Fontes em Oslo (Noruega), sede do comitê organizador do prêmio Nobel da Paz, afirmaram à coluna que o cacique brasileiro Raoni foi de fato considerado a receber a homenagem, o que deixou o governo do Brasil preocupado com a possível repercussão mundial.
A premiação não apenas reconheceria uma vida de luta. Acima de tudo, seria um duro recado contra tudo o que a gestão de Jair Bolsonaro representa.
O anúncio nesta sexta-feira ocorre em péssimo momento para a diplomacia brasileira, ávida a provar ao mundo que está lutando para proteger a floresta e seu povo. Se por meses o governo esnobou os alertas da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre suas políticas ambientais e de direitos humanos, em Brasilia todos sabem que não haveria forma de ignorar o prêmio Nobel da Paz, o primeiro dado a um brasileiro de forma individual.
O prêmio de 2020 foi concedido ao Programa Mundial de Alimentação da ONU.
Se Raoni já era recebido pelo mundo como um líder internacional, um prêmio o deixaria numa posição “intocável”. O governo, segundo diplomatas, teria de conviver com a sombra do cacique, um brasileiro que representa o que Bolsonaro tenta destruir.
O prêmio ainda mandaria um recado velado ao governo: a Amazônia é sim um assunto mundial.
Viés político do prêmio Nobel
Raoni, assim, seria elevado a uma espécie de resistente contra a estratégia política, ambiental e social de um governo cada vez mais desprezado pelo mundo.
Dentro do Itamaraty, já existia um debate sobre como reagir. Se felicitassem Raoni, estariam justificando sua luta e inclusive seu apelo pela demarcação de terras, algo que Bolsonaro prometeu que não faria. Se criticassem a escolha, se alinhariam aos países autoritários como China e Mianmar que acusaram Oslo de usar a premiação para fazer política.
Os organizadores do prêmio tinham plena consciência de seu papel político e usam a escolha justamente neste sentido. Quando a zona do euro estava ameaçada, Oslo premiou a UE (União Europeia). Quando o multilateralismo foi atacado, o Nobel saiu para a ONU.
Ao longo do ano de 2019, Raoni percorreu o mundo em sua campanha pela floresta. Mas, segundo indígenas que o acompanhavam, ele os alertava que sua força estava se esgotando. Ele sabe que lhe resta pouco tempo e que novas lideranças precisam surgir. Em 2020, as internações deixaram isso ainda mais evidente.
A ironia que se conta em Oslo é que se o cacique tivesse recebido o prêmio, dois brasileiros entrariam para a história. Mas apenas um deles poderia circular pelo mundo sem medo de ser alvo de protestos.
JAMIL CHADE ” SITE DO UOL” ( GENEBRA / BRASIL)