Nunca a população, desde os tempos da ditadura, se sentiu tão insegura quanto ao seu futuro e o de seus filhos
Nada pior que a descrença de que as coisas possam mudar. Estaria o Brasil num ponto de não retorno ou só no meio de um mar agitado?
Como devolver a esperança a uma sociedade que parece endurecida pela incerteza? Incerteza sobre o que querem fazer com a política interna e externa enquanto aumenta a incredulidade sobre quem pilota a nação.
Incerteza sobre o que querem fazer com a Amazônia, cada vez mais martirizada. Incerteza com a economia deste país, cada dia mais precária e confusa, com a inflação galopante dos preços dos alimentos, que golpeia sobretudo os mais pobres.
Apoie nosso jornalismo. Assine o EL PAÍS clicando aqui
Incerteza sobre a privação das liberdades adquiridas com tanta fadiga.
Incerteza sobre o que pretendem fazer com a Constituição, elogiada no mundo por sua modernidade, que assegura saúde e educação para todos e defende todas as minorias.
Incerteza sobre a segurança de uma sociedade à qual se deseja armar como se estivesse em guerra.
Incerteza sobre o crescimento das milícias já incrustadas nos poderes locais, que ameaçam se unir aos grandes traficantes de droga e armas, e cada vez mais próximas das instituições do Estado, inclusive a Justiça.
Incerteza dos mais pobres com esse jogo de querer privatizar a saúde e a educação, o que significaria atirar num genocídio físico e cultural milhões de pessoas que iriam ficando pelo caminho, desprovidos de sua segurança social.
Incerteza com nossa política interna e externa, com nossas relações com os outros povos do planeta, de quem o Brasil parece se afastar cada vez mais, encerrado em suas lutas políticas internas que o distanciam dos fóruns internacionais onde se constrói a política mundial.
Até quando o Brasil poderá resistir com um presidente que parece cada dia mais incapaz de dirigir um país da envergadura do Brasil, com sua política incapaz de abordar os grandes problemas do país, com seu caráter às vezes infantil e às vezes altaneiro?
De um presidente que parece estar cada dia mais armado de uma política destrutiva, negacionista da realidade, incapaz de escutar o grito dos mais sacrificados?
Até quando o Brasil continuará sendo vítima de um Governo dividido ele mesmo entre os olavistas fanáticos e destrutivos e os militares, cada dia mais preocupados, já que não querem ser usados em uma política de ódios e rancores?
Um Governo que, em vez de levar a todos para uma nova era de prosperidade, os arrasta para a divisão e o ódio.
Nunca a sociedade do Brasil, desde os tempos da ditadura, se sentiu tão insegura quanto ao seu futuro e o de seus filhos. Que sociedade do amanhã está sendo preparada para eles com essa política cada vez mais do não que do sim?
E, enquanto isso, cada dia mais pobres estão voltando a se lançar no inferno da fome e mais jovens parecem duvidosos quanto ao seu futuro. Sinto dor quando alguns deles me dizem que querem ir para o exterior porque aqui não encontram oportunidades de desenvolver seus talentos.
Não é que estes jovens que são nosso futuro não gostem do Brasil. É que se sentem a cada dia mais impossibilitados de realizar seus sonhos.
O Brasil vive uma crise política e existencial que prenuncia um novo dia de esperança, ou o medo o está paralisando?
Estaremos no estado que se chama de “não retorno” e de mudança radical de época, ou no meio de uma tormenta que ao se desfazer deixa o céu mais limpo?
Pelo amor que tenho a este país, quero acreditar que estamos mais às vésperas do milagre e que a política enlameada de hoje, que gera violência, possa dar lugar a uma mais próxima das dores de quem sempre paga o preço dos pecados do poder.
Como seguir adiante com um presidente saudoso dos golpes e que ameaça colocar o Exército na rua para evitar aqui um segundo Chile, como ele mesmo declarou?
Ignora o presidente que as manifestações do Chile tiveram lugar para se livrar de uma Constituição ainda dos tempos do sanguinário ditador Pinochet? Os brasileiros têm todo o direito que lhes concede a Constituição de se mobilizarem em defesa da democracia.
Isso demonstra que o capitão reformado Bolsonaro que hoje dirige o país não só não se converteu aos valores da democracia como também está voltando às suas antigas nostalgias de guerra fratricida. Ele sempre preferiu que os sinos dobrassem mais pelo enfrentamento dos conflitos do que pela busca da paz.
Hoje me uno ao grito de Zeina Latif, que em sua coluna n’O Estado de S. Paulo escreve: “A negação dos problemas pelo poder público sugere que estamos brincando na beira do precipício com olhos vendados”.
Nunca na história a guerra e os enfrentamentos entre irmãos criaram bem-estar e liberdade. O Brasil sofre e se empobrece cada vez que os políticos são incapazes de criar um ambiente de liberdade onde cabem todas as ideias e a confrontação positiva e democrática.
Apesar do meu apreço pela política social que o ex-presidente Lula desenvolveu, me doeu o dia em que lançou seu lema de guerra de “nós contra eles”. Não, a paz e a justiça são criadas de mãos dadas, sem ódios nem rancores, sem divisões e com o esforço sincero de abrir um diálogo entre diferentes.
JUAN ARIAS ” EL PAÍS” ( ESPANHA / BRASIL)