta com a participação de dois outros ex-chefes da instituição, Alceu José Torres Marques e Carlos André Mariani Bittencourt.
Os dois foram vistos pela Polícia Federal em reunião com Andréa Neves, irmã de Aécio, um dia antes de sua prisão, em 2017, na esteira da delação de Joesley Batista, da JBS.
A presença dos dois ex-procuradores no escritório de Andrea foi relatada pelos policiais que faziam o monitoramento dela antes do decreto de prisão.
“O encontro realimentou a imagem de que o Ministério Público do Estado blindou as administrações tucanas nas gestões dos procuradores-gerais Jarbas Soares (2005-2008), Marques (2008-2012) e Bittencourt (2012-2016)”, escreveu à época o jornalista da Folha Frederico Vasconcelos, especialista na cobertura de assuntos relacionados ao sistema de justiça.
O advogado de Andrea, Marcelo Leonardo, se manifestou na reportagem. “Foi uma visita de cortesia, sem pauta, de pessoas conhecidas”, disse.
Coincidência ou não, o escritório de Marcelo Leonardo assumiu agora a defesa do promotor de justiça André de Pinho.
Outro nome que reapareceu no caso da morte de Lorenza Maria Silva de Pinho foi o hospital Mater Dei.
Um médico do hospital, Itamar Tadeu Gonçalo Cardoso, foi quem assinou o atestado de óbito por engasgo e não por violência.
Com esse atestado, o promotor estava providenciando a cremação do corpo de Lorenza, o que só não ocorreu porque a polícia foi avisada — possivelmente pelo pai da provável vítima, que mora em Uberaba e foi avisado por WhatsApp de que a filha havia morrido.
“Quando eu consegui falar com o André, por volta das 11h da sexta-feira, ele me disse que ligou para uma ambulância do Mater Dei e, casualmente, o médico era amigo dele. Mas ele me disse que quando a ambulância chegou, ela já estaria morta”, afirmou Marco Aurélio Silva, pai de Lorenza, à reportagem do jornal O Tempo.
Acionados, policiais impediram o procedimento de cremação e determinaram que fosse feito exame no Instituto Médico Legal.
O médico Itamar não quis se manifestar. A advogada, Ana Carolina Santos Leal, informou que ele “só vai falar em juízo, ou com a presença da autoridade policial”.
Como o caso está sob sigilo, não está claro se houve ordem judicial para a realização da perícia médica. O fato é que, contrariando o médico do Mater Dei, peritos já constataram que a morte de Lorenza decorreu de violência.
Foram encontradas lesões na cabeça e sinais de enforcamento.
O Mater Dei foi noticiado pelo Novo Jornal, de Carone, como o hospital onde Aécio Neves teria sido internado com crise de overdose quando ainda era governador.
O próprio jornalista relatou o caso em uma audiência pública no Congresso Nacional.
O hospital sempre negou e a reportagem desapareceu da rede depois que, a pedido do promotor agora preso por suspeita de feminicídio, foram apreendidos os computadores e os arquivos digitais da publicação.
Por decisão da Justiça, esses equipamentos deveriam ter sido devolvidos a Carone, depois que ele foi inocentado, mas desapareceu na delegacia na época chefiada pelo delegado Márcio Simões Nabak.
Esse delegado foi promovido recentemente, na gestão de Romeu Zema, que também nomeou Jarbas Soares Júnior para mais um mandato como procurador-geral em Minais Gerais.
Márcio é o delegado que chefia o Departamento de Investigações do Estado, que deve atuar no caso da morte da mulher do promotor André de Pinho.
Ainda assim, tem quem acredite no Ministério Público que a investigação será conduzida a contento.
André de Pinho, por enquanto, segue desfrutando das prerrogativas por ser promotor. Ele foi colocado em disponibilidade há alguns meses, por excesso de faltas ao trabalho.
Como não foi aposentado compulsoriamente, continuaria tendo direito a foro e prisão especiais. O problema para ele, no entanto, é que decisão recente do Supremo Tribunal Federal restringe o chamado foro privilegiado a quem é acusado de crime em razão do exercício funcional.
A morte de Lorenza não tem, evidentemente, relação com atividades de promotor. Mas quem no Ministério Público chefiado por Jarbas vai levantar a questão?
JOAQUIM DE CARVALHO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)