Não se pode dizer que o Brasil chegou ao seu limite porque a desgraça e a tragédia do povo brasileiro não têm limites. Os crimes e a crueldade do governo encontram sua contraface na passividade, na inação e na covardia das oposições. O governo Bolsonaro comete crimes muito mais monstruosos do que os cometidos durante a ditadura. Agora são milhares de mortes causadas pelas omissões e ações criminosas do governo. Agora são milhões de pessoas sem emprego e sem nenhum tipo de proteção. Agora é a brutal inflação dos alimentos que tira o prato da mesa dos pobres e reduz o alimento na mesa das classes médias baixas. É a fome que se alastra.
Temos um presidente que vilipendia os mortos, apunhala a dor dos vivos e agride os que choram a perda dos que partiram. Nenhum presidente até hoje cometeu esses sacrilégios contra as vítimas e humilhou tanto seu povo. E nada acontece. Nada acontece porque a sociedade brasileira está civicamente morta. Nada acontece porque a alma dos brasileiros está moralmente morta. A sociedade civil organizada, os partidos políticos e as autoridades estão deixando os cientistas das áreas médicas e biológicas e os profissionais da saúde se contrapor sozinhos às monstruosidades de um governo criminoso. No Paraguai sucedem-se dias de protesto, exigindo a renúncia de um presidente criminoso. Isto deveria envergonhar as oposições brasileiras.
Os partidos de oposição se aninharam no conforto das críticas e das lives. O seu radicalismo consiste em terceirizar medidas contra o governo para o STF. Por mais combativos que sejam alguns poucos deputados e alguns poucos líderes partidários, isto é insuficiente. Precisamos de ações excepcionais para combater crimes excepcionais e uma tragédia de grandes dimensões.
Os sindicatos desapareceram. O movimento estudantil sequer protesta e defende alguns poucos estudantes corajosos que lutam pelo povo e são presos. Parcela da juventude revela-se egoísta, sem caráter, indiferente para com a sociedade e para com seus familiares. Muitos jovens festivos nesse momento de dor e morte levam o vírus daqui pra lá e de lá para cá. O levam para seus pais, para seus parentes. Não há solidariedade, não há disciplina. Só há vilania. Não há futuro possível diante desta insensibilidade criminosa e irresponsável. Não há amanhã possível com este tipo de comportamentos.
A outra parcela da juventude prefere apenas o exercício precário e impotente do protesto eletrônico. Em todos os tempos os jovens foram aqueles que enfrentaram com destemor e coragem as injustiças, os governos criminosos, a repressão, o autoritarismo e a opressão dos povos. Colocaram-se nas linhas de frente, ofereceram suas vidas para salvar seus povos. Esta não é a nossa juventude. Este não é o nosso tempo.
Vivemos num tempo vergonhoso no qual a maioria dos prefeitos e dos governadores olha mais para as urnas do que para o cumprimento do dever pelo qual foram eleitos. Não fazem o que precisa ser feito e não exercem a autoridade. Deixam que a morte corra solta e que os campos santos se atulhem de cadáveres.
Os governadores deveriam se unir, adotar medidas nacionais conjuntas, ocupar o espaço abandonado criminosamente pelo governo federal e pelo ministério da Saúde, imprimindo direção e comando ao combate à pandemia. Mas, cada um, isolado, mal consegue dar conta de seu próprio quintal.
Diante de tanta tragédia, a situação do povo brasileiro clama por um líder que o conduza. A falta de esperança clama por um líder que encarne a esperança. As pessoas não podem continuar afundadas na depressão e na descrença. O povo não pode continuar abandonado no desemprego, na fome e na morte. Bolsonaro não pode continuar violando a Constituição, semeando a morte e mortificando os vivos.
Bolsonaro perdeu a legitimidade e não pode continuar sendo presidente da República. O mandato não é dele. É do povo. E se ele governa contra o povo, o povo tem o direito de exigir que ele abandone o cargo, devolva o mandato. Bolsonaro precisa ser confrontado por um levante cívico que o faça renunciar.
Todos os grandes empreendimentos políticos, todos os grandes acontecimentos que marcaram e mudaram a história tinham líderes extraordinários que conduziam os povos. Tinham líderes virtuosos e corajosos. Hoje, no Brasil, não vemos nem um lampejo do que foram esses líderes.
Por estarmos vivendo sob a crueldade, a barbárie, a insolência diária de um presidente que debocha das angústias e dos sofrimentos do povo, precisamos apelar para que surja um líder corajoso e que se coloque à frente de um movimento cívico para dar um basta a este governo. Precisamos apelar para que surja um líder capaz de unir o povo contra esse governo. Que surja um líder capaz de chamar e unir todos aqueles que se opõem a esse governo para uma ação que restitua a dignidade ao povo brasileiro.
Precisamos de uma liderança, individual ou coletiva, que una a sociedade civil organizada, as associações, os sindicatos, os partidos, as igrejas, os movimentos sociais, os profissionais da saúde, os cientistas, os professores, a juventude, as mulheres, todo o povo, para dar um basta a Bolsonaro. Que se deixe 2022 para 2022. Bolsonaro não será derrotado em 2022 se não for derrotado antes, politicamente, pela forma desastrosa e criminosa com que conduz o Brasil.
Se a oposição e a sociedade civil não podem entrar no Palácio do Planalto, que leiam um manifesto ao pé da rampa do Planalto pedindo a renúncia de Bolsonaro. Que a oposição se declare em obstrução permanente no Congresso. Que atos cívicos efetivos e simbólicos se espalhem pelo Brasil. Que se constitua um comitê de líderes da sociedade civil e dos partidos políticos para liderar o levante cívico pela renúncia de Bolsonaro.
Se não agirmos, a história nos cobrirá de opróbio e de vergonha enquanto cidadãos, enquanto sociedade civil organizada, enquanto partidos políticos, enquanto parlamentares, enquanto governadores e prefeitos e enquanto dirigentes partidários. Se não somos culpados, também somos responsáveis por aquilo que está acontecendo. A nossa omissão e a nossa inatividade não terão o perdão no tribunal da história.
ALDO FORNAZIERI ” DIÁRIO DO CENTRO DO MUNDO” ( BRASIL)
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp).