Amigos e leitores me provocaram para que tentasse explicar por que os números das eleições, em 1º turno, para as mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados foram tão folgados, desmentindo uma suposta competição acirrada que a imensa maioria dos órgãos de imprensa vinha noticiando. Como se sabe, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) foi eleito para presidir o Senado no próximo biênio por 57 a 21 votos dados à senadora Simone Tebet (MDB-MS), para um colégio eleitoral de 81 senadores. Não houve surpresa quando na metade da semana anterior à votação (na 2ª feira, 1º de fevereiro), partes do próprio MDB e do PSDB desembarcaram da candidatura da senadora que fora ferrenha defensora da Operação Lava-Jato, um dos sujeitos ocultos da eleição para as duas mesas do Congresso (a maioria contra sua continuação). Já a lavada, em 1º turno, de 302 votos a 145 do deputado Augusto Lira (PP-AL) sobre Baleia Rossi (MDB-SP) merece, realmente, explicações mais profundas e não foram apenas traições e fortes pressões e concessões do governo Bolsonaro que resultaram no massacre.
Não sou especialista em Política. Meu campo de atuação em 49 anos de jornalismo, que completo em abril, sempre foi a Economia. Nunca deixei, porém, de acompanhar a política. Devo dizer que como tive um tio (Geraldo de Menezes Côrtes, irmão mais velho de meu pai, Heitor), que se elegeu deputado federal pela UDN pelo então Distrito Federal (3º mais votado em 1958) e reeleito em 1962, pela legenda (5º mais votado já no Estado da Guanabara, mas morreu numa queda de avião, a caminho de Brasília, antes de iniciar esse novo mandato), desde cedo acompanhava a vida política. Nos últimos três anos, com a missão de coordenar, inicialmente como Diretor de Redação, a volta do JORNAL DO BRASIL às bancas, em fevereiro de 2018, passei a acompanhar mais de perto os meandros da Política. Quando o JB parou novamente de circular e ficou só no online, passei a assinar a coluna Coisas da Política aos domingos. Vou procurar dar uma explicação de quem não é colunista político profissional, apenas um jornalista atento à política.
Meu primeiro e chocante contato com o assunto foi o suicídio de Getulio Vargas (tinha 4 anos e meio, e o escândalo da nossa cozinheira, que não teve condições de fazer o almoço para os outros seis irmãos e minha mãe, me deixou marcado). Assistia pela TV os pronunciamentos de JK. Acompanhei a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e a crise da posse ou não do vice-presidente João Goulart (PTB). Houve uma solução meio-termo, com a posse sob o parlamentarismo, tendo Tancredo Neves (PSD-MG) como o 1º Primeiro-ministro (vieram mais dois até Jango retomar o poder sozinho, após o plebiscito do começo de 1963. Seu governo durou pouco mais de um ano, até o golpe de 31 de março de 1964 (que alguns situam em 1º de abril, quando Jango deixou o país rumo ao Uruguai). No ginásio (Colégio de Aplicação da UFRJ, Lagoa, e no Colégio André Maurois), participei do movimento estudantil. Atuar na política é como andar de bicicleta: você nunca esquece. Ajudar os meus irmãos a pregar cartazes do meu tio em postes, em 1962, foi muito útil no movimento estudantil e mais tarde nas campanhas salariais do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro…
Agora vou dizer o que penso. Sem ofender meus coleguinhas (que em tempos de pandemia tiveram mais dificuldades para fazer a cobertura do dia a dia), acho que a Política já vinha sendo mal coberta na Câmara, no Senado e nas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores muito antes dos tristes tempos atuais. Há muito a cobertura é feita pelo que acontece (leis ou decisões tomadas) e dá-se muito peso às falas dos presidentes das duas casas e aos líderes dos principais partidos. Na televisão, então, onde a imagem é tudo, dá-se preferência absoluta a líderes que tenham articulação e/ou poder de síntese, cujas declarações (as “sonoras” no jargão da TV) sejam fáceis de editar. Então o que eles expressam fica parecendo ser o termômetro do Senado ou da Câmara. Quando a matéria é do interesse do Executivo, os “erros de cálculos” estão na margem de erros. Mas, nos casos internos (eleições de mesas diretoras ou de Conselhos de Ética) as diferenças são enormes.
Alguns de vocês devem lembrar de uma marcante declaração do ex-deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva (eleito em 1986 pelo PT-SP e que tomou posse em fevereiro de 1987, terminando o mandato em fevereiro de 1991): “A Câmara é composta por uns 300 picaretas”. Como a Câmara tem 513 deputados, isso corresponderia a um percentual de quase 60% de picaretas. Vale dizer que Lula não foi um parlamentar tão atuante assim. Defendia os interesses dos sindicatos (CUT, sobretudo) e trabalhadores, mas se aborrecia com a vida nas comissões. Preferia articulações paralelas e as esticadas noturnas. Um dos parceiros era o então deputado Bernardo Cabral (MDB-AM), que foi quem dedurou a Fernando Collor a história que este levantou contra Lula ao final do 1º debate nas eleições de 1989, quando Lula saiu-se melhor que Collor, que apelou: “Eu não tenho um aparelho 3 em 1 em casa”. Lula não tinha. Dera para sua amante na ocasião. Foi cobrado pela esposa Marisa Letícia, o que o desestabilizou no 2º debate. Pessoas da assessoria de Collor já confessaram que se ele não estivesse se saindo melhor (e não foi só a edição da TV Globo que realçou isso) iria apresentar, na pasta que vira e mexe levantava para desestabilizar Lula, fotos dele com a então amante. Não vamos fugir ao caso, mas Lula tinha razão quanto à apreciação geral dos colegas…
Severino Cavalcanti, um obscuro deputado federal eleito por João Alfredo, no sertão de Pernambuco, teve exatos 300 votos na disputa em 2º turno na qual bateu o candidato do PT, Luiz Eduardo Greenhalgh, que teve apenas 195 eleitores. Greenhalgh não era popular na Câmara e ainda teve contra si o auge da onda do mensalão, que quase jogou Lula na lona, mas foi reeleito em 2006, em 2º turno contra o então governador de São Paulo, Geraldo Alkimin. No 2º governo Lula e no 1º governo Lula foram eleitos deputados da base do governo ou aliados, caso de Michel Temer (2009) e Henrique Eduardo Alves (2013), ambos do então PMDB, que tinha a maior bancada. Em 2015, reeleita, Dilma quis impor a candidatura de Arlindo Chinaglia (PT-SP), contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O noticiário previa uma disputa renhida, com vantagem inicial de Eduardo Cunha, mas que seria decidida no 2º turno. Com base nisso (já contei aqui), a GloboNews escalou um âncora de Economia, Dany De Nuccio, para apresentar o telejornal. Pouco versado no tema e nos personagens, enquanto a imagem mostrava um eufórico Eduardo Cunha efusivamente cumprimentado, com o placar ao fundo em letras pequenas, o apresentador chamava a repórter na Câmara para dizer como seria o 2º turno…
Cunha que tinha grande penetração entre o baixo clero, sobretudo o evangélico, com a distribuição de verbas para seitas variadas em diversos estados, atropelou o candidato do PT por 267 votos a 136. Com a forte multiplicação de partidos e avanço das bancadas evangélicas, da bala, dos ruralistas, dos médicos, o que era o “baixo clero” difuso, ganhou mais peso e passou a ser decisivo após a eleição de Bolsonaro em 2018. Alguns o chamam hoje de Centrão (movimento conservador para defender o atraso e lobbies empresariais na Constituinte de 1986-88). Mas a eleição de Arthur Lira (PP-AL) tem muito a ver com isso e algo mais.
Oficialmente as maiores bancadas são as do PSL (partido pelo qual Jair Bolsonaro foi eleito presidente) e o PT, com 53 deputados cada. Mas houve uma temporada de rearrumação no final do ano passado, com liberdade para migração que deixou o PL, do notório Waldemar Costa Neto, com o 3º cacife (41 votos), o PP de Lira, em 4º, com 40 votos, e o PSD, de Gilberto Kassab, com a 5ª força, com 35 votos. O MDB de Baleia Rossi (SP) tinha apenas 34 deputados. O PSDB, que seria seu aliado, 33, e o PSB, outro eventual aliado, 30. O DEM, que roeu a corda no meio do caminho e depois liberou geral os filiados, quando o presidente do partido, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, seguiu o irresistível DNA do avô de aderir aos governos e selou a goleada. (ACM avô, desde JK, do PSD, quando era deputado federal da UDN, ia lhe contar, de manhã cedo, no Palácio do Catete, o que a “Banda de Música da UDN”, na qual pontificava o conterrâneo Aliomar Baleeiro, tramava contra o “presidente Bossa Nova”, no que seria a 1ª de várias inversões do brado anarquista: “Hay Gobierno, soy contra!”).
Os 302 votos do deputado Arthur Lira expressam a soma dos 257 votos garantidos (que já corresponderiam à metade dos 513 mandatos mais um do quórum total da Câmara dos Deputados) do bloco de 11 partidos que apoiam o governo Jair Bolsonaro (PSL/53, PL/41, PP/40, PSD/35, Republicanos/32, PTB/11, PROS/11, Podemos/10, PSC/10, Avante/8, Patriota/6). Com as traições do DEM e no Solidariedade e mais um aqui e ali, estão explicados os 302 votos de Lira contra só 145 de Baleia Rossi. Você, certamente, não tinha ouvido ou lido sobre o poderio deste bloco, com apoio solidificado por farta distribuição de emendas e cargos (só da Câmara houve 450 exonerações de cargos que serão preenchidos pelas indicações dos grupos vencedores). No Executivo, as pressões vão de ministérios a Banco do Brasil e Casa da Moeda. Vamos aguardar os próximos acontecimentos.
Tenho saudades de um tempo em que o mestre Villas-Bôas Corrêa pontificava na política no Estadão ou no JB (disse a ele que o acompanhava desde suas participações nas mesas-redondas de política da TV-Rio!). Infelizmente, piorou muito a Política e a cobertura da Política, o que facilita a vida de mais e mais picaretas.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” (BRASIL)