No curto prazo, não haverá impacto algum no jogo político e econômico atual. Bolsonaro continuará com suas trombadas, Paulo Guedes com suas indecisões.
O sistema político pós-ditadura se moldou da seguinte maneira.
O MDB saiu na largada como o mais influente partido brasileiro. A Arena transmudou-se no PFL, depois no DEM. A esquerda juntou-se em torno do PT. No momento seguinte, parte do MDB, mais à esquerda, fundou o PSDB. Em São Paulo, graças a Mário Covas, conquistou a parcela da classe média paulistana que seguia Paulo Maluf.
Tinha-se, ali, o caminho para um modelo civilizado de política. À esquerda, Lula conseguindo canalizar os diversos grupos para a disputa política. O PSDB conseguia reunir o centro-esquerda. A direita ficava com o PFL e o MDB reunia o que seria conhecido, mais à frente, como centrão, operando como fiel da balança para garantir a governabilidade dos governos tucanos e petistas.
A partir de 2002, o quadro muda gradativamente. Lula traz o PT para o centro, como um autêntico partido social-democrata. Houve uma primeira tentativa em 1994, através do núcleo econômico liderado por Aloisio Mercadante. Mas a reação da militância impediu o movimento.
Perdendo a bandeira da social democracia, e, principalmente, após a morte de Mário Covas, o PSDB perdeu qualquer veleidade programática. Fez um movimento à direita, mas da pior forma possível. A forma legítima seria desenvolver um conjunto de propostas liberais-conservadoras. Poderia, então, trazer a direita para o jogo político, repetindo o movimento de Lula com a esquerda.
Em determinado momento, houve quem apostasse que o modelo político brasileiro chegaria ao nível do europeu, com o pêndulo político balançasse de um centro direita para um centro-esquerda, e vice-versa, sem desconstruir as conquistas do período anterior.
Mas, a ascensão de Aécio Neves e José Serra – com endosso de Fernando Henrique Cardoso – matou qualquer veleidade programática do partido. A falta de propostas alternativas tornou-se acachapante, especialmente após as vitórias políticas do lulismo na crise de 2008-2010. E o partido aderiu integralmente ao golpismo, postura que ficou nítida na campanha de José Serra, em 2010, e na adesão incondicional à campanha do impeachment liderado pela Rede Globo.Leia também: Objetivos do Milênio: as cidades como centro das políticas públicas, por Luis Nassif
E, aí, ocorreu o óbvio. Sem a coluna vertebral de ideias programáticas, recorrendo exclusivamente ao discurso moralista-golpista, o PSDB perdeu qualquer veleidade de protagonismo político. Com o advento das redes sociais, a direita se espalhou por inúmeros pequenos partidos, com a pulverização acelerada pela flexibilização partidária aprovada pelo Supremo Tribunal Federal. Ao mesmo tempo, a Lava Jato – inicialmente estimulada pelo PSDB – destruiu o que restava do sistema partidário.
Em outros países, como nos Estados Unidos, o sistema partidário resistiu ao advento da ultradireita trumpista, devido a regras rígidas preservando o bipartidarismo. No Brasil, a implosão do sistema partidário levou ao estilhaçamento do partidos.
Nem PT, nem PSDB souberam se reciclar para os novos tempos. O antipetismo se tornou o principal argumento político das eleições, mostrando que o trabalho pertinaz da mídia, ajudada pela Lava Jato, conseguiu apagar as lembranças do período de bonança do PT e jogar nas suas costas todos os erros de política econômica cometidos pós-impeachment.
A arquitetura política pós-ditadura esboroou-se. As eleições não geraram uma ideia nova, um conceito novo. Resumiu-se ao anti, o antipetismo e o antibolsonarismo. Os partidos que mais cresceram foram os fisiológicos, que compõem o centrão.
O que se tem de concreto, com vistas a 2022:
1. O bolsonarismo murchou, como fenômeno político. Ou seja, a tendência de apostar no novo fora do eixo. Isso se deveu à ampla incapacidade da família Bolsonaro de articular partidos ou de manter relações de lealdade com aliados. Devido à sua reconhecida incapacidade intelectual, o bolsonarismo só admite seguidores. Mesmo assim, Bolsonaro continua o líder máximo não apenas da ultradireita, como da direita, especialmente no interior.Leia também: Saiba onde haverá pesquisa de boca de urna neste domingo (29)
2. Bruno Covas é uma criatura de João Dória Jr., apesar de tê-lo escondido na campanha, por razões estratégicas. Aliás, parte do que se convencionou chamar de esquerda do PSDB se uniu em torno de Covas, mas meramente para poder ser aceito por Dória. Por sua dimensão política, e pela saúde frágil, não há a menor possibilidade de recriação do covismo. Portanto, Dória é o grande vitorioso em São Paulo. Mas, no plano econômico e social, não tem grandes diferenças de Temer-Bolsonaro.
3. As esquerdas se fragmentam ainda mais. E os candidatos a presenciáveis – Flávio Dino e Fernando Haddad – terão que se reposicionar. Apesar de derrotado nas eleições, Boulos é o grande vitorioso como nova expressão das esquerdas, colocando de volta os movimentos sociais no protagonismo político.
No curto prazo, não haverá impacto algum no jogo político e econômico atual. Bolsonaro continuará com suas trombadas, Paulo Guedes com suas indecisões.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)