Parecia tudo combinado para Bolsonaro aparecer como o “bonzinho” da história e, Paulo Guedes, o “malvado”.
Indignado como há muito não se via, o presidente surgiu logo cedo nas redes sociais num vídeo em que aparece lendo as manchetes dos jornais e blasfemando contra a maluquice de tirar R$ 10 bilhões dos benefícios de idosos e pessoas com deficiência em extrema pobreza, para criar o Renda Brasil.
De fato, nem o alucinado ditador da Belarus, Alexsandr Lukachenko, chegaria a tanto.
Como se fosse um líder da oposição, o presidente ameaçou dar “cartão vermelho” a quem teve a ideia. E deu ordem para não se falar mais em Renda Brasil até o final do governo. “Fica o Bolsa Família, e acabou”. E quem inventou a história de trocar o nome do Bolsa Família por Renda Brasil?
Convocado para uma reunião de emergência no Planalto, Guedes apressou-se, logo em seguida, a tranquilizar o mercado.
“O cartão vermelho não era para mim. Tudo isso é só ilação da imprensa, não tem nada, está tudo bem”. Não era o que dizia seu semblante sorumbático.
Claro, só pode ser culpa da imprensa comunista que inventou esse plano mirabolante para sacanear o governo.
Se não era para o ministro, para quem era, então, o “cartão vermelho”?
Só poderia ser para o secretário Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues. Foi ele quem apresentou o escalafobético plano aos jornalistas antes de ser aprovado pelo presidente. Sobrou, mais uma vez, para o mordomo e a imprensa.
Mas Guedes não é o chefe de Rodrigues? Bolsonaro não é o chefe de Guedes?
Advertido mais uma vez pelo presidente de que não pode “tirar dinheiro dos pobres para dar aos paupérrimos”, o combalido Posto Ipiranga que se vire para arrumar o dinheiro necessário para manter o auxílio emergencial, pau da barraca da campanha pela reeleição.
E qual foi a solução que ele encontrou? Para não variar, antes do fim do dia Guedes acenou novamente com a volta da CPMF, que já custou a queda de outro mordomo, o secretário Marcos Cintra.
O problema do governo é que o governo não tem um plano de governo e, quando precisa fazer cortes para salvar o teto de gastos, só sabe olhar para o andar de baixo, nunca para cima. Acontece que o teto já está desabando, com goteiras por toda parte.
Nessa Casa de Noca (um lugar onde ninguém se entende) do verdadeiro reality show protagonizado pelo governo, são tantas as trapalhadas diárias que muitas coisas passam despercebidas do distinto público. Falta um Boninho para dirigir o show e botar um pouco de ordem.
A crescente militarização do governo, por exemplo, já não causa mais espanto a ninguém, nem quando o governo nomeia um coronel reformado do Exército para cuidar da Fundação Nacional de Artes (Funarte), o principal órgão da secretaria de Cultura.
No mesmo dia em que efetivou o general Pazuello e sua tropa no Ministério da Saúde, depois de quatro meses de teste probatório, o governo do capitão confirmou o nome do coronel Lamartine Barbosa Holanda para presidir a Funarte, com a missão de “promover e incentivar a produção, a prática, o desenvolvimento e a difusão das artes no país”.
O que ele entende disso? Especialista em logística, material bélico e cargas explosivas, e presidente da Câmara de Comércio Brasil-Albânia (?), segundo o seu currículo, o coronel Lamartine certamente deverá se ocupar da “guerra cultural” olavista, no posto que já foi ocupado pelo poeta Ferreira Gullar, no período 1992-1995.
Um detalhe que chama a atenção é o fato de ele substituir no cargo o web designer Luciano Querido, da cota do filho Carlos Bolsonaro, o 02, de quem foi assessor de gabinete durante 13 anos na Câmara Municipal no Rio.
Nas horas vagas, Querido cuidava das redes sociais do clã, que deram origem ao gabinete do ódio, hoje em baixa.
Se nem os filhos do presidente resistem à progressiva militarização da máquina pública, que transformou o Palácio do Planalto num quartel, onde a toda hora se bate continência, quem vai se opor aos generais no governo do capitão?
Nomeado pelo general Braga Netto, chefe da Casa Civil, o coronel Lamartine vem se somar aos 6.157 militares encontrados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em cargos e funções de civis no Executivo.
Bruno Dantas, o ministro do TCU que apresentou esse levantamento em junho, alerta para “os riscos de desvirtuamento das Forças Armadas que isso pode representar, considerando seu papel institucional e as diferenças entre regime militar e civil”.
Para se ter ideia do processo que está em curso, os militares eram apenas 2.765 em 2018, no final do governo Michel Temer.
Enquanto os militares iam ocupando seus postos em todos os escalões do governo, dobrando seus soldos, a imprensa passou o resto do dia de hoje discutindo o destino do paisano Paulo Guedes.
A essa altura, que diferença faz se ele fica ou sai do governo? Se ele cair, entra outro Paulo Guedes indicado pelo mercado ou, quem sabe, mais um general.
Não há perigo de melhorar.
Vida que segue.
RICARDO KOTSCHO ” BALAIO DO KOTSCHO” ( BRASIL)