Novas mensagens periciadas pela defesa do ex-presidente Lula confirmam o que disse o hacker Walter Delgatti Neto, na entrevista ao 247, em relação à estratégia dos procuradores da Lava Jato de emparedar os ministros das cortes superiores.
Delgatti disse que Deltan Dallagnol definia a estratégia e comandava o vazamento de informações para constranger aqueles que ele e seus colegas consideravam obstáculos para os propósitos da força-tarefa.
“Eu lembro que, assim que eu tive acesso, teve até um observatório — eu não recordo o nome agora —, que falou mal da Lava Jato. O Deltan fez uma reunião entre eles, encontraram uma delação que tinha o nome dele, e vazaram essa delação. Eles não queriam inimigos”, afirmou na entrevista.
“Quem falasse mal da Lava Jato, eles atacavam”, acrescentou. “O mesmo eles fizeram com o Gilmar Mendes, que sempre atacou a Lava Jato. Era o maior inimigo deles. Eles faziam de tudo para chegar ao Gilmar Mendes. Eles tentaram até o impeachment do Gilmar Mendes”.
Delgatti falou sobre a pressão que os procuradores fizeram no final de 2015 contra o então relator da Lava Jato no Superior Tribunal de Justiça, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas.
Nesse ponto, ele trocou o nome de Ribeiro Dantas pelo de Félix Fischer, mas, no confronto com as mensagens agora periciadas, fica claro que se trata do antigo relator, que tomou decisões que contrariaram a Lava Jato e acabou afastado.
“Eles faziam uma análise de todas as decisões, o perfil e montavam já alguma peça ou algo encurralando ele e enviava para a PGR”, destacou.
Nas mensagens periciadas pela defesa do ex-presidente, Ribeiro Dantas é citado em um diálogo de 28 de novembro de 2015, alguns dias antes de ser afastado da relatoria da Lava Jato
Nomeado para a corte dois meses antes, Ribeiro Dantas tinha revogado algumas prisões preventivas decretadas por Moro.
Hoje já se sabe que as preventivas prolongadas e a ameaça de transferência de cadeia eram usadas em Curitiba como instrumentos de delações premiadas.
“Alguma notícia sobre o material do STJ? É preciso que saia logo”, perguntou o procurador Carlos Fernando, administrador do grupo e interlocutor frequente de Moro.
Deltan, coordenador da força-tarefa, diz que o material já estava pronto, mas uma pessoa não identificada (provavelmente jornalista) deveria segurar para segunda, pois queria ter acesso a um depoimento. Eles falam em uma sexta-feira à tarde.
Em seguida, Dallagnol relatou a publicação de uma reportagem em que o nome de Ribeiro Dantas foi mencionado.
“Relator da Lava Jato no STJ, Ribeiro Dantas também foi citado por Delcídio em gravação”, disse procurador. “Saiu”, conclui, numa indicação de que eles vazaram a informação.
O nome do veículo que publicou a reportagem com o vazamento não aparece na mensagem periciada e entregue ao STF, mas o título idêntico ao mencionado por Deltan Dallagnol foi publicado na véspera, no jornal O Estado de S. Paulo.
Era a ofensiva para afastar Ribeiro Dantas da relatoria da Lava Jato, que tinha substituído a prisão preventiva do publicitário Ricardo Hoffmann por medidas cautelares diversas, como o uso de tornozeleira e a entrega de passaportes.
Era uma decisão tecnicamente correta, já que fazia referência ao princípio constitucional da presunção de inocência, mas contrariava Moro e o TRF-4, que haviam negado o mesmo pedido.
Antes desse vazamento, Ribeiro Dantas tinha tomado decisão idêntica em relação ao então presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo.
Nos dois casos, o paranaense Félix Fischer pediu vistas. Alguns dias depois, ele voltou com votos contrários ao de Ribeiro Dantas, e este, já sob pressão de vazamentos da Lava Jato, foi afastado da relatoria.
O princípio invocado para tirar Ribeiro Dantas da relatoria foi o Regimento Interno do STJ.
Segundo esse dispositivo, o relator que for voto vencido em um julgamento deve passar a relatoria para o ministro que tiver aberto a divergência.
Fischer era um nome conhecido de Sergio Moro, já que seu filho Octávio havia sido citado em um escândalo de venda de sentenças nas cortes superiores.
Na época, 2006, Octávio Fischer era advogado, hoje é desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, nomeado pelo quinto constitucional reservado à indicação da OAB.
Octávio Fischer não foi investigado, mas um nome ligado a ele, sim. Trata-se do também advogado Roberto Bertholdo, conhecido pela inimizade com Moro desde a investigação de um ex-deputado do Paraná.
Se o princípio invocado por Félix Fischer no STJ fosse usado também pelo STF, o paranaense Edson Fachin também teria que deixar a relatoria da Lava Jato, já que foi voto vencido para Dias Toffoli em alguns casos.
Os regimentos são idênticos nesse quesito, porém, como mostra o caso de Fachin no STF, o afastamento do relator dificilmente ocorre — não há outro caso de repercussão conhecido.
A investigação aberta contra Ribeiro Dantas foi arquivada.
Na entrevista ao 247, Delgatti revelou que a preocupação dos procuradores da Lava Jato era com o STF e o STJ, já que o TRF-4 “estava conquistado”.
E as mensagens indicam que estava mesmo. Segundo diálogo dos procuradores ocorrido em 9 de maio de 2017, Moro não gostou da iniciativa deles de procurarem um magistrado do TRF-4, a respeito de um HC apresentado pela defesa de Lula.
“Em relação ao HC, tenho que fazer mea culpa. Deveria ter conversado com o Moro antes de qualquer conversa com o Nivaldo (Brunoni, juiz federal em exercício do TRF-4). O Moro deve ter ficado muito bravo com o fato de atravessarmos direto para o Nivaldo”, comentou Carlos Fernando dos Santos Lima.
Januário Paludo, que já era procurador regional no TRF-4 e atuava na Lava Jato como “o pai” da turma, disse 26 minutos depois que já tinha conversado com Brunoni e “resolvido”.
“Vai indeferir a liminar. hahaha”, escreveu. Januário tranquiliza os “filhos” ao sugerir que também resolveu com Moro, chamado por eles de Russo.
No HC, a defesa de Lula pedia uma nova data para o interrogatório de Lula, marcado para o dia seguinte, e a suspensão do processo por 90 dias, já que a defesa não tinha tido acesso a documentos enviados pela Petrobras.
Atuando com Moro desde o caso Banestado, Carlos Fernando afirmou, por sua vez: “Eu até queria que o Russo engolisse um reinterrogatório para parar de ser fresco”.
Conquistado o TRF-4 e o STJ, com Félix Fischer, faltava à Lava Jato impor seu domínio sobre o STF, o que eles nunca conseguiram, embora tenham tentado e atraído para seu grupo “ahá uhu o Fachin é nosso”, “in Fux we trust” e um amigo íntimo de Deltan Dallagnol, Luís Roberto Barroso.
As mensagens mostram que os procuradores miraram em três outros ministros, com as mesmas armas usadas contra Ribeiro Dantas, no STJ, corte que foi colocada “contra a parede”, como disse um procurador da Lava Jato, Antônio Carlos Welter.
No dia 16 de julho de 2016, Deltan Dallagnol comentou que “todo mundo quer pegar” Gilmar Mendes e Dias Toffoli.
Em seguida, disse, se dirigindo ao procurador Júlio Noronha: “A responsa tá conosco. Temos que focar neles, precisamos trazer construção para a colaboração. Terá de se tornar alvo nosso.”
Júlio Noronha concordou: “Blz!!! Eu e Robinho pensamos exatamente isso: o foco é pressão na empresa e no cara”.
“Por si mesmo”, disse Dallagnol. “Isso virou prioridade alta agora”.
Mais tarde, em janeiro de 2018, os procuradores se articularam para emparedar Alexandre de Moraes.
Para isso, planejaram usar “movimentos” (possivelmente Vem Pra Rua, Na Rua e MBL) para desgastar o ministro.
“Se pegar sem a nossa cara, melhor, porque fico pensando no efeito contrário em nós querendo colocar o STF contra a parede. Até postei hoje sobre Alexandre de Moraes, e se quiserem postar o que quiserem mandem ver, mas acho que a estratégia de usarmos os movimentos será melhor, se funcionar”, afirmou Dallagnol.
Em seguida, contou que tinha passado “anomizada” (possivelmente quis dizer anonimamente) notícia sobre Alexandre de Moraes no site Antagonista, notório por ser porta-voz da força-tarefa e de Moro.
“A Lava Jato, em verdade, perseguiu a praticou lawfare contra todos que apontaram a atuação ilegal e arbitrária de seus membros”, diz a defesa de Lula, nas mensagens protocoladas hoje no STF.
Num cenário como este, de emparedamento e cooptação de magistrados, processos se tornaram uma mera formalidade. O destino de cada um já estava definido antes mesmo do recebimento da denúncia.
Era um jogo combinado.
JOAQUIM DE CARVALHO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)