O que aconteceu com as pesquisas eleitorais este ano?
No primeiro turno, em muitas cidades, foram mal. No segundo, nem se fala, erraram feio. Do Oiapoque ao Chuí, nenhum instituto de atuação nacional acertou. Como explicar tamanha incapacidade de apontar o resultado das eleições?
É a segunda eleição seguida em que o problema aparece. Ele já havia ocorrido nas escolhas de governador em 2018, com resultados das urnas completamente diferentes do que as pesquisas de véspera e antevéspera previam. Em alguns estados, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, as discrepâncias foram flagrantes, mesmo de institutos sérios, como o Ibope e o Datafolha. No Rio, pesquisa do Ibope, no dia 6 de outubro, apontava Eduardo Paes (DEM) com 26% e Witzel (PSC) com 10%, enquanto o Datafolha, na mesma data, indicava Paes com 23% e o candidato do PSC com 14%. No dia seguinte, na urna, Witzel obteve 41% e Paes ficou com 19%, menos da metade. Em Minas Gerais, a cinco dias da eleição, o Ibope indicava que Antônio Anastasia (PSDB) tinha 33% das preferências e Romeu Zema (Novo) alcançava 10%, enquanto o Datafolha, na quinta-feira, mostrava o tucano com 32% e Zema com 15%. Na urna, Zema recebeu 43% do voto válido, ficando Anastasia com 29%.
Este ano, tivemos um festival de equívocos, especialmente no segundo turno. Quem foi dormir no sábado achando que Manuela d’Ávila liderava as preferências em Porto Alegre (segundo o Ibope), viu o adversário derrotá-la por 10 pontos porcentuais no domingo. Quem achava que, em Fortaleza, Sarto (PDT), o candidato dos Ferreira Gomes, teria uma vitória tranquila, colocando 20 pontos de dianteira no Capitão Wagner (PROS), como dizia o Ibope, constatou que a margem foi de magros 3%. O Ibope imaginava uma eleição parelha em Vitória, com os dois candidatos com 50% das intenções de voto, mas o que vimos foi o Delegado Pazolini (Republicanos) vencer João Coser (PT) com 17 pontos de vantagem.
Há um evidente problema com as pesquisas eleitorais no Brasil, que é de todos os institutos, não é recente e não foi eficazmente atacado de 2018 para cá. Mas não é algo exclusivo, que só existe aqui. Ao contrário.
Na última eleição nos Estados Unidos, o desempenho das pesquisas foi muito ruim, merecendo críticas e zombarias de todos os lados. Em alguns aspectos, a situação é semelhante à nossa, mas pode ser considerada mais grave, pois lá não existe um quase monopólio de pesquisas para conhecimento público, como o da TV Globo, de quem depende a mídia praticamente inteira e que só compra do Ibope e do Datafolha. Nos EUA, há dezenas de fornecedores, amplamente utilizados por veículos de comunicação de âmbito nacional e regional. Todos, no entanto, erraram, em maior ou menor grau.
As pesquisas norte-americanas acertaram no fundamental, prevendo a vitória de Joe Biden (D) no voto popular nacional e em alguns dos estados necessários a assegurar a maioria no Colégio Eleitoral. Mas foram surpreendidas pelo voto que Donald Trump (R) obteve em muitos desses estados, que acabaram se revelando mais competitivos do que o previsto. Em lugares onde a média das pesquisas dava a Biden dez pontos de frente, ele acabou tendo que comemorar vitórias na casa de décimos. A suposição de que o democrata receberia uma “avalanche de votos”, como muitas pesquisas de prestígio apontavam, mostrou-se falsa já nos primeiros minutos da apuração.
Os analistas americanos andam tentando entender o que teria acontecido, pois as pesquisas são, por lá, uma instituição central do sistema e da cultura politica (não fossem elas uma criação local). Um setor tão tradicional e tão presente no dia a dia do país não pode ficar com uma imagem tão enxovalhada quanto está.
A melhor explicação dos erros dos institutos é o que literatura chama viés na não-resposta. Quer dizer que as pessoas que não concedem entrevistas são significativamente diferentes das que concordam, algo que, até pouco tempo atrás, não existia ou não afetava o desempenho das pesquisas.
Sua premissa sempre foi que aqueles que não dão entrevistas são iguais aos que estão dispostos a responder, mesmo se a pesquisa enfrentar uma taxa elevada de recusa. Atualmente, no entanto, em sociedades como a americana e a brasileira, em condições de intensa polarização e ideologização da opinião pública, isso não se sustenta mais.
Há uma parte do eleitorado que se nega a participar de pesquisas, pelos mesmos motivos pelos quais hostiliza as instituições democráticas: os partidos, os políticos, a imprensa, o sistema eleitoral, os mecanismos do voto, o Judiciário e assim por diante. Não revelar o que pensa tornou-se elemento da identidade anti-política, particularmente entre pessoas de direita e ultradireita.
Nas eleições americanas deste ano, assim como nas municipais que acabamos de fazer, houve um erro sistemático nas pesquisas: tenderam a subestimar o voto em candidatos apoiados ou oriundos da extrema direita. Trump superou as previsões das pesquisas, assim como muitos candidatos conservadores a prefeito foram mais votados do que o projetado. Inversamente, houve uma superestimação do peso relativo do voto de centro e esquerda. Nem sempre são grandes os números dessas pessoas que menosprezam as instituições politicas, recusam-se a participar das pesquisas, mas votam. Em disputas apertadas, porém, podem ser decisivos.
Há muita gente boa, nas universidades e nos institutos de pesquisa americanos, procurando resolver o problema, que pode atingir duramente a atividade. Não vai ser simples, pois não é fácil descobrir o que pensa quem se fecha em um silêncio raivoso.
Podemos contribuir para a compreensão e o enfrentamento do fenômeno, sem fingir que tudo vai bem, como fizemos em 2018. Todos temos que reconhecer que não podemos chegar a 2022 como estamos, repetindo os erros de 2018 e 2020.
MARCOS COIMBRA ” BLOG BRASIL 247″( BRASIL)
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi