A cada vez que é desautorizado em público pelo presidente, Paulo Guedes corre para declarar que o chefe tinha razão em lhe passar a carraspana.
Criticado por Bolsonaro há duas semanas por ter sugerido o fim do abono salarial para bancar o Renda Brasil, o ministro fez ato de contrição. De fato, seria “tirar dos pobres para quem está pior”, como ele pôde propor tamanha besteira? O presidente só poderia mesmo ter reagido, “com o senso político dele”.
Só faltou Guedes agradecer a bronca e dizer que aprendeu muito com ela, como reza a cartilha da moda.
Ontem, o ex-ministro-que-mandava-na-economia repetiu o vexame. Só os ingênuos —ou os que por compromissos de naturezas diversas são obrigados a acreditar nas versões oficiais do governo—conseguem engolir a versão de que o secretário especial da Fazenda Waldery Rodrigues disse o que disse sem o conhecimento e a autorização de Guedes.
Em entrevista ao G1, o secretário declarou que a equipe econômica vinha estudando a ideia de desindexar ou mesmo congelar o valor de aposentadorias e pensões —numa clara tentativa de testar reações à ideia, como é praxe no governo Bolsonaro.
Só que o presidente, mais uma vez, reagiu à divulgação do projeto com seu “senso político” (também conhecido como “medo de ver a popularidade ir para o brejo”) e Paulo Guedes, novamente, deu razão ao chefe.
A culpa era do fato de o estudo ter “ido para a mídia”. O presidente, afirmou o ministro, “sempre disse” que não iria tirar dos pobres para dar aos mais pobres. Guedes preferiu não lembrar que nenhum assunto “vai para a mídia” sem que alguém o coloque lá.
Sobre a ameaça presidencial de levantar o cartão vermelho, não é a primeira vez que o ministro se furta a achar que o recado é para ele.
No ano passado, seu então secretário da Receita, Marcos Cintra, em outro clássico balão de ensaio, deu uma entrevista falando de estudos sobre a reforma tributária que incluíam a possibilidade de recriação de uma nova CPMF.
Bolsonaro reagiu com seu senso político, Guedes lamentou “a morte em combate” de Cintra e o demitiu, esquecendo-se de mencionar que a autoria da ideia sempre foi dele, como hoje deixou claro com a nova declaração em defesa do “imposto digital”.
O mercado, que já tanto temeu a possibilidade de Guedes pedir o chapéu, pode respirar aliviado. O ministro só sai do governo chutado.
THAÍS OYAMA ” SITE DO UOL” ( BRASIL)