A BASE DE TRUMP E BOLSONARO É NOSSA

CHARGE DE AMARILDO

Quer ver eu falar de coisa boa? Gosto de ouvir Paulo Lima falar. Aqueles que muitos conhecem por Galo, o entregador antifascista. Ele diz que não tem ódio de colega que votou no Bolsonaro. Que os colegas a destilar ódio contra ele por ser de esquerda, na verdade tem ódio de si mesmos, por que querem ficar ricos e não podem, por serem explorados pelo mesmo sistema que ele. Paulo Lima, com isso, demonstra uma fina análise da realidade encontrada em luminares como Paulo Freire ou em pensadoras como Nancy Fraser. 

A filósofa Nancy Fraser estudou em artigo os blocos hegemônicos que governaram os Estados Unidos de Clinton a Trump. Ela oferece uma análise muito interessante de como teria surgido o hiper-reacionário Donald Trump e seus seguidores. Entender Trump é importante para entender Bolsonaro, posto que este é seguidor daquele. Para ela, Trump surgiu como um vulcão que entrou em erupção da profunda crise do capitalismo. Cansados com uma política de alternância de modelos de neoliberalismo, uma parte da classe trabalhadora, vitimada pela financeirização, perda de direitos, desindustrialização, foi levada a acreditar que a culpa de seus males eram imigrantes, mulheres, minorias em geral. Lutaram contra o sistema enraivecidos por motivos reais, mas atacando causas imaginárias. Sua justa revolta foi manipulada por Trump, que não entregou nada daquilo que eles esperavam. 

No Brasil, também há uma base de indignados que apoiaram Bolsonaro querendo mudar “tudo que está aí”. Novamente havia motivos reais, e muitos deles parecidos com os problemas da terra do Tio Sam. Também o mundo do trabalho se deteriora, os direitos derretem, classes média e pobre ficam mais pobres. Havia também motivos reais para ficar com raiva. Novamente, lutaram contra inimigos imaginários (a corrupção do PT, as cotas raciais na Universidade, o bolsa família, os direitos das domésticas…). Racismos, misoginia, homofobias foram ativados pela extrema direita, que auxiliada por um golpe “branco” judicial-militar-midiático, saiu vitoriosa nas urnas. Novamente Bolsonaro não vem entregando o que seus apoiadores esperavam, mas ainda encontra apoio porque seus militantes talvez achem que o “Capitão” não esteja conseguindo porque o “sistema” não está deixando. Podemos até nos revoltar da análise de conjuntura equivocada, mas não podemos negar que falte vontade de lutar contra o sistema. 

A autora demonstra em todo o seu texto que o problema principal é o neoliberalismo, e que nos Estados Unidos tem se alternado variações mais progressistas e mais reacionárias do mesmo neoliberalismo. A variação mais progressista mais recente analisada pela autora é a que foi presidida por Barack Obama. Eleito com um debate vazio de “esperança” e “mudança de mentalidade”, Obama entregou mais do mesmo em sua gestão. 

Foi generoso em salvar os bancos mas não fez nada praticamente a favor das dez milhões de vítimas desses bancos, que perderam suas casas em hipotecas durante o estouro da bolha imobiliária. Apesar da crescente impopularidade do neoliberalismo e do rentismo, Obama manteve seu modelo. Apesar de manifestações em seu governo como o Occupy Wall Street, que reivindicava políticas para os 99% da população, Obama manteve o consenso neoliberal. De quebra, e essa parte não está no texto de Nancy Fraser, Obama estava na presidência quando Dilma foi derrubada em 2016. Foi do governo Obama os grampos contra Dilma que foram denunciados. Obama parece ter mantido a fama dos democratas de participarem de golpes na América Latina…

A omissão deste governo criou as condições para o terremoto Donald Trump. Ela descreve os pormenores dos motivos pelos quais Trump foi eleito, por razões de espaço não repetirei aqui. Tentarei resumir reiterando o que falei acima. Ele conseguiu uma parte da classe trabalhadora que achava que um governo conservador lhe traria melhores condições de vida. Sus expectativas foram enganadas, e Trump se elegeu contra o sistema para fortalecer o sistema. Igualzinho a Bolsonaro. 

Bem, neste texto telegráfico me cabe fazer provocações e quem sabe provocar debates. Fraser afirma que a base de Trump precisa ser disputada pela esquerda. Eu afirmo que a base de Bolsonaro precisa ser disputada por nós. Como? Nancy fornece algumas pistas, e é sobre isso que vou me deter nesse final de texto. 

Em primeiro lugar, ela defende que as opressões de classe, raça e gênero devem ser articuladas e atacadas em conjunto. Ela defende que mulheres, negros, LGBTQs sejam cortejados desde uma perspectiva popular ou que se adeque “para os 99% da população”, que não seja um incentivo ao “empreendedorismo e meritocracia” que prega a “vitória” individual de mulheres, negros, LGBTQs, imagem plenamente difundida pelo cinema e nas redes sociais, numa pauta identitária a serviço do neoliberalismo. Ou triunfamos juntos ou não triunfamos. 

Em segundo lugar, ela propõe um diálogo com as comunidades da classe trabalhadora do Cinturão da Ferrugem, sulistas e rurais para que se convençam a abandonar seus aliados atuais criptoneoliberais. O objetivo seria convencê-los de que as forças que promovem o militarismo, a xenofobia e o etnonacionalismo não podem e não fornecerão a eles os pré-requisitos materiais essenciais para uma boa vida. A ideia é separar eleitores de Trump ocasionais dos racistas de carteirinha que certamente são uma minoria. Ela refuta a ideia de que a maioria dos eleitores de Trump estaria necessariamente destinada a apoiar eternamente a extrema-direita e não ouviria um apelo de unidade da classe trabalhadora. É a mesma crença de que dispõe o Galo, que citei no início o texto, em relação aos eleitores de Bolsonaro. 

A questão colocada pela autora não é silenciar diante de racismos, sexismos, homofobias, islamofobias e transfobias. Ela argumenta que uma luta produtiva contra estas questões não passa por uma abordagem de condescendência moralizadora, que é típica do neoliberalismo progressista. Essa abordagem pressupõe que o problema está somente na cabeça das pessoas e desconsidera as instituições e estruturas que as subjuga. No Brasil, essa condescendência moralizadora produziu o têrmo pejorativo “pobre de direita” para designar o apoiador de Bolsonaro. Uma ofensa que não faz nada a não ser consolidar ressentimentos e ódios. 

O Brasil e os Estados Unidos, o mundo está vivendo uma crise sem precedentes.  A descrença no sistema político liberal-burguês e suas alternâncias de poder entre direita e esquerda gera uma crescente revolta. Que até o momento, tem sido capitalizada pela extrema-direita. O discurso de Trump e Bolsonaro é demagógico. Eles não entregam o que prometem. São testas de ferro que reforçam os domínios dos dogmas neoliberais. Fraser denuncia também a demagogia dos governos Clinton e Obama. Seus eleitores esperavam promoção a diversidade, mas receberam na prática também um governo neoliberal. Essas irrupções trumpistas e bolsonaristas confirmam que o descontentamento das massas não se transformam sempre em luta consequente e organizada. Esse descontentamento pode ser manipulado tanto pela extrema direita quanto pelo neoliberalismo progressista. 

O trabalho da esquerda mundial deve ser romper as falsas polarizações entre os que foram vítimas do neoliberalismo. Segundo ela, os 99% da população, que hoje divididos, são dominados pelos 1% do andar de cima. Paulo Galo dizia no vídeo que mencionei no início que toda a riqueza produzida é da classe trabalhadora. Um projeto contra-hegemônico deve oferecer justiça de símbolos, de identidade, mas também e tão importante, a distribuição da riqueza, da propriedade. Só assim poderemos transformar a indignação de tanta gente, hoje dividida entre o apoio a Trump ou a Bolsonaro e o apoio aos movimentos sociais progressistas, em uma sociedade melhor e que contemple toda essa diversidade. O claro-escuro produz monstros. Já o raiar do dia produz a beleza de uma sociedade mais justa. Esse raiar do dia não virá como um dado da natureza, inevitável. Depende da luta consciente e coletiva no hoje.

IGOR CORRÊA PEREIRA ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)

Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

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