PARA ALÉM DO OFÍCIO DA BOLA NA REDE

DALMO PESSOA

Um dos mais populares e prestigiosos cotidianos de língua portuguesa é, sem dúvida, A Bola, de Lisboa. Tão grande quanto jornais universalistas lusófonos, como o centenário Diário de Notícias e o moderno Público – ambos igualmente lisboetas. Ou ainda quanto O Globo, do Rio de Janeiro, e os paulistanos O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. É também A Bola um dos relevantes diários esportivos europeus – a exemplo do espanhol Marca, de Madri, o francês L’Equipe, de Paris, e os italianos La Gazzetta dello Sport, de Milão, Corriere dello Sport, de Roma, e Tutti Sport, de Turim.

O primeiro número de A Bola circulou em janeiro de 1945, três meses antes do término da Segunda Guerra, por iniciativa de jornalistas liderados pelo visionário alentejano Cândido de Oliveira (1896 – 1958), reunindo, acima de tudo, ilustres benfiquistas e notórios antisalazaristas. A Bola nasceu, portanto, de um coletivo de cronistas desportivos, engajados politicamente à esquerda, mal vistos pelo então ‘Estado Novo’.

À mesma época, deste lado do Atlântico, onde vigorava o ‘Estado Novo’ do gaúcho Getúlio Vargas (1882 – 1954), desfrutavam de simpatia da ditadura o Jornal dos Sports, do Rio de Janeiro, propriedade do jornalista pernambucano Mário Filho (1908 – 1966), irmão do genial autor teatral Nélson Rodrigues (1912 – 1980), e, em São Paulo, A Gazeta Esportiva, do paulista bragantino Cásper Líbero (1889 – 1943), chefiada pelo pugliese Tommaso ‘Thomaz’ Mazzoni (1900 – 1970) – natural da Província de Bari, ao Sul da Itália.

Só na ditadura seguinte, já nos anos 1960, a imprensa desportiva no Brasil se tornaria uma trincheira dos que lutavam pela redemocratização do País. Tudo começou, a rigor, em setembro de 1964, cinco meses depois do Golpe Militar, com a criação da arejadíssima Edição de Esportes de O Estado de S. Paulo, circulando independente no domingo à noite, logo após a rodada do Campeonato Paulista – concebida por outro jornalista italiano, o genovês Mino Carta, de 87 anos, que fundaria, três anos depois, ainda no Estadão, o inovador Jornal da Tarde.

Reportagens investigativas nos bastidores do futebol marcaram profundamente a Edição de Esportes e o JT – considerados um divisor de águas. Eram textos combativos assinados por grifes como Vital Battaglia, José Maria de Aquino e Dante Mattiussi. Trilhariam o mesmo caminho, no final dos anos 1960, as editorias de esportes da Folha da Tarde, o vespertino do Grupo Folhas, sob a batuta de Celso Brandão, onde também estava o amigo Edgard Soares, intrépido repórter, idealizador da Gaviões da Fiel, e o diário generalista de Cásper Líbero, A Gazeta, comandada por Rui Falcão, ex-Presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) e atual Deputado Federal.

Eram editorias que não se limitavam a noticiar os acontecimentos dos gramados. Cobriam os bastidores do futebol numa época em que a política nacional estava sob censura. Fui um dos jovens repórteres, entre 1968 e 1969, das editorias de Brandão e de Falcão. E, em A Gazeta, tive como um dos mestres, ao lado de Falcão, o querido Dalmo Pessoa (foto), paulista de Presidente Alves, subeditor de esportes – morto no último dia seis de outubro, aos 78 anos, em São Paulo, vítima de pneumonia.

Tenho uma dívida de gratidão com Dalmo Pessoa – membro atuante na comunidade lusitana em São Paulo e adepto da Portuguesa. Foi ele, numa tarde chuvosa de domingo, em setembro de 1969, quem conseguiu me localizar e alertar-me, à tempo de fugir, quando agentes do DOPS apareceram na redação de A Gazeta à minha procura. Tinha 20 anos e estava envolvido no ‘apoio logístico’ da resistência à ditadura militar. As editorias de esportes, cá como na Metrópole, nunca abandonaram os ensinamentos daqueles corajosos mestres.

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” (BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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