Se Olavo de Carvalho tivesse falado em nome do Brasil, não faria figura muito diferente.
Depois de começar dizendo que o “mundo precisa da verdade”, durante os 15 minutos do seu delirante discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro mentiu o tempo inteiro.
Fez-se de vítima de uma “brutal campanha de desinformação” e acusou o mundo de promover um complô contra o país e seu governo para roubar as nossas riquezas.
E acabou sendo protagonista do maior vexame que o país já passou nos fóruns internacionais, motivo de chacota nas redes sociais, desmentido por todas as agências de checagem de fake news.
Campanha de desinformação é o que o governo vem fazendo desde a posse de Bolsonaro, desafiando os fatos e a realidade, a ponto de atribuir os incêndios que devastam as florestas à ação de índios e caboclos, como se eles estivessem ateando fogo às suas próprias casas e lavouras.
Na mesma linha negacionista e conspiratória adotada pelos generais Mourão e Heleno, o presidente não assumiu nenhuma responsabilidade pelas mais de 135 mil mortes na pandemia e a devastação do meio ambiente, após o desmonte dos órgãos de fiscalizacão e preservação, com o governo abrindo as porteiras para passar as boiadas do ministro Ricardo Salles.
Nem disse o que o seu governo pretende fazer daqui em diante para minimizar essas tragédias que assolam o país e fazem disparar o desemprego, a fome e a miséria.
Sem dar nomes aos bois, acusou associações brasileiras “aproveitadoras e impatrióticas” de se aliar a instituições internacionais com “interesses escusos”.
Deve estar se referindo às nove potências da Europa e às mais de 200 grandes empresas nacionais e organizações não governamentais que, na semana passada, enviaram cartas ao presidente cobrando providências concretas do governo para salvar o que resta da Amazônia e do Pantanal e implantar uma economia sustentável.
Como já era de se esperar, jogou toda a culpa na imprensa, por “politizar o vírus” e “disseminar o pânico entre a população”, e nos governadores, que defenderam o isolamento social no combate à pandemia, atendendo às recomendações da OMS, esse antro de comunistas chineses citados por Donald Trump no discurso feito em seguida a Bolsonaro.
A quem o capitão e seus generais de pijama ainda pensam que enganam? Se aqui ainda mantém sob controle um terço da população fiel ao bolsonarismo, no resto do mundo o Brasil virou um pária entre as nações civilizadas, preocupadas com o aquecimento global e as mudanças climáticas.
Aonde ainda tem gente que acredita em frases como “nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior”? Alguém precisa lhe explicar que o fogo é ateado pelos desmatadores para abrir espaço aos pastos e às lavouras.
“Os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação. Mantenho minha política de tolerância zero com crime ambiental”, teve a coragem de dizer.
Quantos criminosos já foram presos pelas tropas do general Mourão e pela Polícia Federal nesta alta temporada de incêndios provocados?
O mundo não costuma ter comiseração por quem se faz de coitadinho na ONU e age como capitão do mato contra populações indefesas a serviço dos malandrões de sempre.
Capaz de afirmar sem corar que o governo assistiu mais de 200 mil famílias indígenas com produtos alimentícios e prevenção à covid -19, ele se esqueceu que o seu governo chegou a cortar recursos para o fornecimento de água potável e proibiu a entrada das equipes do Médicos sem Fronteiras nas aldeias.
Bolsonaro ainda encontrou tempo de fazer um apelo à comunidade internacional pela liberdade religiosa e o combate à “cristofobia”, em nome do seu país que, segundo ele, é “conservador e cristão”, um tema caro ao guru Olavo de Carvalho.
Quem terá sido o genial marqueteiro que redigiu esse discurso? Ou se trata de obra da sua própria lavra? Fiquei na dúvida.
Vai ficar nos anais dos momentos mais infames, cínicos e hipócritas destes 75 anos da ONU.
Não orna a respeitada tradição diplomática do Itamaraty do Barão de Rio Branco.
Vida que segue.
RICARDO KOTSCHO ” BALAIO DO KOTSCHO” ( BRASIL)