Celso de Mello foi draconiano com Jair Bolsonaro. Determinou que o depoimento do presidente no caso sobre a interferência política na Polícia Federal tem que ser oral. Deu de ombros para o procurador-geral Augusto Aras, para quem o depoimento poderia ser tomado por escrito. Ignorou também um precedente aberto pelo ministro Luís Roberto Barroso, que permitiu a Michel Temer depor por escrito no inquérito que detectou corrupção no Porto de Santos. O ministro determinou também que, se quiserem, os advogados de Sergio Moro podem inquirir Bolsonaro. Na prática, Celso de Mello impõe a Bolsonaro um tratamento de sub-Temer.
Quem observa de longe estranha que dois presidentes recebam tratamento diferenciado de um mesmo tribunal. Mas Celso de Mello escorou sua decisão na letra fria da lei. O artigo 221 do Código de Processo Penal autoriza, no seu parágrafo primeiro, que um grupo de autoridades, entre elas os presidentes dos três Poderes, optem pelo depoimento escrito. Mas esse artigo trata apenas de testemunhas. Não se aplica a investigados, caso de Bolsonaro. E Celso de Mello anotou em seu despacho que “o dogma republicado da igualdade” nivela todo mundo. Para ele, seria “inaceitável” e “odioso” oferecer privilégios ao presidente.
Quando autorizou a Polícia Federal a inquirir Temer por escrito, Luís Barroso deixou claro que abria uma exceção. Ele escreveu que “à falta de regulamentação específica -e observada a estatura da função-, estabeleço que se observe a regra prevista no artigo 221, do Código de Processo Penal”, aplicável as testemunhas. Para complicar, Celso de Mello citou uma decisão em que o ministro Teori Zavaschi, morto num acidente aéreo, obrigou Renan Calheiros, então presidente do Senado, a depor oralmente num inquérito em que figurava como investigado.
Significa dizer que não há uma posição uniforme do Supremo sobre essa matéria. Seja como for, se um ministro serviu refresco a Temer, não é absurdo que a Advocacia-Geral da União peça num recurso que seja assegurado tratamento análogo para Bolsonaro. Mas a coreografia de um eventual recurso deixará o presidente em posição desagradável. Vai ficar parecendo que ele tem medo de escorregar num depoimento presencial. Esse tipo de receio não combina com a fábula do mito.
JOSIAS DE SOUZA ” SITE DO UOL ” ( BRASIL)