A SUPREMA RESISTÊNCIA

Além de simpatizantes nazistas, a tropa governista recicla vários expedientes do 3 Reich. A mentira, a máquina de propaganda e desconexão da verdade de Joseph Goebbels, a perseguição a minorias, o ódio aos jornalistas, a terceirização dos fracassos, a mitomania alienante, o belicismo, a militarização do governo, a obsessão contra a esquerda e as investidas para subjugar o STF.

Os alvos, ações ou discursos se alternam na rotina ociosa de Jair Bolsonaro, da prole e dos aliados. Para intimidar a imprensa, ele mesmo o faz. Para emparedar ministros do Suprema Corte passou a se escudar em cães de guarda que vão sendo rifados enquanto preserva a si e os filhos. Um dos porta-vozes da suástica foi preso e pode perder o mandato. O capitão trocou as ameaças de ruptura por comentários insidiosos. Agora são os fanáticos que preconizam golpes, abusando da dissimulação, outra doutrina de inspiração nazista.

Adolf Hitler invadiu a Polônia 5 meses depois do discurso pacifista ao Parlamento alemão em abril de 1939. Um ofendido Hitler respondia, com ironia, a 21 pontos da carta do presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, cobrando compromissos de não agressão contra 31 países para evitar a guerra. As mentiras aos deputados em um longo discurso reforçaram duas características do facínora: a cínica dissimulação e o messianismo.

O führer, taticamente, postergava seus propósitos tirânicos sem, contudo, abandoná-los. No mesmo discurso ele se vangloriou por armar a população. O tom do pronunciamento foi deliberadamente messiânico, de autoexaltação, onde ele se promoveu inúmeras vezes:

Adolf Hitler com benito Mussolini

“Eu me considero um chamado pela Providência para servir somente ao meu povo e livrá-lo de sua terrível miséria… Dominei o caos na Alemanha, restabeleci a ordem, aumentei imensamente a produção em todos os ramos de nossa economia nacional, por meio de esforços extenuantes produzi substitutos para numerosos materiais que nos faltam, preparei o caminho para novas invenções, desenvolvi transporte, fiz com que estradas magníficas fossem criadas construí e canais a serem cavados, criava novas fábricas gigantescas… Pois o meu mundo, senhor presidente, é aquele para o qual a Providência me designou e para o qual é meu dever trabalhar”.

Hitler mentiu sobre os planos de guerra e travestiu a tirania com uma modalidade de investidura sagrada. Se apresentava como um apóstolo de salvação para a ruína germânica e exortava o reconhecimento às suas supostas realizações obtidas através do enorme endividamento para montar a maior máquina de guerra do mundo. O fanatismo pretendia transformar o mandato temporário em uma missão divina duradoura. A “Providência” para qual dizia ter sido chamado foi pensada para transformá-lo em mito quando a Alemanha já perseguia inimigos imaginários e o Judiciário se acovardava.

Os expedientes nazistas são eloquentes por aqui. “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, adapta o marketing hitlerista associando o conceito de pátria à sacralidade da Providência de quem ambiciona se eternizar no poder. Completavam a índole do ditador alemão o ego explosivo, belicoso, neurótico, intolerante, manipulador e a paranoia conspiratória, segundo a qual todos querem derrubá-lo. Bolsonaro adia, mas não esquece seus inimigos fictícios.

Apenas vai adaptando o método quando a realidade impõe. Ora tenta a captura de órgãos de Estado, como Abin e PF, ora estimula o confronto, ora ressuscita bravatas. Tentou asfixiar financeiramente os jornais e ameaça a imprensa sempre. “Porrada”, “vai pra puta que pariu”, “cala boca” e outros rasgos de autoritarismo. Perto disso, o truculento Newton Cruz, o “Nini” da ditadura, era um cavalheiro. “O certo é tirar de circulação — não vou fazer isso, porque sou democrata — tirar de circulação Globo, Folha de S.Paulo, Estadão, Antagonista, são fábricas de fake news”, ameaçou o democrata mirando o seu segundo maior inimigo imaginário, depois do STF. A jihad bolsonarista também dispara também contra o STF.

O delegado Ramagem com Jair Bolsonaro – Foto Orlando Brito

Desde maio de 2020, quando pregava o golpe nas ruas, Jair Bolsonaro tem o STF como alvo prioritário. Por lá perdeu em todos os arreganhos autoritários, grande parte por unanimidade. A noite dos cristais já foi tentada por aqui. O tal grupo dos 300, que nunca passou de uma dezena de meliantes, atirou fogos sobre a sede da Suprema Corte. Nas manifestações que Bolsonaro prestigiou e convocou, faixas pediam o fechamento do Congresso e do Supremo. Quando Alexandre Ramagem foi barrado na PF, por ferir o princípio da impessoalidade, novas ameaças. Após a busca e apreensão em aliados ele regurgitou: “acabou porra”. Depois da quebra de sigilo contra os amigos ameaçou: “Está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar”.

No dia seguinte Fabrício Queiroz foi colocado no devido lugar, a cadeia. Acuado, o capitão capitulou, mas o alvo preferencial nunca foi esquecido. O coro demoníaco esconde uma causa e não uma casualidade. Nódoa eterna na Pasta da Educação, Abraham Weintraub, na reunião ministerial de 22/4/2020 esbravejou. –Por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF.

Deputada Bia Kicis – Foto Orlando Brito

A valentia a portas fechadas foi paga com um ótimo emprego no banco mundial e revelou um pusilânime que se homiziou no cargo para escapulir. Eduardo Bolsonaro, o deputado do “cabo” e do “jipe” para fechar o STF, pregou a volta do AI-5. O deputado afirmou ainda que a ruptura era “quando” e não “se”. Ex-vice-líder de Bolsonaro, Otoni de Paula foi condenado a indenizar o ministro Alexandre de Moraes em R$ 70 mil por xingá-lo com palavrões. As deputadas Bia Kicis e Carla Zambelli também insultaram ministros do STF e são investigadas. José Lins do Rego acertou quando escreveu que “a retórica do nazismo animava instintos de bestas-feras”.

Jair Bolsonaro também marchou sobre o STF para salvar CNPJs na pandemia,
em um gesto de simbologia extremista babujado por integralistas que simulavam um
cerco à Corte. O próprio Bolsonaro disseminou o vídeo comparando os ministros do
STF a hienas. No vídeo, o leão, identificado como Bolsonaro, é acuado por hienas com
símbolos que representam instituições vistas como rivais: partidos políticos, STF, a
CNBB, a OAB e órgãos de imprensa. Surge outro leão, descrito como "conservador
patriota", que expulsa as hienas. Os leões se cumprimentam, e surge a imagem de
Bolsonaro, uma bandeira do Brasil e a voz do presidente repetindo seu slogan: "Brasil
acima de tudo. Deus acima de todos".

Ministro Edson Fachin – Foto Orlando Brito

O Brasil e Deus também foram invocados e profanados no vídeo no qual um ogro, investido no mandato parlamentar, vomitou ofensas contra vários ministros do STF e ameaçou o Judiciário com AI-5, cassações e os demais comandos que ativam as mentes belicosas do bolsonarismo: “quando o Bolsonaro decide uma coisa você vai lá ‘não, isso não pode’… Suprema Corte é o cacete. Na minha opinião, vocês já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de 11 novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereciam. Vocês são intragáveis, tá certo? Inaceitável. Intolerável, Fachin? Não é nenhum tipo de pressão sobre o Judiciário não. Porque o Judiciário tem feito uma sucessão de merda no Brasil. Uma sucessão de merda. E quando chega em cima, na Suprema Corte, vocês terminam de cagar a porra toda. É isso que vocês fazem. Vocês endossam a merda.”

A vociferação escatológica e rudimentar rendeu a prisão que imediatamente foi
referendada pela unanimidade dos ministros do STF. O trancafiamento foi endossado
pela Câmara dos Deputados por 364 a 130 votos. O relatório da deputada Magda
Mofatto, do Centrão, escolhida a dedo pelo grupo, chicoteou impiedosamente uma
fera desdentada: “Temos entre nós um deputado que vive a atacar a democracia e as
instituições e transformou o exercício do seu mandato em uma plataforma para
propagação do discurso do ódio, de ataques a minorias, de defesa dos golpes de
estado e de incitação à violência contra autoridades públicas…As ameaças eram sérias
e críveis, revelando a periculosidade do colega e justiçando a sua prisão para impedir a
prática delitiva”.

Deputado bolsonarista Daniel Silveira – Foto Orlando Brito

O leão indomável e desafiador das redes sociais converteu-se em um gatinho compungido pelo remorso e tomado pela dissimulação. Não passa de outro boi de piranha do bolsonarismo. Há vários tombados pelo caminho. Depois de vocalizar o manual do pensamento extremista, o deputado Daniel Silveira se viu jogado aos leões e terá tempo, a exemplo dos demais sacrificados, para refletir que o jogo político é mais sutil e mais elaborado. Está além da suposição de suas vadiagens delinquentes. Bolsonaro, a partir do teste numérico na Câmara, também passa a ter uma ideia do tamanho da sua esfarrapada SS se persistir em teses golpistas contra os poderes.

Os golpes e rupturas vicejam em sistemas em crise com desemprego, insegurança, inflação alta, fome, violência, recessão, instabilidades jurídicas, políticas e institucionais além da carência de líderes. Esse foi o ambiente na República de Weimar, ideal para chocar o ovo da serpente e chocalhar o nazismo. A cartilha é seguida rigorosamente no Brasil. O manual da terra arrasada, aplicado no vídeo, prevê tensões permanentes, confrontos físicos, provocações, ameaças, políticas para armar grupos paramilitares (a milícia, no caso brasileiro), deslegitimar as instituições e a disseminar o ódio visando a desestabilização até o caos. Momento no qual o ditador se apresenta como o redentor em nome da Providência.

A variável brasileira vem sendo o STF que vai puindo a única máscara que Bolsonaro usa, a da ruptura. Além de não se intimidar, o STF barra as comichões autoritárias e abriu várias investigações fazendo o bolsonarismo se ajoelhar. O oposto do que ocorreu no nazismo, quando o Judiciário se acocorou. A captura do Judiciário alemão se deu após vitória da tese do nazista Carl Schmitt. Por ela o guardião da Constituição de Weimar era o presidente do Reich, legitimado pela vontade popular, mesmo sem neutralidade. O Judiciário debilitado foi decisivo para Hitler pisotear a humanidade. A série de derrotas impostas ao bárbaro carioca reiterou que o guardião da Constituição no Brasil, santuário democrático, é o Supremo Tribunal Federal. Apenas tudo isso.

WEILLER DINIZ ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)

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