US$ 2 trilhões em operações suspeitas
Envolveram redes criminosas mundiais
Megainvestigação internacional do ICIJ
Poder360 esteve entre 400 jornalistas
Um vazamento de documentos secretos do governo dos Estados Unidos revela que o JPMorgan Chase, o HSBC e outros grandes bancos desafiaram as medidas legais contra a lavagem de dinheiro e movimentaram quantias ilícitas espantosas para redes criminosas e personagens sombrios que espalharam o caos e minaram a democracia em todo o mundo.
Os registros mostram que 5 bancos globais – JPMorgan, HSBC, Standard Chartered Bank, Deutsche Bank e Bank of New York Mellon – continuaram lucrando com clientes poderosos e perigosos mesmo depois que as autoridades norte-americanas multaram essas instituições financeiras por falhas anteriores em conter os fluxos de dinheiro sujo.
As agências norte-americanas responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro raramente processam megabancos infratores. As medidas que as autoridades tomam quase não afetam a enxurrada de dinheiro ilegal que se espalha pelo sistema financeiro internacional.
Em alguns casos, os bancos continuaram movimentando fundos ilícitos mesmo depois que autoridades americanas os advertiram que enfrentariam processos criminais se não parassem de fazer negócios com mafiosos, fraudadores ou regimes corruptos.
O JPMorgan, maior banco com sede nos Estados Unidos, movimentou dinheiro para pessoas e empresas vinculadas à pilhagem maciça de dinheiro público na Malásia, Venezuela e Ucrânia, revelam os documentos vazados.
O banco ajudou a transferir mais de US$ 1 bilhão para o financista fugitivo por trás do escândalo do fundo de investimento estatal 1MDB da Malásia, segundo os registros, e mais de US$ 2 milhões para dois jovens magnatas da energia. Uma empresa da dupla foi acusada de enganar o governo da Venezuela e ajudar a causar apagões elétricos que afetaram grandes áreas do país.
O JPMorgan também processou mais de US$ 50 milhões em pagamentos ao longo de uma década, mostram os registros, para Paul Manafort, o ex-diretor da campanha eleitoral do presidente Donald Trump.
O ex-assessor de Trump Paul Manafort foi capa em todos os jornais dos EUA ao ser preso em 2017. Na imagem acima, notícia durante seu julgamento em 2019 |reprodução Politico], o banco movimentou pelo menos US$ 6,5 milhões em transações de Manafort nos 14 meses após sua renúncia da campanha, em meio a uma onda de denúncias de lavagem de dinheiro e corrupção decorrentes de seu trabalho com 1 partido político pró-russo na Ucrânia.
As transações ilegais continuaram crescendo por meio de contas no JPMorgan, apesar das promessas do banco de aperfeiçoar seus controles contra lavagem de dinheiro como parte dos acordos feitos com as autoridades americanas em 2011, 2013 e 2014.
O JPMorgan declarou que estava legalmente proibido de responder a perguntas sobre transações ou clientes. O banco disse que assumiu 1 “papel de liderança” a favor de “investigações proativas orientadas por inteligência” e no desenvolvimento de “técnicas inovadoras para ajudar a combater o crime financeiro“.
O HSBC, o Standard Chartered Bank, o Deutsche Bank e o Bank of New York Mellon também continuaram a efetuar pagamentos suspeitos, apesar de promessas semelhantes às autoridades governamentais, revelam os documentos secretos.
A documentação à qual Poder360 teve acesso foi obtida pelo BuzzFeed nos Estados Unidos e compartilhada pelo ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists, ou Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), por meio do projeto chamado FinCen Files (Arquivos FinCen), a sigla em inglês de Financial Crimes Enforcement Network, 1 braço do Departamento do Tesouro dos EUA (o Tesouro norte-americano é equivalente ao Ministério da Economia no Brasil).
Criada em 1990, a FinCen é uma espécie de Pentágono que atua contra lavagem de dinheiro, terrorismo e outros tipos de crimes financeiros. No Brasil, o organismo equivalente seria o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), só que a FinCen tem muito mais poder.
O ICIJ é uma instituição jornalística sem fins lucrativos baseada em Washington D.C. que revelou grandes escândalos internacionais como o Panama Papers e o SwissLeaks. O projeto FinCen Files envolve mais de 400 jornalistas de 88 países e 110 meios de comunicação. Analisou operações como valor total pouco acima de UDS$ 2 trilhões. No Brasil, a investigação ficou sob responsabilidade de 3 veículos de comunicação: este jornal digital Poder360, a revista Piauí e a revista Época (do grupo Globo).
O Poder360 é parceiro do ICIJ por meio do jornalista Fernando Rodrigues, que é integrante do consórcio há 20 anos.
Os documentos identificam pelo menos US$ 2 trilhões em transações entre 1999 e 2017 que foram sinalizadas por executivos de “compliance” de instituições financeiras como possível lavagem de dinheiro ou outra atividade criminosa – incluindo US$ 514 bilhões no JPMorgan e US$ 1,3 trilhão no Deutsche Bank, como constatou uma análise do ICJI. Os relatórios de atividades suspeitas refletem as preocupações dos fiscais dos bancos e não são necessariamente evidências de qualquer conduta criminosa ou irregular.
Os US$ 2 trilhões equivalem ao PIB (Produto Interno Bruto) da Itália, a oitava economia do mundo. O montante é superior à à soma de todas as riquezas produzidas pelo Brasil no ano passado, de US$ 1,8 trilhões. Com essa montanha de dinheiro, daria para comprar a Apple e ainda sobraria troco para levar o Netflix.
Embora seja uma quantia enorme, os US$ 2 trilhões em transações suspeitas identificadas nesse conjunto de documentos são apenas uma gota em um ocenano de dinheiro sujo que jorra por bancos do mundo todo. Os Arquivos FinCen representam menos de 0,02% dos mais de 12 milhões de relatórios de atividades suspeitas que as instituições financeiras protocolaram entre 2011 e 2017.
A agência FinCen e o Departamento de Tesouro dos EUA não responderam a uma série de questões enviadas pelo ICIJ e veículos parceiros há 1 mês. A agência disse ao BuzzFeed News que não comentará sobre a “existência ou inexistência” de relatórios específicos de atividades suspeitas. Dias antes da publicação deste texto, o FinCen anunciou que estava coletando sugestões para melhorar o sistema anti-lavagem de dinheiro dos Estados Unidos.
Esses relatórios, juntamente com centenas de planilhas incluindo nomes, datas e números, detalham transações potencialmente ilícitas que fluem por bancos em mais de 170 países. Junto com a análise dos Arquivos Fincen, o ICIJ e seus parceiros de mídia obtiveram mais de 17,6 mil outros registros de fontes internas e denunciantes, arquivos judiciais, solicitações pela lei de liberdade de informação e outras fontes. A equipe entrevistou centenas de pessoas, incluindo especialistas em crimes financeiros, policiais e vítimas de crimes.
De acordo com o BuzzFeed News, alguns registros vazados foram obtidos como parte das investigações do Congresso dos EUA sobre a interferência russa nas eleições presidenciais de 2016 nos EUA. Outros foram coletados após pedidos de órgãos judiciais ao Fincen.
Os Arquivos Fincen oferecem uma visão sem precedentes de 1 mundo secreto de bancos internacionais, clientes anônimos e, em muitos casos, crimes financeiros.
Eles mostram bancos movimentando dinheiro cegamente em suas contas para pessoas que eles não podem identificar, deixando de relatar transações com todas as características de lavagem de dinheiro até anos depois do fato. Eles também fazem negócios com clientes envolvidos em fraudes financeiras e escândalos de corrupção públicos.
As autoridades dos EUA, que desempenham 1 papel de liderança na batalha global contra a lavagem de dinheiro, ordenaram que grandes bancos reformulassem suas práticas, multaram as instituições em centenas de milhões e até bilhões de dólares e fizeram ameaças de acusações criminais contra eles como parte dos chamados acordos de ação penal diferida.
Uma investigação de do ICIJ e seus parceiros jornalísticos mostra que essas táticas não funcionaram. Os grandes bancos continuam desempenhando 1 papel central na movimentação de dinheiro ligado a corrupção, fraude, crime organizado e terrorismo.
“Ao falhar totalmente em barrar transações corruptas em grande escala, as instituições financeiras abandonaram seu papel de linha de frente contra a lavagem de dinheiro“, disse ao ICIJ Paul Pelletier, ex-oficial sênior do Departamento de Justiça dos EUA e promotor de crimes financeiros.
Ele disse que os bancos sabem que “operam em 1 sistema que é amplamente ineficaz“.
A sede da agência FinCen, no Estado da Virginia, nos EUAScilla Alecci/ICIJ
Cinco dos bancos que aparecem com maior frequência nos Arquivos Fincen –Deutsche Bank, Bank of New York Mellon, Standard Chartered, JPMorgan e HSBC –violaram repetidamente suas promessas oficiais de bom comportamento, como mostram os registros secretos.
Em 2012, o HSBC, com sede em Londres, o maior banco da Europa, assinou 1 acordo de ação penal e admitiu ter lavado pelo menos US$ 881 milhões para cartéis de drogas latino-americanos. Os narcotraficantes usavam caixas com formato especial que cabiam nas aberturas dos caixas automáticos do HSBC e despejavam enormes quantias de dinheiro das drogas que movimentavam pelo sistema financeiro.
Pelo acordo com a promotoria, o HSBC pagou US$ 1,9 bilhão, e o governo concordou em suspender as acusações criminais contra o banco e arquivá-las após 5 anos se o HSBC cumprisse a promessa de combater agressivamente o fluxo de dinheiro sujo.
Durante o período probatório de 5 anos, conforme mostram os Arquivos FinCen, o HSBC continuou a movimentar dinheiro para personagens questionáveis, incluindo suspeitos de lavagem de dinheiro russos e 1 esquema de pirâmide investigado em vários países.
Ainda assim, o governo permitiu que o HSBC anunciasse em dezembro de 2017 que havia “cumprido todos os seus compromissos” sob o acordo de acusação diferida –e que os promotores estavam rejeitando as acusações criminais em definitivo.
Em uma declaração ao ICIJ, o HSBC se recusou a responder a perguntas sobre clientes ou transações específicas. O HSBC disse que as informações do ICIJ são “históricas e anteriores” ao fim de seu acordo de 5 anos no processo. Durante esse tempo, segundo o banco, a companhia “embarcou em uma jornada de vários anos para revisar sua capacidade de combate ao crime financeiro. O HSBC é uma instituição muito mais segura do que era em 2012“.
O HSBC observou que, ao decidir liberar o banco da ameaça de acusações criminais, o governo americano teve acesso a relatórios de 1 monitor que revisou as reformas e práticas do banco.
O Departamento de Justiça se recusou a responder a perguntas específicas. Em nota, 1 porta-voz da divisão criminal do departamento disse: “O Departamento de Justiça defende seu trabalho e continua comprometido a investigar e processar crimes financeiros de forma agressiva– incluindo lavagem de dinheiro– onde quer que os encontremos”
PARTE 2
“TODO MUNDO ESTÁ AGINDO ERRADO”: 1 PODEROSO FLUXO DE DINHEIRO SUJO INUNDA OS BUROCRATAS
A lavagem de dinheiro não é 1 crime sem vítimas.
O livre fluxo de dinheiro sujo ajuda a sustentar bandos criminosos e desestabilizar nações. E é 1 promotor da desigualdade econômica global. Os fundos lavados são frequentemente desviados entre contas de obscuras empresas de fachada registradas em paraísos fiscais, permitindo que as elites ocultem somas vultosas das autoridades legais e fiscais.
Uma análise do ICIJ descobriu que os bancos citados FinCen Files processavam regularmente transações para empresas registradas nas chamadas jurisdições sigilosas, e o faziam sem conhecer o verdadeiro proprietário da conta.
Os titulares de contas corporativas geralmente fornecem endereços no Reino Unido, Estados Unidos, Chipre, Hong Kong, Emirados Árabes Unidos, Rússia e Suíça. Pelo menos 20% dos relatórios continham 1 cliente com endereço nas Ilhas Virgens Britânicas, 1 paraíso fiscal no Caribe.
A análise do ICIJ constatou que metade dos relatórios sigilosos dos bancos não tinha informações sobre as entidades por trás das transações e sinalizaram entidades não identificadas, bem como a presença de empresas de fachada. Em mais de 680 relatórios, as instituições financeiras pediram mais informações sobre as entidades, e em mais de 160 ocasiões outros bancos não responderam. Alguns bancos ou filiais em países como a Suíça citaram leis de sigilo locais em suas jurisdições para negar as informações.
Estimativas do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime indicam que US$ 2,4 trilhões em fundos ilícitos são lavados a cada ano –o equivalente a quase 2,7% de todos os bens e serviços produzidos anualmente no mundo. Mas a agência estima que as autoridades detectam menos de 1% do dinheiro sujo no mundo.
“Todo mundo está agindo errado“, reconheceu David Lewis, secretário-executivo da Força-Tarefa de Ação Financeira –uma parceria de governos de todo o mundo, com sede em Paris, que define critérios contra a lavagem de dinheiro–, em entrevista ao ICIJ.
Os relatórios de avaliação de países da organização –que investiga como os bancos e agências governamentais cumprem as leis e regulamentos de combate à lavagem de dinheiro – mostram muitas checagens, mas pouco progresso prático. Muitos países parecem mais preocupados em ter boa aparência no papel do que realmente reprimir a lavagem de dinheiro, disse Lewis.
Até mesmo uma associação dos maiores bancos do mundo reclamou no ano passado que os reguladores se concentram no “compliance técnico”, em vez de checarem se os sistemas “estão realmente fazendo a diferença na luta contra o crime financeiro“.
BOMBARDEIO EM JERUSALÉM
Para algumas instituições financeiras, o cliente problemático é outro banco.
Em uma manhã de 2003, Steven Averbach estava no ônibus número 6 em Jerusalém, quando 1 homem correu e embarcou no ônibus que partia.
“Havia muitas coisas estranhas” no homem, lembrou Averbach, que cresceu em Nova Jersey (EUA), mas migrou para Israel adolescente. O homem vestia calças pretas compridas, camisa branca e paletó preto, o traje típico de 1 judeu ortodoxo, mas usava “sapatos de bico fino” que não combinavam com a indumentária da seita ortodoxa, e seu paletó estava saliente. Em sua mão direita havia 1 dispositivo que parecia uma campainha de porta.
Averbach, que já tinha servido como instrutor-chefe de armas da polícia de Jerusalém, sacou sua arma. Mas quando o ex-policial se virou para encarar o homem “ele se detonou“, afirmou Averbach em 1 depoimento em vídeo mais tarde.
A explosão matou 7 pessoas e feriu outras 20, deixando Averbach paralisado do pescoço para baixo. Ele morreu em 2010 devido às sequelas dos ferimentos.
A notícia da morte de Averbach no Jerusalem Post, 7 anos depois da explosãoreprodução
Nessa época, ele e sua família haviam aberto 1 processo nos Estados Unidos, em que acusam uma instituição financeira jordaniana, o Arab Bank, de movimentar fundos que ajudaram a financiar o atentado ao ônibus e outros ataques terroristas.
Os FinCen Files mostram que, à medida que o litígio lançava uma sombra sobre o Arab Bank, a instituição financeira se beneficiava de uma relação funcional com 1 banco muito maior e mais influente: o Standard Chartered.
O banco, com sede no Reino Unido, ajudou os clientes do Arab Bank a acessar o sistema financeiro dos EUA depois que os reguladores encontraram deficiências nos controles de lavagem de dinheiro do Arab Bank em 2005 e o forçaram a limitar suas transferências de dinheiro nos EUA.
O Standard Chartered continuou seu relacionamento com o Arab Bank à medida que o processo contra o banco jordaniano corria nos tribunais dos EUA – e mesmo depois que as autoridades americanas notificaram o Standard Chartered de que deveria interromper o processamento de transações para clientes suspeitos.
Agências de fiscalização de Nova York concluíram em 2012 que o Standard Chartered havia “tramado com o governo do Irã” por mais de uma década para realizar US$ 250 bilhões em transações secretas, arrecadando “centenas de milhões de dólares em taxas” e deixando “o sistema financeiro dos EUA vulnerável a terroristas e traficantes de armas, chefões do tráfico e regimes corruptos“. Esse padrão de conduta custou ao Standard Chartered US$ 670 milhões em multas no 2º semestre de 2002, como parte do pagamento de 1 acordo de acusação diferida.
Apesar de suas promessas oficiais de evitar clientes suspeitos, o Standard Chartered processou 2.055 transações, totalizando mais de US$ 24 milhões, para clientes do Arab Bank entre setembro de 2013 e setembro de 2014, mostram os FinCen Files.
No final de setembro de 2014, o Standard Chartered teve mais 1 motivo para se afastar do Arab Bank. Na ação judicial decorrente do atentado a bomba no ônibus em Jerusalém em 2003 e de outros ataques, 1 júri do Brooklyn (Nova York) considerou o Arab Bank responsável por apoiar conscientemente o terrorismo ao transferir dinheiro disfarçado de doações de caridade em benefício do Hamas, o grupo militante palestino que os EUA classificam como organização terrorista.
Mais de 1 ano depois, os funcionários de compliance do Standard Chartered enviaram à FinCen 1 relatório de atividade suspeita reconhecendo as negociações do banco com o Arab Bank até alguns dias após o veredicto no Brooklyn e expressando preocupações sobre “possível financiamento do terrorismo“.
Mas não acabou por aí.
O Standard Chartered transferiu quase US$ 12 milhões a mais em transações para clientes do Arab Bank desde logo após o veredicto até fevereiro de 2016, de acordo com 1 relatório de acompanhamento de atividades suspeitas incluído nos Fincen Files. Muitas transferências se referiam a “instituições de caridade”, “doações”, “apoio” ou “presentes”, segundo o banco.
O relatório de acompanhamento observou que os registros de pagamento levantaram preocupações – como no julgamento do Brooklyn –de que “atividades ilícitas” estavam sendo financiadas “sob o pretexto de caridade”.
No relatório de atividade suspeita do FinCen, é citado “possível financiamento de terrorismo”
O veredicto civil contra o Arab Bank foi anulado quando 1 tribunal de apelações encontrou falhas nas instruções do juiz ao júri. O Arab Bank então fez 1 acordo com quase 600 vítimas e parentes de vítimas por 1 valor não revelado.
Em 1 comunicado enviado ao ICIJ, o Arab Bank diz que “abomina terrorismo e que não dá suporte ou encoraja atividades terroristas“. O banco diz que as acusações contra a instituição datam de mais de 20 anos atrás, um tempo quando leis anti-lavagem de dinheiro e ferramentas de fiscalização eram diferentes das encontradas hoje.
“Em todos os países onde opera, o Arab Bank está em boas relações com as agências de regulação governamentais e segue leis anti-terrorismo e contra a lavagem de dinheiro“, complementa o banco. As sanções formais ao banco nos Estados Unidos foram formalmente suspensas em 2018.
O Standard Chartered disse à BBC, veículo parceiro do ICIJ, que “iniciou o fechamento das contas” com conexões com o Arab Bank logo depois do veredito. “Esse processo pode levar algum tempo em alguns casos, mas em todas as ocasiões o banco continua a cumprir as suas obrigações legais“, diz sua nota.
O Arab Bank afirmou que “desfruta de um longo relacionamento com o Standard Chartered” que “continua até hoje“.
O Standard Chartered não processa mais transações em dólar para o Arab Bank, mas ainda provê serviços bancários para a instituição financeira jordaniana, afirmou o Arab Bank ao ICIJ.
RECOMPENSAS E RISCOS
Por que os bancos movimentam dinheiro suspeito? Porque é lucrativo.
Os bancos podem fechar balanços positivos com as taxas que coletam sobre o dinheiro que circula nas redes de contas muitas vezes mantidas por usuários corruptos do sistema financeiro. O JPMorgan, por exemplo, obteve receita estimada em US$ 500 milhões servindo como banqueiro de Bernie Madoff, de acordo com os registros do caso de falência gerado pelo colapso de sua pirâmide multibilionária.
Lidar com clientes duvidosos traz riscos.
O JPMorgan pagou US$ 88,3 milhões em 2011 para resolver as denúncias dos reguladores de que havia violado as sanções econômicas contra o Irã e outros países sob embargo dos EUA. Funcionários do Tesouro atacaram o banco com uma ordem de “cessar e desistir” [dessa atividade] em 2013, que descreveu “deficiências sistêmicas” em seus esforços de combate à lavagem de dinheiro, observando que o banco “não conseguiu identificar volumes significativos de atividades suspeitas“.
Então, em janeiro de 2014, o banco pagou US$ 2,6 bilhões a agências americanas para encerrar as investigações sobre seu papel no esquema fraudulento de Madoff. O JPMorgan registrou lucros de mais que o dobro desse valor apenas naquele trimestre –no ano, os ganhos chegaram a quase US$ 22 bilhões. Madoff se declarou culpado e está cumprindo pena de 150 anos em uma prisão federal.
O JPMorgan continuou, após essas penas, a movimentar dinheiro para pessoas supostamente envolvidas em crimes financeiros, como mostram os FinCen Files.
Entre elas: Jho Low, financista acusado por autoridades de vários países de ser o mentor do desvio de US$ 4,5 bilhões de 1 fundo de desenvolvimento econômico da Malásia, chamado 1Malaysia Development Berhad, ou 1MDB. Ele movimentou pouco mais de US$ 1,2 bilhão por meio do JPMorgan de 2013 a 2016, segundo os registros.
Low ganhou notoriedade por se divertir com Paris Hilton, Leonardo DiCaprio e outras celebridades. Certa noite, em 1 clube na Riviera francesa, ele entrou em uma guerra de lances por 1 lote de champanhe Cristal– vencendo o concurso com uma oferta final de 2 milhões de euros, de acordo com o livro Billion Dollar Whale, best-seller sobre a fraude do 1MDB.
Reportagem do New Yotk Times mostra o empresário Jho Low numa festa em 2010 em Saint Tropez, na França, com a socialite Paris Hiltonreprodução Nytimes
Low ficou conhecido após reportagens na mídia no início de 2015 como uma figura-chave no escândalo do 1MDB, o chamado “roubo do século“. Cingapura emitiu 1 mandado de prisão contra ele em abril de 2016. As autoridades dos EUA, Malásia e Cingapura ainda tentam capturá-lo.
O JPMorgan também transferiu dinheiro para empresas e pessoas ligadas a escândalos de corrupção na Venezuela que ajudaram a criar uma das piores crises humanitárias do mundo. Um em cada três venezuelanos não está recebendo o suficiente para comer, informou a ONU neste ano, e milhões fugiram do país.
Um dos venezuelanos que receberam ajuda do JPMorgan foi Alejandro “Piojo” Isturiz, 1 ex-funcionário do governo que foi acusado pelas autoridades norte-americanas de participar de 1 esquema internacional de lavagem de dinheiro. Os promotores alegam que entre 2011 e 2013 Isturiz e outros solicitaram propinas para fraudar contratos de energia com o governo. O banco movimentou mais de US$ 63 milhões para empresas ligadas a Isturiz e ao esquema de lavagem de dinheiro entre 2012 e 2016, revelam os FinCen Files.
Isturiz não foi encontrado para comentar sobre as acusações.
Os registros secretos também mostram que o JPMorgan forneceu serviços bancários à Derwick Associates, empresa de energia que ganhou bilhões de dólares em contratos sem licitação para consertar a deficiente rede elétrica da Venezuela.
Uma análise de 2018 feita pela seção venezuelana do grupo sem fins lucrativos Transparência Internacional concluiu que a empresa falhou em fornecer a capacidade de energia esperada –e cobrou 1 valor excessivo do governo venezuelano em pelo menos US$ 2,9 bilhões.
Dois primos, Alejandro Betancourt e Pedro Trebbau, tinham cerca de 20 anos quando criaram a Derwick.
Artigos de imprensa e postagens na internet em 2011 levantaram acusações sobre os primos e a Derwick. Posteriormente, a empresa entrou com 1 processo em que alegou ser vítima de uma campanha de difamação que a acusava falsamente de fazer parte de 1 “grupo criminoso”. O processo foi encerrado em condições não divulgadas.
Os FinCen Files mostram que a Derwick usou contas no JPMorgan para movimentar pelo menos US$ 2,1 milhões em 2011 e 2012 e que o banco processou outras transações de valores não divulgados para a Derwick e seus diretores pelo menos até 2013.
As suspeitas contra os venezuelanos nos arquivos FinCen FIles
Um advogado de Betancourt disse: “Meu cliente nega qualquer irregularidade“.
Em uma declaração geral, o JPMorgan observou que havia reconhecido em 2014 que precisava melhorar seus controles de combate à lavagem de dinheiro e que, desde então, investiu “recursos consideráveis” nesse esforço.
“Hoje, milhares de funcionários e centenas de milhões de dólares são dedicados a apoiar a aplicação da lei e os esforços de segurança nacional“, disse o banco.
“CHEFE DOS CHEFES”
Com frequência, como mostram os arquivos secretos, os bancos que lidam com transações internacionais não sabem exatamente com quem estão lidando – mesmo quando transferem centenas de milhões de dólares.
Veja o caso de uma misteriosa empresa de fachada chamada ABSI Securities. A ABSI enviou e recebeu mais de US$ 1 bilhão em transações por meio do JPMorgan entre janeiro de 2010 e julho de 2015, mostram os FinCen Files.
Esse valor inclui transações por meio de uma conta bancária direta no JPMorgan, que a ABSI fechou em 2013, e pelas chamadas contas correspondentes, em que o JPMorgan permite que bancos estrangeiros processem transações em dólares americanos por meio de suas próprias contas.
Vigilantes de “compliance” baseados no centro de operações do banco em Columbus, Ohio, decidiram tentar descobrir o verdadeiro dono da ABSI em 2015, depois que 1 site de notícias investigativas russo relatou que a empresa estava ligada a uma figura do submundo chamada Semion Mogilevich, que foi descrito como o “Chefe dos Chefes” de grupos mafiosos russos.
Quando o FBI colocou Mogilevich em sua lista dos Dez Mais Procurados em 2009, disse que sua rede criminosa estava envolvida em tráfico de armas e de drogas, extorsão e assassinatos por encomenda. O método característico do corpulento ucraniano para neutralizar 1 inimigo, como certa vez relatou The Guardian, é o carro-bomba.
Os registros mostram que os responsáveis pela “compliance” pesquisaram em vão em seus arquivos sobre a empresa de fachada, sem conseguir determinar quem estava por trás da firma ou qual era seu verdadeiro propósito.
Embora esses detalhes ainda permaneçam obscuros, o JPMorgan tinha muitos motivos para examinar a ABSI anos antes: ela operava como uma empresa de fachada em Chipre, país considerado 1 importante centro de lavagem de dinheiro na época, e estava enviando centenas de milhões de dólares pelo JPMorgan.
Mogilevich – que é destaque em “Os Mais Procurados do Mundo“, série de documentários da Netflix lançada em agosto. Ele disse, por meio de um porta-voz, não ter conhecimento da ABSI.
Semion Mogilevich, descrito como o “chefe dos chefes” por mafiosos russosreprodução Netflix
O DÓLAR PODEROSO
O BuzzFeed usou os relatórios vazados de atividades suspeitas em 2018 para publicar reportagens revelando pagamentos secretos a empresas de fachada controladas por Manafort, que hoje cumpre sentença federal de prisão domiciliar em 1 caso baseado principalmente nessas transações.
Uma ex-funcionária do Departamento do Tesouro dos EUA, Natalie Mayflower Sours Edwards, foi acusada de conspirar para divulgar ilegalmente documentos do Fincen ao BuzzFeed.
O BuzzFeed não comentou sobre sua fonte.
O FinCen e outras agências dos EUA desempenham 1 papel desproporcional nos esforços de combate à lavagem de dinheiro em todo o mundo, principalmente porque os lavadores de dinheiro e outros criminosos têm o mesmo objetivo de muitos clientes de bancos que operam além das fronteiras: transformar seu dinheiro em dólares americanos, a moeda global de fato.
Um pequeno grupo de bancos, principalmente americanos e europeus, com grandes operações em Nova York, embolsa taxas com esse esquema, aproveitando seu acesso privilegiado ao Federal Reserve dos EUA.
A lei americana atribui aos bancos a responsabilidade de evitar a lavagem de dinheiro, embora seus incentivos financeiros sejam totalmente voltados a manter o dinheiro – sujo ou limpo – em movimento. Embora os bancos tenham o poder de interromper uma transação se ela parecer duvidosa, não são necessariamente obrigados a fazê- lo. Eles simplesmente precisam apresentar 1 relatório de atividades suspeitas à FinCen.
A Fincen, que tem cerca de 300 funcionários, coleta e analisa mais de 2 milhões de novos relatórios de atividades suspeitas a cada ano de bancos e outras empresas financeiras. Ele compartilha informações com órgãos judiciais dos EUA e com unidades de inteligência financeira de outros países.
DINHEIRO DESAPARECIDO
Dentro dos grandes bancos, os sistemas para farejar fluxos de caixa ilícitos dependem de funcionários sobrecarregados e com poucos recursos, que normalmente trabalham em escritórios distantes da sede e têm pouca influência dentro de suas organizações. Documentos dos FinCen Files mostram que trabalhadores de “compliance” em grandes bancos costumam recorrer a pesquisas básicas no Google para tentar descobrir quem está por trás de transferências que envolvem centenas de milhões de dólares.
Em consequência, os documentos secretos mostram que os bancos frequentemente apresentam relatórios de atividades suspeitas somente depois que uma transação ou cliente se torna o tema de uma reportagem negativa ou de 1 inquérito do governo –geralmente depois que o dinheiro desapareceu há muito tempo.
Em entrevistas ao ICIJ e ao BuzzFeed, mais de uma dezena de ex-funcionários de “compliance” do HSBC questionaram a eficácia dos programas de combate à lavagem de dinheiro do banco. Alguns disseram que a instituição não lhes deu nada para fazer além de exames superficiais de grandes fluxos de caixa –e que, quando eles solicitaram informações sobre quem estava por trás das transações volumosas, as agências do HSBC fora dos EUA muitas vezes os ignoraram.
“Eles diziam: ‘Claro, entraremos em contato com você’. Mas nunca retornavam“, lembra Alexis Grullon, que monitorou atividades suspeitas internacionais para o HSBC em Nova York de 2012 a 2014.
No Standard Chartered Bank, uma ação movida em dezembro de 2019 em 1 tribunal federal de Nova York afirma que os funcionários que se opuseram a transações ilegais não foram ignorados –eles foram ameaçados, assediados e demitidos.
Julian Knight e Anshuman Chandra, que abriram a ação, afirmam que foram forçados a deixar cargos de direção depois que o banco soube que eles cooperaram com uma investigação do FBI sobre transferências de dinheiro que o Standard Chartered havia feito para entidades do Irã, Líbia, Sudão e Mianmar, sancionadas pelos EUA.
O Standard Chartered, afirma o processo, envolveu-se em 1 “esquema altamente sofisticado de lavagem de dinheiro“, alterando os nomes das partes sujeitas a sanções dos EUA em documentos de transação e criando uma solução tecnológica alternativa que permitiu que transações ilegais passassem pelo Federal Reserve Bank dos EUA sem ser detectadas.
Chandra, que trabalhou na filial do banco em Dubai de 2011 a 2016, concluiu que a eliminação das sanções ajudou a financiar ataques terroristas “que mataram e feriram soldados que serviam na coalizão liderada pelos EUA, bem como muitos civis inocentes“.
O processo afirma que o esquema permitiu ao banco lucrar com o “alto prêmio” que o Irã e seus agentes estavam dispostos a pagar para converter em dólares os riais iranianos –a moeda do país deprimida pelas sanções.
“Você pode executar 1 programa como este provavelmente por alguns meses sem ser pego, se for 1 pequeno grupo que o administra dentro do banco“, disse Chandra em entrevista ao BuzzFeed, parceiro do ICIJ. “Mas algo como isso acontecendo num período de anos e chegando a bilhões de dólares, alguém no topo deveria ter feito a pergunta: como estamos ganhando esse dinheiro?”
Chandra e Knight afirmam que o banco reconheceu apenas uma fração de suas violações e mentiu sobre quando as transações ilegais foram suspensas. Isso ocorreu, disseram, quando o banco admitiu sanções como parte de seu acordo de processo diferido em 2012 com as autoridades dos EUA.
A agência prorrogou o período probatório do banco diversas vezes por vários anos. Então, em 2019, o banco pagou US$ 1,1 bilhão a mais por violações contínuas de sanções contra o Irã e outros países e concordou em estender seu acordo de acusação diferida por mais dois anos.
O Standard Chartered não respondeu às perguntas do ICIJ e de seus parceiros sobre as denúncias dos ex-funcionários. Em documentos judiciais, o Standard Chartered disse que as afirmações deles são implausíveis e sem mérito.
PARTE 3
“ESTOU MORRENDO”: UCRÂNIA, JPMORGAN E OS CLEPTOCRATAS
Olesia Zhukovska, 21 anos, levou 1 tiro na luta contra a corrupção na Ucrânia.
Ela trabalhava como enfermeira no oeste do país no final de 2013, quando eclodiram os protestos no centro de Kiev, a capital. Durante o regime do presidente Viktor Yanukovych, bilhões de dólares estavam sendo contrabandeados para fora da Ucrânia, canalizados por contas em alguns dos maiores bancos do mundo.
Manifestantes protestaram contra a inclinação de seus líderes pela Rússia e a corrupção de alto nível que estava destruindo a economia do país, suas escolas, seu sistema de saúde. Ucranianos estavam morrendo, diziam advogados de pacientes em hospitais, porque o dinheiro que se destinava a remédios e equipamentos para salvar vidas estava sendo roubado por pessoas do próprio governo.
Zhukovska diz que não tinha como pagar a propina de US$ 3.000 que seria necessária para conseguir 1 emprego em 1 hospital urbano. Então ela trabalhava em 1 centro de saúde rural sem aquecimento ou remédios. “Nada”, diz ela. O prédio “parecia uma antiga ruína”.
Em dezembro de 2013, ela aderiu às crescentes manifestações contra o governo em Kiev, oferecendo-se para tratar manifestantes espancados com cassetetes pelas forças oficiais.
Estava separando ataduras em 20 de fevereiro de 2014, quando a bala de 1 atirador furou seu pescoço, a menos de 1 centímetro da artéria carótida, diz.
Enquanto uma ambulância a levava para o hospital, tuitou: “Estou morrendo“.
O tuíte de Zhukovska na ambulância a caminho do hospital: “Estou morrendo”
Foi o dia do que ficou conhecido como “Massacre dos Snipers“. Quando o dia terminou, Zhukovska tinha sobrevivido, mas dezenas de outras pessoas foram mortas pelos atiradores da polícia que atacaram os manifestantes do alto de edifícios.
A história de luta e dor de Zhukovska, na Ucrânia, é semelhante às de pessoas comuns em todo o mundo que sofrem enquanto políticos corruptos e seus comparsas enriquecem com a ajuda de bancos renomados com pegadas globais.
Enquanto a jovem enfermeira ainda estava se curando em 1 hospital no início de 2014, Yanukovych fugiu do país. O mesmo fez seu conselheiro mais próximo, o chefe de gabinete Andriy Klyuyev, que surgira como uma face desprezada da repressão.
Ambos acabaram exilados na Rússia, são procurados pelas autoridades ucranianas e sofrem sanções dos Estados Unidos, que os acusam de desviar fundos públicos e subverter a democracia ucraniana.
Uma investigação posterior descobriu que 1 grupo de energia solar administrado pela família de Klyuyev, a Activ Solar, se safou com centenas de milhões de dólares que seriam supostamente empréstimos de bancos públicos. Seus ativos foram canalizados para uma rede de empresas offshore controlada por membros da família Klyuyev, de acordo com uma investigação internacional sobre o regime de Yanukovych.
O ex-presidente da Ucrânia Viktor Yanukovychwikimedia commons – Michael Wuertenberg
O caso da Activ Solar fez parte de uma orgia de corrupção sob Yanukovych que incluiu a compra pelo irmão de Klyuyev, Serhiy, do palácio presidencial da Ucrânia, onde Yanukovych vivia, por 1 preço baixíssimo. O palácio Mezhyhirya, com 1 zoológico completo e uma réplica de galeão espanhol para cruzeiros no rio Dnieper, tornou-se 1 símbolo da decadência do regime.
Como sempre, os lucros corrompidos precisam de 1 lugar para se esconder. No trajeto, a maioria passa pela região sul de Manhattan.`
LINGERIE E BOTAS
Em janeiro de 2010, ao mesmo tempo em que Yanukovych vencia o 1º turno das eleições presidenciais na Ucrânia, alguém incorporou uma nova empresa no registro corporativo do Reino Unido, a Companies House, órgão do governo há muito criticado por conceder legitimidade a empresas com proprietários secretos.
A nova empresa, NoviRex Sales LLP, afirmava estar no ramo de “eletrodomésticos“, mas sua documentação sugeria que algo mais estava acontecendo.
Seu endereço oficial era uma pequena loja em Cardiff, no País de Gales. Agora ocupado por 1 salão de beleza, o mesmo endereço foi utilizado por centenas de outras empresas cadastradas na Companies House.
Os proprietários listados da NoviRex eram duas outras empresas, ambas constituídas nas Ilhas Virgens Britânicas e também sem proprietários visíveis. As mesmas duas empresas das IVB foram listadas como “proprietárias” de milhares de outras empresas na Companies House –muitas delas registradas na mesma loja em Cardiff.
Documentos mostram que as duas empresas proprietárias da NoviRex também possuíam empresas vinculadas em reportagens a suspeitas de fraude em licitações e outros atos de corrupção, muitos deles centrados na Ucrânia.
Os FinCen Files mostram que a NoviRex logo começou a disparar pagamentos de tamanho e frequência surpreendentes. Para uma empresa de eletrodomésticos, alguns dos motivos dados pela NoviRex para os pagamentos eram estranhos: US$ 200 mil por “lingerie” de uma empresa das Ilhas Virgens Britânicas; US$ 34 mil por “adesivos de teclado” de uma empresa de Hong Kong; quase US$ 400 mil em “botas de cano alto” de outra firma de Hong Kong.
Ainda assim, apesar de a NoviRex movimentar milhões de dólares pelo sistema bancário global, seus demonstrativos financeiros – disponíveis online na Companies House – indicavam que ela estava basicamente moribunda, gastando menos de US$ 2.500 por ano.
A NoviRex enviou todos os seus pagamentos de bancos em centros notórios de lavagem de dinheiro, incluindo o banco ABLV da Letônia.
Mas para movimentar dólares internacionalmente a NoviRex precisava de mais que duvidosos bancos letões. Precisava de uma instituição global com acesso a contas na filial de Nova York do Sistema da Reserva Federal (banco central) dos EUA.
A NoviRex precisava do JPMorgan Chase.
O INTERMEDIÁRIO
Com raízes que remontam a Aaron Burr e Alexander Hamilton, figuras da era revolucionária americana, o gigante bancário global forneceu ao ABLV uma conta em dólares americanos em Nova York, permitindo ao banco letão, por sua vez, oferecer contas em dólares a seus próprios clientes, incluindo a NoviRex.
No início dos anos 2000, enquanto os bancos enfrentavam novas obrigações nos termos da Patriotic Act dos EUA, de 2001, para verificar cuidadosamente seus parceiros bancários estrangeiros, o JPMorgan reforçou os negócios fornecendo contas em dólares americanos para bancos estrangeiros.
Em 2003, tornou-se o líder global em “contas correspondentes”, processando mais de US$ 2 trilhões por dia para clientes de 3.500 bancos estrangeiros em 46 países, inclusive na Europa Oriental, onde o Estado de Direito era fraco e a corrupção, galopante.
Em 2004, a FinCen emitiu 1 alerta aos bancos globais sobre os bancos do Leste Europeu e seus clientes, empresas de fachada, relatando que US$ 4 bilhões em transações suspeitas haviam sido relatados desde 1996.
O alerta emitido em 2014 pela agência FinCen sobre uso de bancos europeus para lavagem de dinheiro
Em 2005, ano em que Jamie Dimon foi nomeado presidente-executivo do JPMorgan, a FinCen alertou que os bancos letões e sua “considerável” base de clientes não letões “continuam representando riscos significativos de lavagem de dinheiro”.
A FinCen disse: “Muitas das instituições da Letônia não parecem servir à comunidade letã, mas em vez disso atendem a empresas de fachada privadas estrangeiras suspeitas“. O FinCen afirmou que os 23 bancos da Letônia mantinham cerca de US$ 5 bilhões em depósitos de “não residentes”, principalmente da Rússia e de outras partes da antiga União Soviética.
Esse era o mercado do JPMorgan.
Ao permitir uma transferência, 1 banco correspondente (em 1 caso simples) deduz o valor da conta do banco remetente e credita a conta do banco recebedor, cobrando uma taxa.
Ao conceder a bancos estrangeiros acesso a dólares americanos, o JPMorgan estava abrindo as portas do sistema para seus clientes, incluindo empresas de fachada anônimas, como a NoviRex.
Em troca desse poder de controle e das taxas que ele rende, a lei dos EUA exige que o JPMorgan e outros bancos monitorem cada transação compensada segundo instruções de bancos estrangeiros –e escolham os bancos estrangeiros com os quais fazem negócios.
Uma investigação posterior descobriria que 90% dos clientes do ABLV eram considerados de “alto risco” pelo próprio ABLV, principalmente porque eram empresas de fachada registradas em jurisdições sigilosas.
Algumas dessas estavam movimentando bilhões de dólares, que, quando rastreados, levam até a casos de corrupção na Ucrânia. Os reguladores dos EUA concluíram que o ABLV institucionalizou a lavagem de dinheiro como “um pilar das práticas de negócios do banco”, propagou agressivamente esquemas de lavagem de dinheiro para clientes e produziu documentação fraudulenta de “alta qualidade” para apoiar esses esquemas –ao mesmo tempo subornando funcionários letões para proteger o banco de ameaças ao seu modelo de negócios.
Dois especialistas em crimes financeiros que analisaram as transações da NoviRex a pedido do ICIJ disseram que os sinais de lavagem de dinheiro eram claros. A NoviRex se comportou como nenhuma empresa legítima jamais faria.
“Se eu estivesse no JPMorgan e visse isso, pensaria: ‘Isso é horrível‘”, disse 1 dos especialistas, o ex-detetive da polícia do Reino Unido Martin Woods. “Que empresa normal compra computadores, lingerie e baldes?”
No início de 2014, enquanto os cidadãos enchiam as ruas para protestar contra Yanukovych, Klyuyev e outros líderes do governo, a NoviRex movimentou mais de US$ 188 milhões em transações via JP Morgan.
SAINDO DE CENA
O JPMorgan, enquanto isso, seguia em frente.
No final de 2014, havia encerrado contas de correspondentes de cerca de 500 bancos estrangeiros, incluindo, de acordo com 1 representante de 1 grupo comercial bancário da Letônia, bancos desse país.
Em 1 relatório de dezembro de 2014 aos acionistas, o banco reconheceu “erros cometidos e lições aprendidas com nossas experiências em bancos correspondentes estrangeiros“.
“Toda empresa comete erros (e nós cometemos vários), mas a marca registrada de uma grande empresa é o que ela faz em resposta“, escreveu Dimon, o CEO, em uma carta de apresentação. Ele não citou Ucrânia, Letônia, ABLV ou NoviRex.
Ele tampouco mencionou que, pouco antes da retirada, os reguladores dos EUA emitiram uma avaliação contundente das salvaguardas contra a lavagem de dinheiro do JPMorgan e ordenaram que o banco revisasse suas práticas bancárias correspondentes.
Àquela altura, o tesouro da Ucrânia havia sido saqueado e as taxas do JPMorgan, embolsadas. O grupo de serviços de tesouraria do JPMorgan, a matriz de seu negócio como banco correspondente, relatou uma receita de US$ 4,13 bilhões em 2013. A remuneração total de Dimon em 2014 foi de US$ 20 milhões.
A história da NoviRex poderia ter terminado aí.
Mas em novembro de 2016, Donald Trump foi eleito o 45º presidente dos Estados Unidos. Logo depois, o Departamento de Justiça dos EUA nomeou Robert Mueller como procurador especial para investigar a interferência da Rússia nas eleições americanas e outras questões relacionadas a Trump e seus parceiros.
Um destes foi Paul Manafort, ex-diretor da campanha presidencial de Trump.
PENA DE MORTE
Manafort também atuou como consultor e lobista do ex-presidente da Ucrânia, Yanukovych. Os FinCen Files mostram que a equipe do escritório de compliance do JPMorgan em Columbus, Ohio, ficou preocupada com relatos da imprensa da Ucrânia sobre pagamentos secretos a empresas de fachada controladas por Manafort, disfarçados de pagamentos de equipamentos de informática.
O banco observou que a NoviRex tinha feito esses pagamentos.
Conforme o escrutínio das negociações estrangeiras de Manafort se intensificava, mostram os FinCen Files, o JPMorgan apresentou mais relatórios de atividades suspeitas detalhando –anos depois do fato– milhões de dólares em pagamentos ao consultor, seus associados e suas empresas.
No julgamento de Manafort em 2018, o nome da NoviRex veio à tona como uma das várias empresas de fachada usadas por oligarcas ucranianos para enviar pagamentos por trabalho de lobby político às empresas de fachada do próprio Manafort.
Ao todo, a NoviRex pagou secretamente US$ 4.190.111 para Manafort em nome do Partido das Regiões, de Yanukovych.
Manafort acabou sendo condenado por fraude bancária, falha em relatar uma conta bancária estrangeira e outros crimes.
Em 1 dos julgamentos de Manafort, seu ex-parceiro de negócios, Rick Gates, finalmente revelou a pessoa por trás da NoviRex: Klyuyev, o braço-direito de Yanukovych.
A ajuda que o JPMorgan deu à empresa de Klyuyev não foi citada durante o julgamento.
Ao todo, segundo mostram os FinCen Files, o JPMorgan efetuou 706 transações para a NoviRex, totalizando pelo menos US$ 230 milhões, de 2010 a 2015. Parte desse montante foi para empresas constituídas em paraísos fiscais secretos.
Em 2018, a FinCen declarou o ABLV uma “grande preocupação sobre lavagem de dinheiro” que movimentou “bilhões de dólares” para magnatas ucranianos acusados de saquear ativos do Estado. A FinCen proibiu os bancos dos EUA de fornecerem ao ABLV acesso às contas de correspondentes nos EUA –uma etapa conhecida nos círculos financeiros como “pena de morte”. Ele está agora em liquidação e alguns de seus banqueiros foram detidos pelas autoridades letãs.
Em resposta aos questionamentos do ICIJ, uma porta-voz da ABLV disse que, durante a liquidação, um auditor estava revisando os ex-clientes do banco e suas transações.
Ela acrescentou: “não podemos comentar publicamente qualquer aspecto legal ou sobre o processo ou sobre as pessoas envolvidas“.
PARTE 4
“TRUQUES E ASTÚCIA”: GRANDES PENAS NÃO IMPEDEM BANCOS DE MOVIMENTAR DINHEIRO SUJO
O dinheiro fluía da Califórnia, Peru, Bolívia, China e outros lugares onde famílias de baixa renda estavam dispostas a investir suas modestas economias – US$ 2.000, US$ 5.000, US$ 10.000 – em 1 fundo de investimento que mudasse suas vidas, como elas esperavam.
Com 1 clique num teclado, o dinheiro dos investidores foi canalizado pelas operações em Nova York do gigante bancário global HSBC. Em seguida, ele atravessou o mundo para contas nos amplos escritórios do HSBC em Hong Kong.
Como outros envolvidos no que ficou conhecido como esquema pirâmide do Mercado de Capitais Mundial (WCM na sigla em inglês), Reynaldo Pacheco, 1 pai de 44 anos de Santa Rosa, na Califórnia, divulgou o negócio para parentes e amigos. Quando a pirâmide começou a desmoronar, 1 dos investidores azarados que ele encorajou a aplicar dinheiro no negócio decidiu matá-lo.
Três homens o sequestraram e bateram em sua cabeça com pedras, deixando-o morto no leito de 1 riacho, com as mãos amarradas nas costas com fita adesiva e 1 cadarço de sapato.
Milhares de vítimas perderam cerca de US$ 80 milhões no esquema.
Mesmo depois que a Comissão de Valores e Câmbio dos EUA (SEC) ganhou uma ordem de restrição congelando os ativos da empresa, a conta do WCM no HSBC permaneceu ativa. De acordo com documentos judiciais apresentados posteriormente por advogados que buscavam indenização para as vítimas do esquema, o WCM drenou mais de US$ 7 milhões da conta durante a semana seguinte, reduzindo seu saldo a zero.
A WCM não foi a única empresa ligada a atividades criminosas que movimentou dinheiro por meio do HSBC durante o período probatório de 5 anos incluído em seu acordo de acusação diferida, de US$ 1,9 bilhão. O escritório do banco em Hong Kong, por exemplo, processou mais de US$ 900 milhões em transações envolvendo empresas de fachada vinculadas em registros judiciais e reportagens da mídia a supostas redes criminosas, concluiu uma análise do ICJJ.
Sede do HSBC em Hong KongDavid Drascic/ Wikimedia commons
Os promotores americanos e outras autoridades elogiaram os acordos de processo adiado e outros tipos de acordos sobre lavagem de dinheiro como ferramentas eficazes para garantir que os grandes bancos sigam a lei e parem de servir aos criminosos. Quando as autoridades anunciaram o acordo de diferimento de acusação do Standard Chartered em 2012, uma autoridade do FBI declarou: “Nova York é uma capital financeira mundial e 1 centro bancário internacional, e você deve seguir as regras para realizar negócios aqui“.
A investigação do ICIJ mostra que 5 dos bancos que aparecem com mais frequência nos Arquivos FinCen –HSBC, JPMorgan, Deutsche Bank, Standard Chartered e Bank of New York Mellon– continuaram movimentando dinheiro para pessoas e empresas suspeitas depois de acordos de acusação diferida e outras grandes medidas de repressão à lavagem de dinheiro.
Quatro desses bancos assinaram acordos de não persecução penal ou de processamento diferido nos últimos 15 anos, relacionados à lavagem de dinheiro.
O único dos cinco bancos que não foi objeto de 1 acordo de acusação diferida ou não persecução foi o Deutsche Bank. Em vez disso, chegou a 1 acordo civil de US$ 258 milhões em 2015, em resposta a uma investigação pelos órgãos reguladores dos Estados Unidos e de Nova York. Eles descobriram que o banco tinha movimentado bilhões de dólares em nome de instituições financeiras iranianas, líbias, sírias, birmanesas e sudanesas e outras entidades sancionadas pelos EUA.
O Bank of New York Mellon esteve entre os 5 primeiros bancos a pagar uma grande penalidade às autoridades norte-americanas por conta de falhas na contenção de lavagem de dinheiro.
Em 2005, dois anos antes de sua fusão com o Mellon Financial, o Bank of New York pagou US$ 38 milhões e assinou 1 acordo de não persecução depois que uma investigação federal concluiu que havia lavado US$ 7 bilhões em dinheiro russo ilícito. Reportagens disseram que os investigadores acreditavam que Semion Mogilevich, suposto “Chefe dos Chefes” da máfia russa, estava por trás de algumas das transações.
Mas mesmo tendo evitado grandes ações legais na última década ou mais, o Bank of New York Mellon continuou fazendo negócios com figuras suspeitas, como mostram os Arquivos FinCen.
Os registros vazados revelam, por exemplo, que o Bank of New York Mellon movimentou mais de US$ 1,3 bilhão entre 1997 e 2016 em transações vinculadas a Oleg Deripaska, bilionário russo e antigo aliado do presidente Vladimir Putin.
Desde 2008, Deripaska tem sido alvo de denúncias em reportagens que o conectam ao crime organizado. Quando as autoridades norte-americanas anunciaram sanções contra ele em 2018, disseram que ele já havia sido acusado de ameaçar a vida de rivais corporativos, subornar 1 funcionário do governo russo e ordenar o assassinato de 1 empresário.
Deripaska nega ter lavado fundos ou cometido crimes financeiros e está processando o governo dos Estados Unidos na tentativa de suspender as sanções. Em 2019, a administração Trump cancelou sanções de 3 companhias ligadas a ele. Mas sanções do governo dos EUA contra o próprio Deripaska continuam.
“O BNY Mellon leva a sério sua função de proteger a integridade do sistema financeiro global, incluindo a apresentação de Relatórios de Atividades Suspeitas”, disse o Bank of New York Mellon em 1 comunicado. “Como membro de confiança da comunidade bancária internacional, cumprimos integralmente todas as leis e regulamentos aplicáveis e ajudamos as autoridades no importante trabalho que realizam.”
SINAIS DE ALERTA
Um padrão notável revelado pela análise do ICIJ dos registros vazados é a disponibilidade de vários bancos a processar transações para os mesmos clientes de risco.
Deripaska, o oligarca russo, não tinha apenas o Bank of New York Mellon para ajudá-lo. Os registros secretos revelam que o Deutsche Bank efetuou transações de mais de US$ 11 bilhões entre 2003 e 2017 para empresas controladas por ele.
Os registros também indicam que Deutsche Bank, Bank of New York Mellon, JPMorgan, HSBC e Standard Chartered estavam entre os 20 bancos que ajudaram a Odebrecht SA por trás do que os promotores americanos chamaram de o maior caso estrangeiro de suborno da história –a transacionar US$ 677 milhões de 2010 a 2016. O Deutsche Bank desempenhou 1 papel em transações envolvendo mais de US$ 560 milhões desse montante, de acordo com os registros.
Sede da Odebrecht em São Paulo. Bancos internacionais também ajudaram a empreitera brasileira a movimentar centenas de milhões de dólaresReprodução/ Agência Brasil
Depois, há Dmytro Firtash, 1 oligarca ucraniano que é procurado por acusações criminais nos EUA.
Em 2014, promotores americanos revelaram 1 processo que o acusava de subornar autoridades da Índia, na tentativa de garantir 1 acordo de mineração. Desde o final de 2019, os meios de comunicação dos EUA relataram denúncias de que Firtash atuou no esforço do presidente Trump para encontrar na Ucrânia fatos que sujassem a imagem de seu oponente à reeleição em 2020, Joe Biden.
Firtash, que diz ter começado seus negócios na troca de leite em pó ucraniano por algodão uzbeque após a queda da União Soviética, vive exilado em uma mansão em Viena, sem poder deixar a Áustria, mas protegido até agora dos esforços para extraditá-lo. Sua mansão art-nouveau tem cinema e piscina de borda infinita –1 perfil de 2017 da Bloomberg Businessweek o apelidou de “o Oligarca na Gaiola Dourada”.
No que se refere a serviços bancários, Firtash e empresas ligadas a ele encontraram portas abertas entre muitas das grandes instituições do setor.
Todos os 5 grandes bancos analisados pelo ICIJ – JPMorgan, Deutsche Bank, HSBC, Standard Chartered e Bank of New York Mellon – cuidaram de transações para empresas controladas por Firtash, mostram os Arquivos FinCen. E os registros indicam que os quatro aprovaram transações vinculadas a Firtash depois que as autoridades dos EUA forçaram os bancos a pagar multas e se comprometerem a trabalhar mais para vetar clientes suspeitos.
Os arquivos mostram que, entre esses bancos, o JPMorgan movimentou a maior parte do dinheiro para empresas controladas por Firtash – fazendo centenas de transações num total de quase US$ 2 bilhões entre 2003 e 2014.
O JPMorgan e os outros bancos deveriam estar cientes do histórico duvidoso de Firtash já em 2010, quando vazou 1 telegrama diplomático dos EUA ligando-o a Mogilevich.
Então, em 2011, uma ação movida pela ex-primeira-ministra ucraniana Yulia Tymoshenko em Manhattan deu 1 alerta ainda maior aos 5 bancos, mencionando até contas específicas em quatro dos bancos que, segundo o processo, eram usadas por Firtash para lavagem de dinheiro.
O processo acusou Firtash, Mogilevich e o então futuro diretor da campanha de Trump, Manafort, de lavagem de fundos ilícitos da Ucrânia por meio de bancos e negócios de investimento nos EUA.
O processo afirmou que contas nos escritórios de Nova York do JPMorgan, Deutsche Bank, Standard Chartered e Bank of New York Mellon estavam sendo usadas em operações de lavagem de dinheiro, transferindo dinheiro roubado da Ucrânia para os Estados Unidos e, depois de limpo, fazendo a viagem de volta à Ucrânia.
Apesar das denúncias, esses 5 bancos continuaram a lidar com transações envolvendo empresas controladas por Firtash, incluindo algumas processadas pelo Deutsche Bank até 2017.
O processo foi indeferido em 2013, em parte porque Tymoshenko e seus advogados não conseguiram fornecer detalhes suficientes sobre as transações envolvidas no suposto esquema.
Firtash negou qualquer irregularidade, dizendo à Bloomberg Businessweek que foi vítima de “uma máquina especial de propaganda organizada contra mim“. Ele disse à revista que Tymoshenko estava “errada em tudo. Ela mente o tempo todo. Para fazer a lavagem de dinheiro, você precisa ter dinheiro sujo, para começar. Sempre tive dinheiro limpo“.
Em 1 comunicado, 1 advogado de Firtash disse ao ICIJ que ele “nunca teve qualquer parceria ou outra associação comercial com Semion Mogilevich“. O advogado disse que Firtash não responderia às perguntas do ICIJ porque elas “se referem a divulgação ilegal e criminosa” de relatórios de atividades suspeitas.
RESPONSABILIZAR OS BANQUEIROS
Por que as penalidades financeiras aparentemente sérias não mudaram o comportamento dos bancos?
John Cassera, especialista em crimes financeiros que trabalhou como agente especial designado para o FinCen de 1996 a 2002, disse que o volume das penalidades pagas pelo HSBC e outros bancos pode parecer grande, mas que são uma pequena fração de seus lucros. E o dinheiro não é pago pelos banqueiros que deveriam ser responsabilizados, disse ele –é pago pelos acionistas.
O BNP Paribas, maior banco da França, recebeu a maior multa de todos em 2014, quando foi forçado a pagar US$ 8,9 bilhões diante de provas contundentes de que ajudou a transferir bilhões de dólares através do sistema financeiro dos EUA em nome de sudaneses, iranianos e entidades cubanas sujeitas a sanções americanas.
Ao contrário dos acordos com o HSBC e outros, este não foi 1 processo adiado com acordo. O banco concordou em aceitar uma condenação criminal e demitir 13 funcionários.
Mas, para o banco francês, a prioridade nas negociações de liquidação era garantir que sua licença para processar transações em dólares nos Estados Unidos não fosse cancelada permanentemente. Em vez disso, os reguladores dos EUA proibiram o BNP Paribas de tais atividades por 1 ano.
Após o anúncio do acordo, o preço das ações do banco subiu 4%.
James S. Henry, economista, advogado e escritor de Nova York que investiga o mundo do dinheiro sujo desde os anos 1970, diz que as ações de fiscalização dos Estados Unidos nas últimas duas décadas tiveram algum impacto no comportamento dos grandes bancos – pelo menos em comparação com qualquer época anterior, quando operavam quase sem restrições.
Mas ele disse que será necessária mais “vontade do Ministério Público” para realmente mudar a relação entre os bancos e os fluxos de caixa ilícitos. Isso significa responsabilizar os banqueiros – não apenas os bancos e seus acionistas.
“Temos que colocar em risco alguns executivos graduados que estão no comando dessas coisas”, disse Henry. “E isso significa multas e/ou prisão.”
TANQUE DE TUBARÕES
Parecia algo saído de 1 romance de espionagem.
Os funcionários do Deutsche Bank instruíram clientes do Irã e de outros locais críticos a incluir em suas mensagens de pagamento palavras-código que acionariam 1 tratamento especial. Um executivo pediu aos trabalhadores que empregassem “truques e astúcia” para evitar serem detectados pelas autoridades americanas.
Esses truques do ofício foram expostos em 1 anúncio dos reguladores bancários de Nova York em 4 de novembro de 2015. O Deutsche Bank, disseram autoridades estaduais, foi pego transferindo quase US$ 11 bilhões entre 1999 e 2006 em nome do Irã, da Síria e de outros países sancionados pelos EUA.
Sob 1 acordo de US$ 258 milhões com o Estado e o Federal Reserve, o Deutsche Bank concordou em reformar suas práticas e demitir funcionários envolvidos na operação de evasão a sanções.
Em 1 comunicado, o Deutsche Bank pintou o acordo como uma notícia velha: “Essa conduta cessou há vários anos, e desde então encerramos todos os negócios com partes dos países envolvidos“.
Enquanto o acordo era mantido em público, o Deutsche Bank trabalhava nos bastidores para movimentar dinheiro para Ihor Kolomoisky –bilionário ucraniano que, como alegaram mais tarde promotores dos EUA, estava envolvido em 1 enorme esquema de lavagem de dinheiro que canalizava fundos para o meio-oeste americano.
O bilionário ucraniano Ihor Kolomoysky
Справедливість 25.01.2013 Повна версія (via Wikimedia Commons)
Kolomoisky tem sua própria mística de suspense de espionagem. Promotores americanos dizem que ele é conhecido pela “crueldade e até violência” nas negociações comerciais. Em 1 artigo do Wall Street Journal, um parceiro lembra de ter-se encontrado com ele e visto o oligarca apertar 1 botão de controle remoto que jogava carne de lagostim para tubarões famintos num aquário em seu escritório.
De acordo com os Arquivos FinCen, o Deutsche Bank informou ter movimentado pelo menos US$ 240 milhões do final de 2015 ao final de 2016 para uma empresa registrada nas Ilhas Virgens Britâncias que, de acordo com uma ação na Justiça dos EUA, era controlada por Kolomoisky.
Outra ação iniciada no ano passado no Estado de Delaware afirma que Kolomoisky usou a companhia de fachada Claresholm Marketing Ltd para ajudá-lo numa “série de esquemas fraudulentos” por meio do PrivatBank, uma instituição ucraniana que Kolomoisky e 1 parceiro controlavam até o fim de 2016
Os novos donos do banco alegam no processo que Kolomoisky e seus parceiros comerciais desviaram bilhões de dólares do banco por meio de empréstimos falsos e lavaram o dinheiro por meio de investimentos nos Estados Unidos.
Em julho passado, agências reguladoras de Nova York chegaram a outro acordo sobre lavagem de dinheiro com o Deutsche Bank. Desta vez, o banco concordou em pagar US$ 150 milhões em penalidades relacionadas a suas negociações com o predador sexual condenado Jeffrey Epstein e com dois bancos não americanos envolvidos em escândalos de lavagem de dinheiro.
Um mês depois, promotores americanos entraram com pedido de confisco em 1 tribunal federal, alegando que Kolomoisky desviou bilhões de dólares entre 2008 e 2016 de 1 banco ucraniano e, em seguida, lavou o saque em 1 labirinto de contas bancárias e empresas de fachada em todo o mundo.
Parte do montante, dizem os promotores, acabou em investimentos nos Estados Unidos, incluindo imóveis comerciais no Texas e em Ohio, siderúrgicas em Kentucky, Virgínia Ocidental e Michigan e uma fábrica de telefones celulares em Illinois.
Kolomoisky não respondeu aos questionamentos do ICIJ. Um advogado que trabalha para ele disse em agosto que “o senhor Kolomoisky nega enfaticamente as alegações nas ações contra ele iniciadas pelo Departamento de Justiça“.
No caso da corte estadual de Delaware, os advogados das empresas de Kolomoisky dizem que a ação não conseguiu demonstrar violações legais visando obter lucro ou quaisquer outras violações legais. Kolomoisky também entrou com um processo por difamação contra o PrivatBak da Ucrânia, alegando que o banco o acusou falsamente de fraude.
O Deutsche Bank se recusou a responder a perguntas sobre suas negociações com Kolomoisky, dizendo que está legalmente proibido de comentar sobre clientes ou transações. O banco disse ao ICIJ que reconheceu “fraquezas do passado” e “aprendeu com nossos erros”. Ele disse que “abordou sistematicamente” essas questões. “Somos 1 banco diferente hoje.”
Colaboraram, pelo ICIJ:
Michael Hudson, Dean Starkman, Simon Bowers, Emilia Diaz-Struck, Tanya Kozyreva, Will Fitzgibbon, Sasha Chavkin, Spencer Woodman, Ben Hallman, Fergus Shiel, Richard H.P. Sia, Tom Stites, Joe Hillhouse, Delphine Reuter, Kyra Gurney, Agustin Armendariz, Margot Williams, Karrie Kehoe, Amy Wilson-Chapman, Hamish Boland Leme, Antonio Cucho, Gerard Ryle, Mago Torres, Miriam Pensack, Jelena Cosic, Miguel Fiandor, Michael Sallah.
OUTRAS APURAÇÕES DO ICIJ
O Poder360 também participou de outras apurações do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos nos últimos anos. Saiba quais:
HSBC-SWISSLEAKS
Em 2015, o jornal digital (que na época se chamava Blog do Fernando Rodrigues, no UOL) publicou uma série de reportagens sobre o caso HSBC-SwissLeaks, uma investigação sobre contas secretas mantidas no HSBC da Suíça. Clique aqui para ler tudo que foi publicado sobre o assunto.
PANAMA PAPERS
Apuração jornalística do acervo de cerca de 11,5 milhões de arquivos do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, especializado em abrir empresas offshore em paraísos fiscais.
A base de dados englobava o período de 1977 a dez.2015. Foram descobertas 107 offshores relacionadas à Lava Jato na investigação. Saiba tudo que foi publicado pela reportagem aqui.
Não é ilegal brasileiros serem proprietários de offshores, desde que devidamente declaradas à Receita Federal, no caso de cidadãos que têm domicílio fiscal no Brasil. Empresas que mantêm subsidiárias em outros países precisam declará-las em seus balanços financeiros.
O Banco Central também deve ser informado anualmente caso pessoas residentes no Brasil mantenham ativos (participação no capital de empresas, títulos de renda fixa, ações, depósitos, imóveis, dentre outros) com valor igual ou superior a US$ 100 mil no exterior. Se o montante for igual ou ultrapassar os US$ 100 milhões, a declaração deve ser trimestral.
BAHAMAS LEAKS
Série de reportagens sobre empresas registradas no paraíso fiscal das Bahamas no período de 1990 a 2016. Os dados foram obtidos pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung e compartilhados com veículos de todo o mundo. O acervo, de 38 gigabytes, contém 1,3 milhão de documentos sobre mais de 175 mil offshores.
Os documentos revelaram uma rede de empresas offshore de líderes do cenário político mundial. Entre os nomes encontrados estão:
- Mauricio Macri – holding da família do ex-presidente da Argentina;
- Neelie Kroes – ex-comissária da União Europeia de 2000 a 2009;
- Amber Rudd – ex-secretário do interior do Reino Unido;
- Ian Cameron – pai do ex-primeiro ministro britânico David Cameron;
- Marco Antonio Pinochet – filho do ex-ditador Augusto Pinochet;
- Carlos Caballero Argáez – ministro de Minas e Energia da Colômbia de 1999 a 2001;
- Sani Abacha – filho do presidente da Nigéria;
- Sheikh Hamad – ex-ministro do Exterior do Qatar.
Grandes empresários, 1 dos fundadores do Partido Novo e 1 ex-presidente do BNDES estavam entre os brasileiros donos de empresas offshore nas Bahamas. Leia aqui.
PARADISE PAPERS
Em 2017, o Poder360 e os parceiros do ICIJ debruçaram-se sobre 13,4 milhões de arquivos de 2 escritórios especializados em abrir offshores, Appleby e Asiaciti Trust, e em bancos de dados de 19 paraísos fiscais.
A apuração expôs laços entre o bilionário secretário de Comércio do governo Donald Trump e a Rússia; negociações secretas entre o chefe de arrecadação da campanha do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau; e as vantagens obtidas em paraísos fiscais pela rainha da Inglaterra e outros pelo menos 120 políticos ao redor do mundo.
No Brasil, a série de reportagens mostrou que o então ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP-MT), era beneficiário final de uma companhia aberta nas Ilhas Cayman em 2010 pela sociedade firmada entre uma de suas empresas e a gigante holandesa Louis Dreyfus. O então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, criou uma fundação nas Bermudas para gerir sua herança. Chama-se Sabedoria Foundation. No mundo dos paraísos fiscais, trata-se do que tecnicamente se conhece como trust. A operação foi declarada à Receita Federal.
A investigação identificou também registros de offshores e trusts relacionados a empresas de comunicação brasileiras. Entre elas, a Editora Abril e o Grupo Globo. Leia aqui as reportagens da série jornalística.
BRIBERY DIVISON
The “Bribery Division” (Divisão de Propina) foi uma investigação liderada pelo ICIJ em 2019 que revelou que a operação de fraudar licitações para obter 1 contrato era ainda maior do que a Odebrecht assumiu perante a Justiça. A apuração mostrou que o processo envolveu personalidades proeminentes e grandes projetos de obras públicas não mencionados nos processos criminais ou outros inquéritos oficiais.
Leia aqui os textos da série.
LUANDA LEAKS
A série de reportagens expôs em jan.2020 duas décadas de acordos corruptos que tornaram Isabel dos Santos, filha do ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos, a mulher mais rica da África. O país, rico em petróleo e diamantes, é 1 dos mais pobres da Terra.
As reportagens tiveram como base documentos vazados fornecidos ao ICIJ pela Plataforma de Proteção de Denunciantes na África (PPLAFF, em inglês), grupo com sede em Paris. O conjunto contém e-mails, memorandos internos das empresas da família Santos, contratos, relatórios de assessores, declarações fiscais, auditorias privadas e vídeos de reuniões de negócios. Os documentos, em português e inglês, remontam a 1980, mas abrangem principalmente a última década.
Leia aqui os textos da série.
PUBLICADO PELO “BLOG PODER 360” ( BRASIL)