O SORRISO DO NATAL NA SANTA BELÉM

Grande inspirador e considerado, com razão, o verdadeiro Pai dos Descobrimentos Marítimos da Idade Moderna (1453 – 1789), o Infante Dom Henrique (1394 – 1560), O Navegador, natural do Porto, foi o fundador, em 1417, da mítica Escola de Sagres – formadora de homens que deram mundos ao mundo. Como o alentejano Vasco da Gama (1469 – 1524), o genovês Cristóvão Colombo (1451 – 1506), o minhoto Fernão de Magalhães (1480 – 1521), o florentino Américo Vespucci (1454 – 1512), os beirões Pero da Covilhã (1450 1530) e Pedro Álvares Cabral (1467 – 1520) e os algarvios Bartolomeu Dias (1450 – 1500) e Gil Eanes (1395 – 1450).

O visionário idealizador de Sagres era filho de Dom João I (1357 – 1433), o Rei de Boa Memória, Patriarca da Dinastia de Avis, e irmão do soberano Dom Duarte (1491 – 1438), O Eloquente. O Infante tinha especial devoção à Virgem Maria e, por isso, mandou erguer em Lisboa um pequeno santuário destinado à Nossa Senhora, às margens do Rio Tejo, no Restelo, para além do bairro de Alcântara.

A imagem venerada na ermida, a pedido de Dom Henrique, é a réplica de um precioso ícone bizantino de Santa Maria de Belém, cidade da Judeia, na Terra Santa, onde nascera Jesus Cristo – e na qual, mil anos antes, viera ao mundo o célebre Rei David de Israel. Nossa Senhora é retratada, ao contrário da maioria das vezes, com um doce sorriso, no altar da Igreja da Natividade, no centro da cidade, hoje sob controle da Autoridade Palestina – de hegemonia islâmica. Também está a sorrir, nos seus braços, o filho que acabara de nascer na humilde manjedoura. A singela imagem de Maria ilustra esta coluna natalícia.

O bairro lisboeta dedicado à Virgem Maria da Terra Santa ganhou, naturalmente, o nome de Belém, que deriva da expressão hebraica Lar do Pão, tornando-se, emblematicamente, o marco das proezas dos valorosos portugueses da Idade Moderna. Encontram-se, ali, diante do Tejo, voltado para o Atlântico, símbolos dos feitos dos lusitanos, como a própria Torre de Belém e o esplêndido Mosteiro dos Jerônimos, ambos monumentos construídos por determinação do Venturoso Rei Dom Manuel I (1469 – 1521), em estilo neogótico, consagrado, universalmente na arquitetura manuelina.

O Mosteiro foi edificado exatamente no local onde o Infante criara o santuário à Nossa Senhora de Belém. Foi na ermida, inclusive, que Vasco da Gama, passaria a noite em orações e assistiria à Santa Missa, na véspera da partida, no dia oito de julho de 1497, para a pioneira viagem à Índia – após contornar o Cabo da Boa Esperança, na atual África do Sul. Pedro Álvares Cabral cumpriria ritual semelhante antes da expedição que o levaria à descoberta do Brasil e à segunda incursão ao Oceano Índico. Dom Henrique acreditava que a mesma Estrela de Belém, que guiara os Reis Magos à manjedoura, conduziria os portugueses à rota para a Índia. Está também no adorável Belém a sede da Presidência da República – num afrancesado palácio rosado.

Assim como um dos clubes mais tradicionais do País, Os Belenenses, e a popular confeitaria ‘alfacinha’, precursora dos deliciosos Pasteis de Belém. O fascínio luso por Santa Maria estimularia a Coroa de Lisboa a batizar de Belém a capital do Estado do Pará, o histórico Grão-Pará, que englobava toda a Amazônia e o Maranhão – com o epíteto de Feliz Lusitânia. Um dos típicos bairros paulistanos chama-se, com efeito, Belenzinho. Aliás. belén, grafado deste modo, significa presépio em castelhano.

Abençoados pelo sorriso de Santa Maria, rogamos, neste Natal, que a Terra Santa deixe de ser o epicentro das discórdias. Que seja, como indica sua origem judaica, um Lar do Pão, mas, igualmente, de paz.

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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