Um texto com chamada para um vídeo é um dos conteúdos mais compartilhados há mais de uma semana nas redes sociais. Abre-se qualquer espaço virtual e lá está a foto de Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz e presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, ao lado de uma imagem de São Sebastião.
Mas há um erro, que não é de detalhe, no título do texto do UOL que as esquerdas compartilham. A manchete que apresenta o vídeo com o desabafo informa:
Cientista diz que atraso de vacinas é “incompetência diplomática do Brasil”
Trata-se de uma das cientistas brasileiras reconhecidas mundialmente muito antes da pandemia. A pesquisadora fez a crítica, apenas mais uma, ao governo Bolsonaro, ao receber o prêmio São Sebastião, oferecido pela Arquidiocese do Rio, no dia 20 de janeiro.
O discurso de Margareth Dalcolmo é um grito desesperado de quem conhece o inferno criado pelo bolsonarismo.
Este é o trecho sobre a falta de vacinas, publicado pelo UOL e que motiva o compartilhamento do vídeo:
“Não há nada que possa justificar, a não ser a absoluta incompetência diplomática do Brasil, que não permite que cada um dos senhores, suas famílias e aqueles que vocês amam estejam amanhã ou nos próximos meses, de acordo com o cronograma apresentado, recebendo a única solução que há para uma doença como a covid-19″.
O destaque para a questão de diplomacia foi tanto que o jornalista Ancelmo Gois, um veterano do colunismo, amplificou o equívoco e destacou em título de texto no Globo:
“Absoluta incompetência diplomática do Brasil” é a única explicação para atrasos das vacinas, lamenta Margareth Dalcolmo.
Mas o jornalismo da grande imprensa antibolsonarista e a militância de esquerda nas redes contribuem para disseminar um equívoco. Como a diplomacia incompetente seria a “única explicação” para a tragédia brasileira do atraso na vacinação?
A culpa, segundo os títulos dos textos do UOL e de Ancelmo Gois, seria de Ernesto Araujo, pelos conflitos que criou com a China. É simplificador e transfere para um chanceler fundamentalista os crimes de Bolsonaro.
A diplomacia reforça a linha de conduta de Bolsonaro na sabotagem de qualquer plano de combate à pandemia. O crime mais recente é o da negação da vacina.
O erro dos títulos e os compartilhamentos em massa, com esse enfoque, ajudam na propagação de uma abordagem favorável ao governo.
Não há incompetência diplomática. Porque isso sugere que o governo comete um erro pela incapacidade de negociar as vacinas, ou que Bolsonaro tenta, mas falha por imperícia, por não saber fazer o que deseja e por culpa de Araujo.
Não é nada disso. Bolsonaro e Araujo são, deliberadamente, sabotadores da vacinação. Eles não querem comprar a vacina, não querem vacinar, não querem um plano nacional para salvar a população. Mas Araujo é mandalete de Bolsonaro.
Alguém pode dizer que a cientista fala da incompetência diplomática. Mas a frase deve ser lida pelo que começa dizendo. E a fala começa assim:
“Não há nada que possa justificar, a não ser a desídia absoluta, a incompetência diplomática do Brasil…”
O ataque de Margareth Dalcolmo é feito à desídia absoluta, que não aparece no texto do UOL. E desídia, segundo o Houaiss, quer dizer:
1 disposição para evitar qualquer esforço físico ou moral; indolência, ociosidade, preguiça
2 falta de atenção, de zelo; desleixo, incúria, negligência
3 (jurídico) elemento da culpa que consiste em negligência ou descuido na execução de um serviço
E aí a palavra mais adequada, nesse conjunto de significados, talvez seja incúria, que significa falta de iniciativa, inércia, inação.
Bolsonaro, e não Ernesto Araujo, é o autor do crime pela falta de vacina. Por falta deliberada de iniciativa, por inércia, por inação. Por disposição para evitar qualquer esforço físico ou moral.
Dizer que a diplomacia foi incompetente é anistiar Bolsonaro. Bolsonaro não age por incompetência, mas por sua vocação genocida.
A incompetência de que fala a cientista é um complemento para amarrar sua fala, porque Margareth vive as tratativas em torno das vacinas desde o começo.
O que importa é a referência à desídia, ou à incúria ou a que outro nome possa ter a ação (ou inação) deliberada pela sabotagem da vacinação.
E aqui está o detalhe: O UOL cortou a palavra desídia do texto (quando poderia tentar explicá-la ao leitor, e não tirá-la da apresentação do vídeo) e induziu todos ao erro.
Mas quem decidiu ver o vídeo encontra ali a frase completa, com o ataque a um criminoso, e não a um incompetente.
MOISÉS MENDES ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)