Anunciar reformas é um método tosco de tentar manter as expectativas positivas, ignorando os desacertos da política econômica. Mesmo se uma ou outra for aprovada, não terá o menor impacto sobre a demanda agregada, as contas públicas.
Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a vã economia. Em outras palavras, não adianta um acompanhamento das séries macroeconômicas passadas para prever as futuras. Há uma dinâmica mundial em andamento, que irá condicionar todos os indicadores internos.
São eles:
Recrudescimento da pandemia
A Europa vive uma segunda onda mais intensa do que a primeira. A pandemia ocupou a Europa Ocidental e avança célere sobre o leste europeu, chegando ao Oriente Médio.
Nas Américas, os Estados Unidos batem diariamente o recorde de novos casos. E grandes economias latino-americanas, como México e Argentina, enfrentam uma nova onda.
Em todos esses casos, haverá o prolongamento da paralisação econômica, com reflexos inevitáveis sobre as exportações brasileiras – especialmente as de manufaturados.
Em breve, a Organização Mundial do Comércio e o FMI terão que rever as projeções sobre o comércio internacional. No momento, as projeções apontam para queda de 9,2% no comércio internacional, segundo a OMC, ou de 10,4% segundo o FMI.
O fator China
Nos próximos meses, há sinais de que a China ocupará cada vez mais o papel de motor da economia mundial. De janeiro a setembro, a produção econômica da China cresceu 0,7% em termos reais, contra uma pesada recessão do resto do planeta.
Mesmo com o comércio mundial refluindo, a China aumentou suas exportações em 15% nos três primeiros trimestres. Em outubro, as exportações chinesas aumentaram 11,4% em relação ao ano anterior.
Na outra ponta, as importações caíram 2,3% em relação ao mesmo período do ano passado, mas com sinais de recuperação. Em setembro houve uma elevação de 13,2% em relação ao ano anterior. Até o final do ano é possível que volte aos níveis de importação pré-Covid.
É um consolo, como consumidor de commodities brasileiros, enquanto Bolsonaro não terminar seu trabalho de comprometer definitivamente as relações diplomáticas e comerciais.
Pelo perfil das exportações brasileiras, haverá perdas para as manufaturas (que são vendidas basicamente para EUA e Mercosul), e ganhos nas commodities, devido ao fator China.
O Covid no Brasil
Os últimos indicadores mostram um recrudescimento do Covid nos últimos dias. Os sinais já foram captados pelas estatísticas e pelas informações sobre a ocupação de leitos de UTI em vários estados.
Se terá pela frente uma economia menos preparada, devido à desativação dos hospitais de campanha, à exaustão dos profissionais de saúde e à impaciência do público em geral com o isolamento.
O nó político
Ao mesmo tempo, há um enorme nó político a ser desmanchado. O Ministro da Economia Paulo Guedes é disfuncional, um macaco em loja de louças. Cria problemas com o Congresso, se desgasta com promessas reiteradas desmentidas pelos fatos, manobra números com a prodigalidade de um contatos de histórias. E Jair Bolsonaro é incapaz de permitir uma ação política coerente de seus líderes. Guedes enredou-se em uma quadratura do círculo, transformando a Lei do Teto em uma guerra perdida, em um momento em que a falta de vigor da economia exigiria posições mais pragmáticas.
Conclusão
Com essas peças do jogo, há as seguintes incertezas em jogo.
1. Não acredite na recuperação próxima da economia.
Os últimos indicadores mostraram enorme fragilidade, incapazes de repor até agora as perdas com a pandemia. Com o recrudescimento das curvas de casos e óbitos, a recuperação ficará mais longe.
2. Não acredite no placebo das reformas.
Anunciar reformas é um método tosco de tentar manter as expectativas positivas, ignorando os desacertos da política econômica. Mesmo se uma ou outra for aprovada, não terá o menor impacto sobre a demanda agregada, as contas públicas.
3. Comece a se preparar para gatilhos.
Assim que ficar clara a formação das novas ondas de Covid e a incapacidade do governo de resolver a sinuca em que se meteu com Lei do Teto, eleições de 2022, interrupção da renda básica, aumento da relação divida/PIB.
Guedes criou uma série de ameaças, visando se fortalecer como Ministro: se mudar a Lei do Teto, o país explode! se prorrogar a renda básica, a economia afunda. Criou os bichos que, agora, ameaçam devorá-lo.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)