EXPLICANDO A ATRAÇÃO FATAL DO JUIZ BRETAS PELO ADVOGADO NYTHALMAR

Peça 1 – o instituto da delação premiada

De um artigo de 14 de abril de 2019:

“Há tempos, venho apontando a falta de transparência nos acordos de leniência da Lava Jato do Paraná. De repente, advogados obscuros tornaram-se especialistas em delações premiadas, recebendo honorários milionários, superando escritórios de reputação nacional, como se fossem especialistas em uma nova área da ciência do direito.

Sua especialidade não é o conhecimento jurídico, a capacidade de argumentar nas instâncias superiores, a interpretação dos códigos e das leis: é o acesso aos juízes e procuradores dos processos.

Com o instituto da delação premiada, especialmente em uma operação como a Lava Jato, com apoio da mídia e endosso total das instâncias superiores, juízes e procuradores ganharam um poder excepcional. Especialmente quando passaram a atuar de forma sincronizada, como ocorreu no Paraná.

A premiação ou punição dos réus passou a depender exclusivamente do julgamento pessoal da turma,

Não precisa seguir o Código Penal e essas velharias impressas. Se achar que a colaboração foi satisfatória, alivia a pena do réu. Se não gostar, mantém a prisão preventiva por tempo indeterminado e as penas financeiras sobre todo o patrimônio do recalcitrante.

Cabe ao procurador definir de quanto vai ser a multa, quanto do patrimônio do réu poderá ser preservado por ele, o tempo de prisão etc. E caberá ao juiz concordar ou não. Com uma penada, uma multa de US$ 15 milhões pode se transformar em US$ 5 milhões, corruptos notórios podem obter liberdade em pouco tempo e preservar parte relevante de seu patrimônio.

No Paraná, os advogados milagreiros são Eduardo Bretas, Antônio Figueiredo Bastos, Marlus Arns. Bastos chegou a ser acusado por doleiros de cobrar uma “taxa de proteção”, o que ele negou.

Na Vara de Marcelo Bretas, o Sérgio Moro do Rio de Janeiro, o super advogado milagreiro se chama Nythalmar Dias Ferreira Filho, de 28 anos de idade.˜

Sobre ele se falará mais adiante.

Peça 2 – o poder do delator

O instituto da delação foi introduzido, explorado e desmoralizado pela Lava Jato Paraná. No auge do macarthismo, endossado pela imprensa, qualquer declaração, de qualquer bandido, negociada diretamente com procuradores partidarizados, era ponto de partida para abertura de inquérito. Mesmo sem provas ou evidências maiores, servia para o propósito de expor a pessoa ao julgamento midiático e a anos de preocupação com o processo. E, inúmeras vezes, para influenciar eleições.

Conferia-se um poder extremo ao juiz, ao procurador e, principalmente, ao delator e seu advogado. Sabendo que a simples menção a uma pessoa a exporia ao massacre midiático e a uma enxurrada de inquéritos, deixando-a à mercê de juizes punitivos, criou-se a possibilidade teórica de vários mercados paralelos.

O primeiro, o da cumplicidade entre juízes, procuradores e advogados. O fato dos juízes terem seus advogados prediletos, garantia a eles enorme poder de mercado. Como juízes e procuradores, especialmente na Lava Jato, tinham o poder quase absoluto de confiscar ou liberar recursos dos réus, ter um advogado com acesso a eles valia ouro.

O segundo, o da chantagem explícita. Advogados passaram a pressionar réus em potencial, para seu nome não ser incluído na delação de seus clientes.

Foi o que aconteceu com a criminalista Beatriz Cattapreta. Quando começaram a vazar suas façanhas, para não anular as delações das quais ela havia participado, em vez de denunciar suas estripulias, a Lava Jato Curitiba limitou-se  a ordenar que se mandasse do país, com os honorários que já havia recebido.

Em qualquer das hipóteses, o modelo conferiu um poder político inédito aos réus que toparam participar do jogo.

Ainda está para ser contada a real história das parcerias de procuradores, juízes e delegados com os criminosos do colarinho branco com os quais fizeram parcerias, por interesse político ou financeiro.

Peça 3 – o fenômeno Nythalmar

E aí se chega ao caso Nythalmar, dono da mais fulminante carreira de advogado criminalista da história.

Até então, tinha um escritório no fundo de uma papelaria em Campo Grande. Em dois anos deixou o escritório para conquistar os maiores réus da Lava Jato Rio de Janeiro, cujas condenações dependiam do implacável juiz Marcelo Bretas. E não foram peixes pequenos.

O primeiro a acreditar no poder de sedução de Nythalmar foi Edno Negrini, envolvido no escândalo da Eletronuclear. O segundo, Fernando Cavendish, empresário com um imenso histórico de corrupção, parceiro do bicheiro Carlinhos Cachoeira e envolvido até o pescoço com o esquema de Sérgio Cabral.

O que explicaria essa preferência? Até então, Nythelmar não tinha histórico de grandes ações. Seus clientes eram pequenos comerciantes de Campo Grande. Decididamente nunca teve notório saber, muito pelo contrário. O que levaria réus, com condições de bancar os maiores criminalistas do país, a recorrerem ao jovem advogado de Campo Grande? Apenas a certeza de que suas petições seriam bem acatadas pelo juiz Marcelo Bretas.

E aí se chega ao busilis da questão: quando Negrini o contratou,Nythalmar não passava de um advogado de porta de cadeia. E quando Cavendish o contratou, ele tinha apenas o processo de Negrini para apresentar. Mesmo antes da prova do pudim, ambos apostaram que Nythelmar se daria bem com o implacável juiz Marcelo Bretas. Fora a possibilidade de terem consultado algum vidente da Avenida Venezuela especializado em psicologia forense, não há hipóteses benignas para explicar essa simpatia fulminante de Bretas por Nythelmar. E nem se imagine que mencionei Venezuela por qualquer afinidade com Maduro: é a avenida onde se localiza a 7a Vara Criminal de Marcelo Bretas.

Depois, as ligações ficaram claras.Nythalmar costumava ir à sala do juiz e passar longas horas em conversas a dois. Poderia ser para combinar o conteúdo da próxima delação? Negociar favores para os clientes em troca do direcionamento das delações? Ou haveria também negociações pecuniárias?, já que o juiz se tornou dono não apenas da liberdade, como da decisão de bloquear e confiscar os bens dos réus.

Seja como for, obteve vitórias brilhantes. Conseguiu reduzir a pena de Marco de Lucca para prisão domiciliar, o maior sucesso de uma estreia na história do mundo jurídico carioca.  Cavendish, envolvido em mil rolos, inclusive com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, conseguiu prisão domiciliar e, depois, em uma vitória do bravo Nythalmar, foi liberado até dela, por bons serviços reconhecidos pelo implacável Marcelo Bretas. E tudo o que ele precisou fazer foi incluir uma denúncia a mais na conta do ex-governador Sérgio Cabral. Pouco importava se sua rede de corrupção estendia-se por todos os quadrantes do país.

Mesmo com essas vitórias, desde o início, a inexperiência de  Nythemar saltava  à vista: a incapacidade de redigir uma petição, o copy-paste e até elogios inusitados, como o que saudou a “atitude, dedicação e coragem” do juiz Marcelo Bretas, no seu primeiro caso, no qual conseguiu a libertação de Marco de Lucca. Nem a revista Veja, amplamente fechada com a Lava Jato, resistiu a uma dose sutil de ironia.  Com o intertítulo “Fenômeno do direito”, no dia 19 de agosto de 2018 Veja noticiava a grande vitória de Nythalmar, conseguindo do implacável Bretas a prisão domiciliar de Marco de Luca, acusado de pagar propina a autoridades.

Mais não disse, mais não apurou.  Afinal, Bretas ainda tinha serventia.      

No dia 28 de maio de 2018, reportagem da Folha já mostrava as surpresas do meio jurídico com o advogado: “O questionamento geral é como um jovem advogado desconhecido, com teses e estratégias jurídicas por vezes consideradas heterodoxas, e cujo escritório divide espaço com uma papelaria em Campo Grande —bairro pobre da capital— conseguiu ter como clientes de Luca, Fernando Cavendish, dono da Delta, Laudo Zianni, genro do ex-deputado Pedro Corrêa, e, agora, o próprio parlamentar cassado“.

As estranhezas não ficaram nisso. Em um dos processos, em junho de 2018, o réu Paulo Meriade Duarte foi condenado por Bretas a 8 anos de reclusão. No mesmo processo, outro acusado, com muito mais provas e evidências contra ele, recebeu pena muito menor. Seu advogado era Nythalmar.

Ou seja, a estranheza com sua influência junto a Bretas remontava a meados de 2018. E o jovem advogado não fazia questão de esconder o deslumbramento com o seu sucesso e sua paixão incontida pela Lava Jato: “Se a Lava Jato não tivesse vindo, haveria guerra civil no país!”, declarou à revista Época, colocando-se ombro a ombro  com os grandes defensores da operação.

Peça 4 – os tiros no pé

O deslumbramento foi seu maior erro. Na reportagem da Época, além de mostrar seu sucesso profissional, Nythelmar despejou críticas contra os colegas e foi alvo de uma representação do advogado Carlos Huberth Luchione junto à OAB, por cooptação ilegal de clientes.

Ali a estrela de Nythalmar começou a se apagar, e não foi por nenhuma cobertura sistemática da mídia. Afinal, denunciar Nylthemar seria colocar em dúvida a honestidade e/ou competência do juiz Bretas. E, segundo a Globo, Marcelo Bretas chegou a ir ao Vaticano convencer o Papa a aderir à sua cruzada anti-corrupção. Bretas entrou na fila dos fiéis, tentou puxar papo com o Papa que nem lhe deu atenção. Mas sua visita ao Vaticano mereceu da emissora a cobertura dedicada aos grandes encontros mundiais. Como duvidar da lisura de quem foi até o Papa e mereceu cobertura consagradora da maior emissora nacional?

O tiro no pé foi decorrente da reação de Nythalmar à representação do advogado Luchione. Certamente julgando que seu prestígio seria transferido para outras varas criminais, denunciou Luchione à  3a Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, acusando-o por pressão indevida. Luchione peticionou a interpelação, alegando que era uma tentativa de intimidação.

A  juíza   Rosália Monteiro Figueira não só não acatou a denúncia, como remeteu para o MPF, cujo nome vinha sendo utilizado por Nylthemar. A decisão imediata dos procuradores foi encaminhar o pedido de investigações para a Polícia Federal. No dia 30 de outubro de 2019, o Delegado Marco Aurélio Costa de Lima instaurou o inquérito policial para apurar “possível ocorrência de delito” de Nylthemar, suspeito de cooptação ilegal de clientela com proposta de uma aproximação ilegal com juiz e procuradores.Page 1 / 1Zoom 100%Page 1 / 1Zoom 100%Leia também:  Xadrez de como o pacto ultraliberal deixou o Brasil exposto ao trumpismo

Esta semana, houve busca e apreensão de documentos e computadores em vários endereços ligados a Nythalmar.

Recentemente, Bretas denunciou vários advogados, equiparando honorários recebidos à lavagem de dinheiro.  Com as buscas nos documentos de Nythalmar, será possível a Bretas constatar que seu menino de ouro recebeu um apartamento de Fernando Cavendish, cujo proprietário formal era a Agropecuária JPL Limitada, com sede em Mococa, em típico movimento de lavagem de dinheiro.

O inquérito caminhou em sigilo. Antes que se chegasse a esse desfecho, Bretas se apressou a romper com Nythalmar.

Apesar das suspeitas remontarem a 2018, apenas em maio passado, cinco meses atrás, Bretas resolveu  indeferir um pedido do advogado, acusando-o de litigância de má fé.

“O causídico patrocina a defesa de diversos acusados nas operações ligadas à Lava-Jato e esse juízo já é capaz de reconhecer seu modus operandi: os prazos são deliberadamente descumpridos e os pedidos de dilação são, via de regra, extemporâneos e injustificados. A conduta do patrono tangencia a litigância de má-fé e, a princípio, atenta contra a dignidade da Justiça, razão pela qual não pode ser tolerada”.

O advogado recorreu da decisão. Para muitos, soou como jogo de cena para Bretas conseguir se desvencilhar das suspeitas que acompanham essa relação desde 2018.

Agora, com o material apreendido na casa do advogado, será possível entender melhor as razões da atração fatal que ligaria Bretas a um jovem, inexperiente e nada brilhante advogado.

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LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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