Jair Bolsonaro ficou surpreso e profundamente irritado com o despacho em que o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, lhe impôs o constrangimento de depor oralmente à Polícia Federal. Seu comportamento contrasta com a naturalidade ensaiada que exibia há três meses.
Eis o que declarou o presidente em 3 de junho sobre o depoimento que prestaria no inquérito em que o ex-ministro Sergio Moro o acusa de tramar uma intervenção política na Polícia Federal: “A PF vai me ouvir, estão decidindo se vai ser presencial ou por escrito, para mim tanto faz.”
Bolsonaro não ignorava as vantagens de um depoimento escrito. Mas simulava indiferença: “O cara, por escrito, eu sei que ele tem segurança enorme na resposta porque não vai titubear. Ao vivo pode titubear, mas eu não estou preocupado com isso. Posso conversar presencialmente com a Polícia Federal, sem problema nenhum.”
Consumada a decisão de Celso de Mello, a teatralização de Bolsonaro foi substituída pela preocupação. Nesta sexta-feira, ao retornar de uma viagem à Bahia, ele aconselhou-se com o Advogado-Geral da União José Levi Mello.
Ironicamente, Bolsonaro incluiu na conversa dois ministros que frequentam a lista de cotados para assumir a vaga de Celso de Mello: André Mendonça (Justiça) e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência).
O presidente surpreendeu-se com a decisão de Celso de Mello porque imaginou que o decano do Supremo, que saíra em licença médica, não voltaria a importuná-lo antes de sua aposentadoria, em 1º de novembro. Irritou-se porque acha que o decano perdeu a isenção: “Ele me persegue descaradamente”, disse, em privado.
O Planalto não informou quais serão os próximos passos de Bolsonaro. Se optar por seguir os conselhos dos seus auxiliares, o presidente empurrará a encrenca com a barriga até a aposentadoria de Celso de Mello.
Nessa hipótese, a Advocacia-Geral da União teria de protocolar no Supremo um recurso contra a decisão do magistrado . Algo que imporia a Bolsonaro o dissabor de ter que justificar a encenação embutida naquele “tanto faz” que ele pronunciou em junho.
Celso de Mello sonegou a Bolsonaro algo que seu colega Luís Roberto Barroso concedera em 2017 ao então presidente Michel Temer: a possibilidade de optar por um depoimento escrito no inquérito sobre corrupção no porto de Santos.
Para Celso de Mello, Bolsonaro não pode se livrar do depoimento presencial porque a PF o ouvirá como investigado, não como testemunha ou vítima. O magistrado anotou em seu despacho:
“O Senhor Presidente da República, por ostentar a condição de investigado, não dispõe de qualquer das prerrogativas (próprias e exclusivas de quem apenas figure como testemunha ou vítima) a que se refere o art. 221, “caput” e § 1º, do CPP, a significar que a inquirição do chefe de Estado, no caso ora em exame, deverá observar o procedimento normal de interrogatório.”
No trecho citado por Celso de Mello, o Código de Processo Penal (CPP) faculta aos chefes dos três Poderes a prerrogativa de depor por escrito. Mas o privilégio está restrito a testemunhas e vítimas.
“Essa especial prerrogativa de prestar depoimento por escrito, no entanto, não tem aplicabilidade nem se mostra pertinente quando as autoridades públicas figurarem, como sucede, no caso ora em exame, com o atual Presidente da República, como pessoas sob investigação criminal”, anotou Celso de Mello.
Noutros tempos, Bolsonaro subiria no caixote do cercadinho do Alvorada para dirigir a Celso de Mello meia dúzia de desaforos. Agora, tranca os seus rancores e exibe um insuspeitado comedimento.
Na véspera da decisão de Celso de Mello, Bolsonaro estivera na posse do novo presidente do Supremo, Luiz Fux. Na antevéspera, aparecera de surpresa na sessão em que Dias Toffoli se despediu do cargo. Nesta sexta, discursando na Bahia, Bolsonaro festejou: “Aos poucos, estamos nos aproximando das autoridades do Judiciário.”
JOSIAS DE SOUZA ” “SITE DO UOL” ( BRASIL)