Ninguém viu morrer o Rei Dom Sebastião, O Desejado, aos 24 anos, no final do ensolarado quatro de agosto de 1578, na célebre Batalha dos Três Reis, nas proximidades de Ksar El-Kibir, grafado em português como Alcácer-Quibir, região setentrional do Marrocos – conforme escrevi, aqui, em Mundos ao Mundo, na edição de 22 de março de 2012, sob o título “Ao cair da tarde no campo de Ksar El-Kibir”.
O trágico entardecer marroquino do século XVI marcaria praticamente o fim da dinastia esclarecida dos monarcas da venerável Casa de Avis, bem como a anexação à Espanha por 60 anos (1580 – 1640) do Reino de Portugal – até então invencível nos iluminados anos da Idade Moderna (1453 – 1789).
Era bisneto do soberano de Avis, Dom Manuel I (1469 – 1521), O Venturoso, descobridor da Rota Atlântica à Ásia, em 1498, e, dois anos depois, do Brasil. Dom Sebastião continua presente no imaginário dos povos de origem lusitana em todos os pontos do planeta. Altivo e aprumado, como o descreveu a historiadora inglesa Elaine Sanceau (1896 – 1978), em seu valioso ensaio “Castelos em África”, lançado em 1961, o Rei português desapareceu no confronto diante das tropas turco-otomanas comandadas pelo Sultão Abdelmalek – um dos três reis. Dom Sebastião batia-se ao lado do segundo monarca, o xerife Mulei Mohammed, descendente do Profeta Mohammed e ancestral do atual Rei do Marrocos, Mohammed VI. Perderia a vida no combate também Mulei. Já Abdelmalek faleceria envenenado no mês seguinte.
Surgiria, assim, o que ainda nos nossos dias chamamos de Sebastianismo – e que ressurge de tempos em tempos. Como aconteceu, inclusive, deste lado do Atlântico, no sertão da Bahia, em Canudos, ao Norte do Estado brasileiro, em 1897, quase 320 anos após o desaparecimento do monarca luso, durante a revolta antirrepublicana liderada pelo messiânico monarquista cearense António Conselheiro (1830 – 1897) – cujo nome verdadeiro era António Maciel.
Dom Sebastião teria ‘reaparecido’ outras vezes na figura de impostores que, sobretudo no século XVI, reivindicavam a volta a Lisboa do trono português ocupado pela Coroa de Madri da Casa dos Áustria, ou seja, a dinastia vienense dos Habsburgo. Dois deles passaram à História e tiveram suas peripécias registradas em folhetins que foram sucesso de vendas em obras publicadas em toda a Europa. O mais verossímil dos ‘sebastianistas’ foi um certo confeiteiro espanhol, Gabriel de Espinosa, conhecido como El Pastelero de Madrigal, natural da mesma localidade castelhana onde nascera a Rainha Isabel La Católica (1451 – 1504).
Ele ilustra a coluna na capa de um dos livros que relatam a rocambolesca artimanha do falsário. Atuou apoiado pela Casa de Bragança, que já articulava a ascensão ao trono lisboeta. Espinosa seria enforcado e esquartejado em 1595 por ordem de Felipe II (1527 – 1598) – Rei de Portugal com o título de Felipe I.
Outro personagem de lendário ‘reaparecimento sebastianista’ foi o calabrês Marco Tulio Cattizzone, o patético Sebastião de Veneza, considerado pela historiografia o mais emblemático dos impostores. Ele sequer sabia falar o português e alegava que esquecera o idioma no cativeiro marroquino – também terminaria enforcado, em 1603, às margens da laguna veneziana.
O Desejado Dom Sebastião ganharia dois novos epítetos depois do desaparecimento em Ksar el-Kibir – O Encoberto e O Adormecido. Sob forte emoção, acompanhado de minha querida esposa, Dona Andrea, visitamos, no dia quatro de janeiro de 2012, o terreno da Batalha dos Três Reis, após várias horas tentando encontrar, com ajuda de guias locais, o ponto exato em que se deu o doloroso embate. E lá então ainda estava uma lápide marroquina em memória do último dos Avis.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino castro é jornalista e historiador