Em matéria de candidato a Papa, a Argentina pode ser melhor. Mas, no futebol, nem o épico Maradona, nem o científico Messi, nem o furacão Kempes, somados, chegaram perto do Rei.
Eu estava na Veja, no incídio de carreira, quando Pelé marcou o milésimo gol. E a revisita incumbiu uma equipe grande de levantar a vida do rei.
No primeiro dia, rumei para a chácara Nicolau Moran, onde o Santos se concentrava. Fui lá com a cara, a coragem e um gravador.
Esperei terminar o treinamento. Pelé saiu do campo dando conselhos a Léo e Nené, meio campistas do Santos:
– Vocês têm que fazer que nem o Dirceu Lopes. Recebeu a bola, parte direto para o gol.
Como cruzeirense, e fã do Dirceu Lopes, fiquei emocionado. Mas, na hora de pedir a entrevista, fui solenemente ignorado pelo rei.
Fui pedir socorro então ao técnico do Santos, meu conterrâneo Mauro Ramos de Oliveira, o inesquecível capitão da Copa de 1962. Cheguei até ele, disse que era seu conterrâneo e recebi a indefectível pergunta mineira:
– Filho de quem?
Quando disse que era do Oscar Nassif, Mauro abriu num baita sorriso.
– Que legal! Foi seu pai quem me descobriu para o futebol
Muitos anos depois descobri que houve um campeonato amador na cidade, com cada loja do comércio patrocinando um time. A Farmácia Central patrocinou um time que tinha Mauro como estrela. Depois, seu Oscar tornou-se diretor de futebol da Caldense e promoveu Mauro para o time titular.
Disse-lhe que queria entrevista Pelé. Imediatamente Mauro chamou-o e lhe disse para dar uma entrevista para o filho do seu amigo.
Bastou ligar o gravador, para o Pelé disparar aquela risadinha simpática com que Edson inaugurava toda entrevista, quando baixava o Pelé nele.
Na semana seguinte, desci para Santos com a equipe de Veja, para levantar todos os detalhes do dia a dia de Pelé. E ali foi uma decepção enorme, quando descobrimos que Pelé era… humano.Leia também: Fora de Pauta
Entrevistei o Pepe Gordo, seu primeiro empresário, depois um advogado, Vicente Cascione, que cuidara de seus negócios no início. Falei com a familia, com seu pai, Dondinho – que meu pai contratou para centro-avante da Caldense, antes de ele se mudar para Bauru.
Pelé era um sátiro insaciável. Em toda cidade que o Santos ia jogar, já havia esquemas para colocar no seu quarto candidatas a miss Pelé.
Cascione relatou episódios nada edificantes do rei. A Seleção de Portugal tinha um quarto zagueiro implacável, Vicente, que caçou Pelé em campo na Copa de 1966. Depois, despediu-se do futebol, acho que depois da uma contusão, e os amigos organizaram um grande jogo, convidando os principais atacantes que ele havia marcado. E a negativa do rei veio acompanhado de um palavrão.
Nem se fala do zagueiro Procópio, do Cruzeiro, que, durante um jogo em que caçou o rei pelo campo, mereceu uma manobra maliciosa que quebrou sua perna, inutilizando-a para o futebol.
Mas essas “humanices” eram apenas curiosidades para apimentar um pouco o perfil do deus Pelé, que se tornou protagonista de desumanices terríveis, quando negou-se a reconhecer e a conviver com uma filha fora do casamento. E, agora que a Internet mostra maciçamente a arte de todos os grandes jogadores, constatar que, mesmo com todas suas humanices, nunca houve jogador como Pelé.
Nem se diga da habilidade. Tenho para mim que, nesse quesito, Ronaldinho foi maior. Ronaldinho dominava todos os fundamentos do futebol, a conclusão, a armação, os passes, o chute de falta, a cabeçada.Leia também: Giro Econômico GGN: confira um panorama econômico global
Pelé dominava os fundamentos, mas tinha a estrela maior, a capacidade de crescer com os desafios, a supina inteligência que mostrou na Copa de 1970 quando, sem a exuberância física dos primeiros anos, conseguiu reescrever seu estilo, com jogadas que entraram para a história, não apenas os gols, como os passes (para o gol de Carlos ALberto contra a Itália, por exemplo) e os gols perdidos (o drible de corpo no goleiro do Uruguai, Mazurkievski e a tentativa de gol do meio campo).
Em matéria de candidato a Papa, a Argentina pode ser melhor. Mas, no futebol, nem o épico Maradona, nem o científico Messi, nem o furacão Kempes, somados, chegaram perto do Rei.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)