A Internet arrebentou com tudo, arrebanhando publicidade nacional, classificados e customizando seus anúncios para que acompanhassem os leitores para onde eles fosse.
Ocorre um processo curioso na mídia norte-americana, com algum reflexo sobre a brasileira.
A década de 90 marcou a última etapa do jornalismo impresso. No Brasil e nos Estados Unidos, nunca os grupos jornalísticos ganharam tanto.
Essa abundância levou a uma despreocupação com as mudanças que vinham a caminho, no rastro das novas mídias. Rapidamente, o modelo de negócio tradicional da mídia entrou em parafuso. Consistia em uma fórmula simples. A publicidade nacional – produtos de consumo – ficava com as redes de rádio e televisão e com veículos de alcance nacional. Os veículos regionais disputavam o mercado de classificados e do comércio loca.
A Internet arrebentou com tudo, arrebanhando publicidade nacional, classificados e customizando seus anúncios para que acompanhassem os leitores para onde eles fosse.
Ao mesmo tempo, a crise das democracia gerou um período de entorpecimento das redações. O extraordinário poder financeiro e ideológico dos grupos financeiros entorpeceram o jornalismo, fazendo com que perdesse o pulso do que acontecia no mundo real.
No caso do Brasil, resultou na implantação de um jornalismo de ódio, que fez com que a mídia perdesse o papel de mediadora de debates e passasse a atuar pesadamente em defesa dos negócios da privatização, inclusive comandando o impeachment de uma presidente da República.
Nos EUA, crises sucessivas mostraram o esgotamento da retórica de mercado, ampliou-se o fosso social, mas as redações entraram em parafuso. De um lado, com a ampliação da crise dos veículos. De outro, com a incapacidade de raciocinar sobre o novo normal e de captar as novas expectativas da opinião pública.
Lá e aqui, os abusos do trumpismo e do bolsonarismo, mais episódios bombásticos – como o assassinato de negros pela polícia – trouxeram à tona novas ondas a impulsionar a opinião pública, especialmente um esgotamento em relação ao discurso de ódio praticadona última década e uma indignação em relação à violência institucionalizada.
É nesse quadro que se processam as mudanças nos comandos das principais redações dos jornais americanos.
Hoje em dia, a questão da sucessão do comando afeta o The Washington Post, New York Times, Los Angeles Times, Reuters, Wired, Vox, Huffpost. Ouvido pelo The Washington Post, John Harris, fundador do influente Politico, sintetizou o momento: “Quando a indústria da mídia de notícias estava mais estável, era mais fácil fazer uma transição ordenada”. Mas em um momento de “fluxo extraordinário” para a mídia, “acho que você está vendo todas essas organizações de notícias enfrentando uma demanda por uma nova liderança que é muito diferente do que enfrentariam há 10 ou 20 anos”.
O primeiro grande problema foi a perda da atração do jornalismo, depois que a crise impôs duros cortes às redações e aos salários. Os jornalistas mais promissores abandonaram o jornalismo.
O grande choque, identificado por Norman Peralstine, que acaba de deixar o cargo de diretor executivo do Los Angeles Times, é que os movimentos de protesto em 2020 migraram da rua para as redações. Demandas como igualdade de gênero, de raça, conquistaram a opinião pública midiática. Mas as redações continuam impenetráveis às políticas de inclusão.
Em outubro passado, o Media Guild of the West, que representa jornalistas do Los Angeles Times, instou a empresa a buscar candidatos de fora da redação, mais sensíveis às novas perspectivas.
Nikki Usher, professora associada da Universidade de Illinois que estuda a indústria de notícias, disse que os jornais precisam começar a procurar locais não tradicionais – podcasts, startups digitais, rádio ou televisão. “Pessoas que subiram a escada de uma organização de notícias e ganharam certos prêmios – esse é realmente um modelo de sucesso de contratação. Mas, resumidamente, as organizações de notícias são bastiões da branquidade e não houve muito movimento [há muito tempo]. ”
No Brasil o problema é mais grave. A pesada guerra cultural imposta pelos grupos de mídia, a partir de 2005, embotaram a criatividade e a iniciativa dos jornalistas. Criou-se uma nova geração trabalhando em cima de limites muito estreitos para o desenvolvimento de sua personalidade jornalística. Enfrentar opiniões estabelecidas se tornou arriscado. A garantir de uma carreira nas redações acabou condicionada à obediência cega a manuais tácitos de opinião, que acabam pasteurizando e simplificando a opinião ao nível de slogans rasos sobre temas complexos.
À mídia brasileira cabe o mote de Gramsci: o velho morreu e o novo está longe de nascer. O que se tem é uma proliferação de blogs, jornais alternativos, influenciadores, cada qual atuando para sua própria bolha, sem criar massa crítica capaz de mudar o status quo.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)