Novas peças provavelmente aparecerão no decorrer dos próximos meses até que haja um julgamento justo sobre a indicação de Bolsonaro. Mas mostra mais pouco do dignificante mundo dos Bolsonaro, aquele que a pax brasileira com o Supremo e tudo.
Questão – como decifrar o caso Kassio Nunes
A indicação de Kassio Nunes para o Supremo Tribunal Federal (STF) agradou o centrão, os Ministros da casa, os advogados garantistes, incluindo advogados alinhados com a esquerda.
Há algumas certezas na indicação.
1. Bolsonaro arreglou para o STF, devido aos inquéritos envolvendo o filho Flávio Bolsonaro. Deixou isso nítido na live que fez ontem, na frente do Palácio. Lá, afirmou que não é cabeça dura e que as pessoas precisavam confiar nele.
Não é cabeça dura quando a água bate no nariz, é óbvio. Como todo valentão, Bolsonaro espuma, quando dono da situação, e amarela, quando em desvantagem.
Por outro lado sabe que a história de “matar no peito” – promessa de Luiz Fux ao PT, para ser indicado Ministro – não é confiável. Como já escrevi várias vezes, assim como os corpos na física, há dois personagens totalmente distintos: o Ministro, antes de indicado; e o Ministro, depois de indicado. Por isso mesmo, tem que haver laços mais profundos para a indicação.
2. Os advogados garantistes gostaram da indicação pelo fato de Kassio ser um garantiste.
3. Políticos petistas gostaram porque Kassio sempre teve bom diálogo com todos.
4. Ministros do STF gostaram porque um indicado ‘terrivelmente evangélico” seria um desastre para a casa.
Mas fica a dúvida: porque Flávio Bolsonaro gostou?
Hoje, na Folha, os repórteres Matheus Teixeira, Julia Chaib e Gustavo Uribe trazem peças interessantes para montarmos o nosso Xadrez,
Este parágrafo é essencial para a montagem da nossa teoria do fato:
A indicação de Kassio ao Supremo contou com a chancela de Flávio e de Frederick Wassef, ex-advogado da família, segundo aliados do presidente. Além deles, uma terceira pessoa teria chancelado o nome: Maria do Carmo Cardoso, juíza federal do TRF-1.
Agora, basta juntar as seguintes peças, sabendo que não são acusações, mas apenas indícios leves das teias de relações que se formam em Brasilia em torno de personagens do poder.
Peça 1 – O TRF-1
O TRF-1 é considerado um tribunal suscetível às demandas das partes. Por ter sede em Brasilia, funciona como uma jurisdição especial em todo território nacional.Leia também: Bolsonaro avisa STF que escolheu Kassio Nunes para vaga de Celso de Mello
Para alguns temas, há disputa para levar os casos para lá, como é o caso dos fabricantes de cigarros que não pagavam imposto. No TRF1 sempre conseguiam decisões favoráveis. Ele é o terror da Receita Federal.
Peça 2 – Wassef e o TRF-1
Uma das especialidades de Fredrick Assef, além de suas ligações com delegacias de polícia, é atuar pelos clientes junto ao TRF-1. Possivelmente é por aí que se entende o pagamento que recebeu da JBS.
Segundo a revista Crusoé, Wassef recebeu R$ 9 milhões da JBS. A informação foi levantada pelo COAF dentro das investigações sobre o caso Queiroz. Os pagamentos foram feitos entre 2015 e 2020. Wassef explicou que se referiam a serviços prestados à JBS no âmbito da Lava Jato.
Peça 3 – a JBS e o TRF-1
Reportagem da revista Veja, de 11 de setembro de 2017, afirmava que a JBS comprava sentenças no TRF1. As informações vieram de uma centena de documentos que o Ministério Público Federal recebeu com centenas de documentos, áudios, e-mails, mensagens de WhatsApp mostrando as tentativas recorrentes da JBS de comprar sentenças judiciais em Brasilia.
O dossiê revela as conversas entre o diretor jurídico da JBS, Francisco de Assis e Silva, com a advogada Renata Gerusa Prado de Araújo, funcionário do departamento.
Nas conversas eles falam em pagamento em espécie em processos sob a relatoria da desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, mãe de Renata, e pelo menos três Ministros do STF, Napoleão Maia, Mauro Campbell e João Otávio de Noronha.
Nem se tome por verdade. Nesse meio há muita venda de prestígio e apostas na chamada taxa de sucesso. O advogado diz que consegue o voto do julgador. Há duas possibilidades de votos: contra ou a favor. Se for a favor, ganha. Algumas vezes o julgador não tem a mínima ideia das apostas envolvendo sua sentença.
O dossiê foi entregue ao MPF pelo advogado Pedro Betim Jacobi, ex-marido de Renata e contem diálogos bastante comprometedores, especialmente para a própria Renata.Leia também: Flávio Bolsonaro teria desviado verba pública para pagar advogado
Segundo reportagem da revista Veja,
“Neste diálogo, Francisco de Assis, diretor da JBS, aciona a advogada Renata Araújo para obter uma liminar com o ministro Mauro Campbell, do STJ. Seis dias depois, Renata menciona o acerto feito com um interlocutor não identificado: 500 000 reais para a medida cautelar (MC) e 1 milhão de reais para o recurso especial (Resp). O interlocutor teria pedido que o valor fosse pago na forma de “honorários” à própria advogada, que depois o repassaria. A irregularidade está na forma de remuneração: “pagamento em espécie”. O ministro Mauro Campbell negou o pedido da JBS
Maria do Carmo apareceu em outros episódios controvertidos, como uma disputa pelo manganês envolvendo a Icomi e empresários coreanos.
Depois das denúncias, Maria do Carmo tirou 60 duas de férias. Tempos depois em abril de 2018, foi eleita corregedora do TRF1, em uma chapa que tinha como presidente o desembargadora Carlos Eduardo Maul Moreira Alves e como vice o desembargador Kassio Nunes. A reportagem da Folha confirma as relações entre Maria do Carmo e Kassio. Mas, como ela votou a seu cargo no TRF-1, certamente as conversas da filha não eram definitivas.
Peça 4 – Geovani Antunes Meirelles
Apelidado de “Jarrão”, é empresário influente em Brasilia. Mantém relação estreita com o ex-governador José Roberto Arruda (PR), marido da deputada federal Flávio Arruda (PR-DF). O casal oficializou a união na casa de Meirelles.
Quando Arruda foi preso pela Policia Federal, em 2010, em sua garagem havia dois veículos, um deles registrado em nome da Polytotal, empresa de Geovani Meirelles. Além disso, Jarrão mexe com postos de gasolina, outra área sempre na mia da Receita e, como tal, recorre frequentemente ao TRF-1..
Suas ligações com Wassef e Flábvio Bolsonaro aparecem quando empresta uma casa, à beira do Lago Paranoá, em Brasilia, para Flávio Bolsonaro conceder uma entrevista para o programa “Em Foco” da Globonews.Leia também: PGR arquiva pedido para investigar clã Bolsonaro no inquérito das fake news
Em entrevista ao UOL, Wassef disse que solicitou a casa de um cliente seu. A casa estava penhorada para uma empresa de factoring. No ano anterior, Jarrão foi condenado a 6 anos de prisão pela Justiça do DF, por crime ambiental., por “impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação” à beira do Lago Paranoá.
Além disso, duas empresas de Jarrão, a Polytotal e Atlas Taxi Aereo tem R$ 23 milhões em dívida ativa de tributos e contribuições previdenciárias.
Peça 5 – Ciro Nogueira
De posse do contrato de gaveta, os agentes federais rastrearam a empresa Geopetros – Geovani Petróleo e Derivados Ltda, associada à empresa Atlas Ltda, que tem contratos de prestação de serviços com as plataformas da Petrobras. Esses acordos também são alvo da Lava Jato.
O ponto de contato com Geovani com Ciro está em um inquérito que tramita no Judiciário do Paraná e no STF. A PF apreendeu um jatinho. Nas investigações descobriram um contrato de gaveta e chegaram à empresa Geopetros – Geovani Petróleo e Derivados Ltda, associada à empresa Atlas Ltda. Que prestava serviços à Petrobras.
Descobriu-se que Ciro tinha 37,6% do avião, assim como Wigberto Tartuce, o Wigão, 0empresário enrolado em desvios de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, e com todo seu patrimônio bloqueado para garantir uma dívida de R$ 100 milhões.
À guisa de conclusão
O Xadrez acima não aponta nenhum dados que, diretamente, comprometa Kassio Nunes. Apenas coloca as primeiras peças no tabuleiro. Novas peças provavelmente aparecerão no decorrer dos próximos meses até que haja um julgamento justo sobre a indicação de Bolsonaro. Mas mostra mais pouco do dignificante mundo dos Bolsonaro, aquele que a pax brasileira com o Supremo e tudo.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN”( BRASIL)