SALLES E AGU PRESSIONAM AMBIENTALISTA QUE CRITICOU O ” PASSANDO A BOIADA”

CHARGE DE NALDO MOTTA

O ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) recorreu à Justiça Federal para intimar um ambientalista crítico de sua gestão por uma entrevista concedida ao jornal “O Globo”. Com base em uma lei de 1995, Salles é representado pela AGU (Advocacia Geral da União), que mobilizou dois advogados servidores públicos da “Divisão de Atuação Estratégica” do órgão.

A petição é uma interpelação judicial com pedido de explicações em juízo contra Marcio Astrini, secretário-executivo do OC (Observatório do Clima), por duas declarações que ele concedeu ao jornal “O Globo” em 25 de maio a propósito da já célebre expressão usada por Salles na reunião ministerial de 22 de abril no Palácio do Planalto – de que o governo deveria aproveitar que a imprensa estava ocupada na cobertura da pandemia do novo coronavírus para ir “passando a boiada” de mudanças na legislação ambiental. Ou seja, ainda não é uma ação judicial, mas uma medida preliminar que pode ou não ser usada numa ação.

O Observatório do Clima é uma das mais importantes organizações não governamentais do meio ambiente no país, coalizão que reúne 50 entidades como ISA (Instituto Socioambiental), Greenpeace, WWF, Amigos da Terra, Grupo de Trabalho Amazônico, Fundação Boticário, Imaflora, Imazon, Ipam, SOS Mata Atlântica, SOS Amazônia, Ipê, The Nature Conservacy, entre outras.

Marcio Astrini trabalhou por 13 anos no Greenpeace, onde foi coordenador das campanhas de Amazônia e de Clima e de Políticas Públicas. Ele foi um dos líderes do movimento dos caras-pintadas em 1992, que defendeu o impeachment do então presidente Fernando Collor (1990-1992).

Na entrevista ao jornal “O Globo”, que no texto reuniu outros especialistas, Astrini disse que o que se viu na reunião ministerial de 22 de abril foi “um ministro de Estado numa conversa de comparsas convocando para aproveitar o momento da pandemia, em que todo mundo está preocupado com a vida, para fazer uma força-tarefa de destruição do meio ambiente”. Astrini disse ainda que, pela fala de Salles, era possível perceber que, “para evitar problemas jurídicos, ele precisou encomendar pareceres jurídicos junto à AGU. É um absurdo por si só”.

Salles, por meio dos advogados da AGU, peticionou para intimar Astrini em 18 de setembro, quase quatro meses depois da entrevista do secretário-executivo do OC. A ação passou a tramitar em São Bernardo do Campo (Grande SP), que seria o domicílio de Astrini.

Na petição, os advogados da AGU alegaram que “a preocupação” do ministro na reunião de 22 de abril “restringia-se à necessidade de se estabelecer em todos órgãos do Poder Executivo Federal uma revisão geral dos atos normativos infralegais com o intuito de empregar coerência regulatória que enalteça uma maior segurança jurídica no país. Na percepção do ministro, alguns atos normativos infralegais, portanto de competência dos próprios ministérios, poderiam ser inclusive extintos, a depender da orientação técnica consubstanciada em parecer adequado”.

Salles, via AGU, pediu que o juiz da 3ª Vara Federal Criminal de São Bernardo dirigisse indagações a Astrini para “explicações necessárias e imprescindíveis”. Quis saber se Astrini confirmava a entrevista, o que “ele quis dizer” e outras cinco perguntas.

‘Livre manifestação e circulação de ideias e opiniões divergentes’
O juiz deferiu o pedido e Astrini respondeu, por meio de seu advogado Paulo Eduardo Busse Ferreira Filho. “O que se espera é que o notificante [Ricardo Salles] siga respeitando a livre manifestação e circulação de ideias e opiniões divergentes e até contrárias às representadas por sua política à frente do Ministério do Meio Ambiente, o que é absolutamente legítimo e bem-vindo dentro de um estado democrático de direito”, respondeu o advogado de Astrini.

A defesa explicou que o secretário-executivo do OC “não teve a intenção de ofender a honra” de Salles e que sua manifestação “insere-se sim na cláusula constitucional que garante a liberdade de manifestação de pensamento”, prevista no artigo 5º da Constituição.

“Constitui expressão legítima de uma discordância política, uma crítica pública e democrática sobre os rumos empreendidos pela gestão do notificante [Salles] à frente do Ministério do Meio Ambiente, que para o peticionário [Astrini] são equivocados e perigosos. Na visão do peticionário, a política promovida pelo atual ministro do Meio Ambiente paralisa e desconstrói o sistema nacional de proteção ambiental, razão pela qual vem sendo largamente criticada não apenas pelo peticionário, mas pelos mais diversos expoentes da opinião pública nacional e internacional.”

O advogado de Astrini anexou 25 artigos de opinião “veiculados em relevantes veículos de comunicação independentes nacionais e estrangeiros, contemporâneos à entrevista do peticionário, e que esclarecem e demonstram que não foi apenas o peticionário que entendeu as declarações do notificante [Salles] na reunião do dia 22 de abril de 2020 como um estímulo adicional à sua política de desmonte do sistema nacional de proteção do meio ambiente”.

A defesa mencionou ainda que a “política de desmonte das estruturas nacionais de proteção ambiental” foi “denunciada pela própria Associação Nacional dos Servidores do Meio Ambiente – Ascema”. Além disso, “a preocupação é corroborada por um grupo de procuradores do Ministério Público Federal que promoveu Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa com Pedido de Afastamento do atual ministro do Meio Ambiente. Na ação, os procuradores não cometem crimes contra a honra do Notificante, mas descrevem em detalhes o alcance da política de desconstrução do sistema federal de proteção ambiental promovida sob a gestão do Notificante”.

Procurada, a assessoria do Ministério do Meio Ambiente não havia se manifestado até o fechamento deste texto. O UOL indagou se o ministro peticionou outras interpelações judiciais do gênero contra outras pessoas.

Também indagada a respeito, a AGU não informou se fez outras interpelações do gênero no país. Sobre seu papel na interpelação de Astrini, respondeu: “A Advocacia-Geral da União atua em casos da espécie por força de expressa e literal previsão legal havida no caput do art. 22 da Lei n. 9.028, de 1995 (‘…inclusive promovendo ação penal privada…’). No mais, a AGU não comenta estratégia processual”.

RUBENS VALENTE ” SITE DO UOL” ( BRASIL)

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