A inflação, em agosto, medida pela variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), deve ter surpreendido a muitos. Como pode ter havido recuo, de alta de 0,36% em julho, para alta de 0,24%, em agosto, com os preços dos alimentos, nos mercados, lá nas nuvens?
Das insinuações de fraude na apuração do índice aos possíveis defeitos da metodologia de cálculo, têm sido muitas as tentativas de contestar algo que não é de compreensão intuitiva. Mas a verdade é que esses mal entendidos e conclusões equivocadas se devem à falta a informação de que preço alto não é alta de preços, e que inflação é alta de preços – e alta repetida e generalizada.
Para encontrar a inflação no consumo, o IBGE calcula a variação ponderada dos preços de mais de 400 produtos e serviços que compõe o orçamento familiar médio de famílias com renda entre um e 40 salários mínimos, em determinado intervalo de tempo. Pode ser, como está sendo no momento, que a pressão dos preços altos dos alimentos seja compensada pelo recuo de outros preços, como o de serviços pessoais e educação, por exemplo.
A média final resultante, convencionada como sendo a inflação do período, refletirá as pressões de alta e de baixa. Em agosto, os alimentos registraram alta de 0,78% – com elevação de 1,15%, nos supermercados. Mas os serviços apresentaram deflação de 0,47%, ainda mais forte do que a queda em julho, quando recuaram 0,11%.
Não estão sendo previstas mudanças nesse quadro em setembro. Fábio Romão, economista da LCA Consultores, com larga experiência em acompanhamento de preços, está projetando uma alta de 1,24% para os alimentos, ainda mais forte do que em agosto – com elevação de 1,65% nos preços de alimentos nos supermercados. Mas também prevê recuos nos demais oito grupos que formam a cesta do IPCA. O resultado é que, nas estimativas de Romão, a inflação em setembro avançará 0,23%, mantendo o ritmo de agosto.
As perspectivas são de que as altas nos preços de alimentos persistirão até o fim do ano, mas com gradual arrefecimento das pressões. Já em outubro, os preços dos alimentos deverão avançar abaixo de 1%, podendo chegar a dezembro com elevações contidas em 0,5% ao mês.
Para 2020 como um todo, as previsões são de inflação entre 1,5% e 2%, ainda abaixo do piso do intervalo do sistema de metas de inflação. Isso apesar da expectativa de que, no ano, a alta dos preços de alimentos no domicílio fique perto de 10%. No contraponto, serviços, com elevação projetada de 0,5%, e preços administrados – energia, combustíveis, transportes etc. – ainda mais contidos, com alta estimada de 0,1%.
Tem-se falado bastante das causas da alta dos preços dos alimentos. Cotação do dólar, demanda de outros países, principalmente da China, aumento da demanda interna, na esteira do auxílio emergencial, aumento dos preços dos combustíveis no ano até agora, redução da área plantada, retenção de estoques por produtores. Menos, porém, tem sido comentado a respeito do que estaria mantendo a inflação tão baixa, apesar da pressão dos alimentos.
A explicação do que vem acontecendo é a mesma para a distância entre a evolução dos IPAs (índices de preços no atacado) e IPCs (índice de preços ao consumidor). O fenômeno não é tão recente e já era visível em 2018, quando o IPA industrial subiu 9% e o IPC de bens industriais não avançou mais de 1%. Isso se deve à atividade econômica no chão.
Economia fraca não consegue absorver a ociosidade geral existente, em especial a do mercado de trabalho. Isso rebaixa a renda em geral, tirando impulso da demanda. Incertezas com relação ao futuro, muito acentuadas com a pandemia, ainda transferem parte dessa renda já mais restrita para poupanças de precaução.
A perda de renda faz com que o consumidor não sancione os aumentos de custos de produção, mitiga a transmissão das altas do dólar para os preços, e freia a inércia inflacionária. É o que justifica projeções de altas superiores a 15%, para o IPA industrial em 2020, em contraste com estimativas de subida de apenas 0,66% para o IPCA de bens industriais, para este ano como um todo.
Do ponto de vista da produção, o represamento de tão fortes altas de custos resultam em perdas de margem de comercialização. O risco que se passa a correr é o de que uma retomada da economia um pouco mais forte, como a prevista para 2021, impulsione mais do que proporcionalmente os preços ao consumidor. Aqui vale notar que as projeções de crescimento econômico de 3,5%, para 2021, vêm acompanhadas de previsões de alta de 3% para a inflação, bem acima do 1,5% a 2% previstos para 2020, mais ainda assim abaixo do centro da meta de 2021, fixado em 3,75%.
JOSÉ PAULO KUPFER ” SITE DO UOL” ( BRASIL)