Suponha que ficasse muito alto, comendo todo o lucro adicional do produtor. Reduza, então, para 10%. O produtor receberia 15,72% a mais do que antes da alta das cotações e do dólar. E a pressão sobre a inflação seria menor e seria menor ainda que as cotações dos importados.
Por trás de toda teoria econômica, tem que existir um conceito lógico sólido. A lógica é um ramo da filosofia em geral ignorado nas grandes masturbações econômicas que povoam as discussões jornalísticas.
Especialmente em países com déficit de cobertura de mídia – como o Brasil -, as discussões se fecham em torno de bordões, tratados como verdades científicas. Se estourar o teto, o Brasil acaba; se a dívida pública passar de 100% do PIB, não restará pedra sobre pedra; a única maneira de crescer é equilibrando as contas públicas através de cortes de gastos, ignorando um século de discussão econômica sobre o papel dos gastos públicos.
Nenhum desses dogmas é submetido a testes mínimos de lógica, a análises de correlações que comprovem se passam ou não no teste de lógica.
É essa superficialidade crônica que fez a opinião pública tratar como óbvia a política de importação de alimentos, com isenção de imposto, para segurar os preços internos, decisão absolutamente inócua.
Vamos a um breve exercício de lógica:
- Os preços dos produtos comercializáveis (aqueles que compõem o comércio internacional) são fixados em dólares. Depois, convertidos na moeda de cada país que produz ou consome. Seja produzido internamente ou importado, o que vale é a cotação internacional e o preço de conversão do dólar.
- O valor líquido recebido pelo produtor leva em conta as cotações internacionais menos o custo do frete. É este valor líquido que definirá os preços internos. Para vender para o mercado interno, ele irá querer o mesmo que recebe exoprtando.
Entendido isso, vamos a algumas contas:
- O aumento do preço do comercializável.
No Momento 1, o produto custava US $100,00 e pagava US $10 de frete. Portanto, ficavam com o produtor US $90,00. Com o dólar a R $4,70, o preço base era de R $423,00.
No Momento 2, houve um aumento de 10% na cotação em dólares – passando para US $110,00. E o dólar passou a custar R $5,50. Descontado o frete, o produtor passou a receber US $100,00. Com o dólar a R $5,50, o preço base saltou para R $550,00, 30,02% de aumento.
Cotação | Frete | Dólar | Imposto | Preço base | Aumento | |
Preço inicial | 100,00 | -10 | R$ 4,70 | 0% | R$ 423,00 | |
Novo preço interno | 110,00 | -10 | R$ 5,50 | 0% | R$ 550,00 | 30,02% |
- O preço dos importados.
Quando o aumento de preços decorre da escassez da oferta, a importação resolve. Quando o aumento decorre das cotações internacionais e do valor do dólar, o preço das importações é tão afetado quanto o das exportações, com um diferencial relevante: o frete.
Para exportar, o produtor pagará US $10,00. Portanto, para vender internamente não haverá custo do frete e o preço de equilíbrio será de US $100,00, depois da alta internacional.
Para vender internamente o produto, o produtor economiza o frete – que pagaria para entregar o produto a outro país. Mas quando importa, tem que pagar o frete para trazer o produto. E ainda 8% de Imposto de Importação.
A conta final ficaria assim: juntando o custo do frete e o Imposto de Importação, o importado sairia 67,47% a mais do que o preço inicial do produto, ou 28% a mais que os preços, depois dos aumentos das cotações e do dólar.
Cotação | Frete | Dólar | Imposto | Preço base | Aumento | |
Preço inicial | 100,00 | -10 | R$ 4,70 | 0% | R$ 423,00 | |
Novo preço interno | 110,00 | -10 | R$ 5,50 | 0% | R$ 550,00 | 30,02% |
Preço importado | 110,00 | 10 | R$ 5,50 | 8% | R$ 708,40 | 67,47% |
Aí vem a história de isentar o produto do Imposto de Importação. Ficaria assim: o preço cairia para R $660,00, mas, ainda assim, 56% acima do preço inicial e 20% acima do preço do produto exportado.
Leia também: Receita para aguardar 2021 e a reconstrução do multilateralismo, por Luis Nassif
Cotação | Frete | Dólar | Imposto | Preço base | Aumento | |
Preço inicial | 100,00 | -10 | R$ 4,70 | 0% | R$ 423,00 | |
Novo preço interno | 110,00 | -10 | R$ 5,50 | 0% | R$ 550,00 | 30,02% |
Preço importado | 110,00 | 10 | R$ 5,50 | 0% | R$ 660,00 | 56,03% |
Haveria duas alternativas normais, em outros países, impossível no Brasil de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro e seus pactos anti-consumidor:
- Instituir cotas de exportação.
- Instituir um Imposto de Exportação. O produtor passaria a receber, líquido, a cotação internacional – o frete – o imposto. Com 20% de Imposto de Exportação, o novo preço base ficaria assim: em R $429,00 ou apenas 1,42% acima do preço anterior.
Cotação | Frete | Dólar | Imposto | Preço base | Aumento | |
Preço inicial | 100,00 | -10 | R$ 4,70 | 0% | R$ 423,00 | |
Novo preço interno | 110,00 | -10 | R$ 5,50 | 20% | R$ 429,00 | 1,42% |
Suponha que ficasse muito alto, comendo todo o lucro adicional do produtor. Reduza, então, para 10%. O produtor receberia 15,72% a mais do que antes da alta das cotações e do dólar. E a pressão sobre a inflação seria menor e seria menor ainda que as cotações dos importados.
Cotação | Frete | Dólar | Imposto | Preço base | Aumento | |
Preço inicial | 100,00 | -10 | R$ 4,70 | 0% | R$ 423,00 | |
Novo preço interno | 110,00 | -10 | R$ 5,50 | 10% | R$ 489,50 | 15,72% |
Preço importado | 110,00 | 10 | R$ 5,50 | 0% | R$ 660,00 | 56,03% |
Para comprovar o teste da lógica, confira as cotações do arroz em várias praças. Como se recorda, a alta nos preços do arroz apareceu no IPCA de agosto. Ou seja, desde junho já registrava altas expressivas.
E as importações já estão acontecendo, sem nenhum impacto sobre os preços internos, apesar do aumento das importações registrado. Suponha que, em algum nicho de mercado, a trading consiga um arroz por cotação menor. A lógica seria a mesma: compararia os preços internos com os internacionais e venderia a quem pagasse mais.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)