Levantamos a história de Cunha em um momento em que ele estava completamente blindado pela mídia. A beleza da diversidade é essa: quando um lado segura a informação, o outro publica. A ação pertinaz da Justiça, especialmente em São Paulo e Rio, está matando o direito à informação.
Um exemplo do lawfare praticado pelo Judiciário contra jornais críticos à sua atuação.
O caso abaixo ocorreu no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde respondo a outras ações, propostas pelo desembargador Luiz Zveiter.
Peça 1 – as condenações de Eduardo Cunha
Ontem, o ex-deputado Eduardo Cunha foi condenado a 15 anos de prisão, nova condenação da Lava Jato Curitiba, sentença do juiz Luiz Antonio Bonat, substituto de Sérgio Moro.
Acusações: corrupção passiva, lavagem de dinheiro. É a segunda condenação. Foi acusado de receber US$ 5 milhões em propina em contratos de construção de navios-sonda da Petrobras. Cumpre prisão domiciliar.
Condenação – além da multa, confisco de quatro carros de Eduardo Cunha para que valor seja revertido em favor da vítima, a Petrobras.
Outras condenações – em março de 2017, condenado em primeira instância a 15 anos e 4 meses por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A propina teria sido paga por um contrato de exploração de petróleo em Benin, África, e uso de contas no exterior para lavar dinheiro.
Em abril de 2019, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal negou, por unanimidade, anular a pena de lavagem de dinheiro.
Sonegação é crime conexo à lavagem de dinheiro. Ou seja, só poderá haverá lavagem de dinheiro, se houver algum crime antecedente. Portanto, antes de lavar dinheiro, a pessoa cometeu algum crime, propina, atividade criminosa (tráfico) ou sonegação fiscal.
Peça 2 – a condenação do GGN
Eduardo Cunha propôs ação contra mim, por uma série de artigos relatando sua história passada. Os artigos saíram antes que fosse impichado, julgado e condenado pela Lava Jato.
Perdeu em 1a instância, em sentença da juíza Milena Angelica Drumond Morais Diz.
Apelou e venceu em 2a instância, em sentença do desembargador Cleber Ghelfenstein, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Em relação à alegada conduta ilícita imputada ao réu, o autor alega ter sofrido dano em virtude de ofensa à sua honra, aduzindo que na matéria trazida aos autos há afronta à sua dignidade.
Compulsando o teor das declarações, constata-se que o réu associa o nome do autor a criminosos e a esquema de sonegação de impostos.
A reportagem associou, irresponsavelmente, o nome do autor ao traficante Abadia, além citar o seu indiciamento com o ex-procurador de PC Farias, sem esclarecer que o inquérito resultou em ação penal trancada por atipicidade.
Pelos termos usados na redação emitida pelo réu não se pode afirmar ser ela meramente informativa, ao contrário, o caráter malicioso que se extrai do texto demonstra a motivação pessoal do jornalista.
A toda evidência, o direito à liberdade de informação encontra limite no direito à honra, à privacidade e à imagem, restando comprovada a ilicitude da conduta perpetrada pelo réu.
Todas as condenações de Eduardo Cunha foram ignoradas. O desembargador fixou-se em um único ponto, o caso Abadia, em uma “ação trancada por atipicidade”.
Vamos entender o caso Abadia.
Peça 3 – o caso Abadia
A reportagem em que abordei o caso Juan-Carlos Abadia foi de 4 de dezembro de 2014.
Abadia era um super-traficante colombiano. No início dos anos 2.000 adquiriu uma casa de Eduardo Cunha, em um momento em que os bens de Cunha estavam ameaçados de execução judicial, em uma das muitas condenações que sofreu ao longo de sua vida.
Já se iniciara o 3o turno das eleições e Eduardo Cunha se tornara o novo campeão da mídia – galardão que o acompanharia durante todo o processo de impeachment e que só seria deixado de lado depois do serviço consumado.
A reportagem dizia que:
Nas últimas semanas, os principais jornais e revistas elegeram Eduardo Cunha (PMDB-RJ) seu Homem de Bem preferencial. Tem sido objeto de perfis humanizando-o, de reportagens mostrando sua garra, denodo, inspiração, transpiração.
Definitivamente transformou-se em herói da mídia.(…)
Consagrado pelo moralismo da mídia, o deputado Eduardo Cunha, é alvo de 23 processos no STF.
(…) É conhecido da imprensa desde o governo Collor, quando foi colocado na Telerj por PC Farias. Depois de PC, tornou-se um operador político atuando para quem solicitasse, do deputado Francisco Dornelles ao ex-governador Sérgio Cabral.
Em 2009, Cunha foi indicado pelo governador fluminense Anthony Garotinho para dirigir a Cehab (a companhia habitacional de estado) como parte da cota dos evangélicos.
Seus companheiros de empreitada foram Jorge La Salvia, argentino, ex-procurador de PC Farias e indiciado em inquéritos juntamente com Cunha; advogado Carlos Kenigsberg, assim como Salvia próximo do araponga Telmo (principal suspeito dos grampos do BNDES, nos anos 90) e do traficante Abadia.
Tanto o deputado Francisco Silva, evangélico, quanto Abadia, foram acusados de esconder de forma fraudulenta imóveis de Cunha, para escapar dos leilões da Justiça.
O Tribunal de Contas do Estado estava prestes a rejeitar as contas quando chegaram documentos do Ministério Público Estadual inocentando-o (e aos demais diretores) de qualquer suspeita de fraude.
Tempos depois, o MPE constatou que os documentos tinham sido falsificados pelo então Procurador Geral do Estado, Elio Fischberg.
O processo foi desmembrado. A parte que não tinha foro privilegiado ficou no Rio. Lá, o Tribunal de Justiça condenou Fischberg a três anos, 10 meses e 11 dias de reclusão e à perda sua função pública.
O processo de Cunha ficou no STF, onde o MInistro Luiz Fux – afilhado político do então governador Sérgio Cabral – contrariando todo seu histórico de julgamentos, “matou no peito” o processo e beneficiou Cunha.
A sentença de Fux foi em 2014. Em 2015, o Ministério Público da Suíça bloqueou US$ 2,4 milhões de contas de Eduardo Cunha no banco Julius Baer. O banco tornou-se a instituição preferencial para os dirigentes da Petrobras envolvidos nas propinas, e foi condenado a multa de US$ 547 milhões à Justiça americana por evasão fiscal.
Pressionado pelo Ministério Público suíço, o banco identificou operações suspeitas de Cunha, e uma enorme desproporção entre os ganhos e o patrimônio do então deputado.
Ao mesmo tempo, levantamentos da Lava Jato identificaram que patrimônio de Cunha era 53 vezes maior que o declarado.
Se a pessoa declara patrimônio 53 vezes menor que o valor real, ele está sonegando. Não se trata de sonegação pequena, mas gigantesca.
Uma das operações investigadas pelo banco foi justamente aquela envolvendo Juan-Carlos Abadia
O banco se baseou em reportagem do Estadão de 2002, com denúncia da deputada Cidinha Campos. Ela indagou insistentemente do advogado de Abadia confirmação do envolvimento de Cunha na operação.
Apenas em 2007, com Cunha amplamente influente, tanto na política fluminense como na Câmara, o advogado de Abadia retificou a informação:
“O notificado não afirmou, confirmou, por puro equívoco, após ser indagado insistentemente pela deputada Cidinha Campos, que Cunha, o deputado, havia participado da negociação envolvendo o imóvel referido. Logo equivocou-se nesta confirmação e por ela se retrata”, escreveu o advogado Sérgio Antônio Alambert
Em 1o de julho de 2017, a Polícia Federal deteve Abadia, (vulgo “Chupeta”) em uma mega-operação destinada a desbaratar a quadrilha de “Cabeça Branca”, considerado o “barão das drogas” no Brasil.
Abadia foi extraditado para os Estados Unidos. No seu julgamento constatou-se que, nos anos em que chefiou o cartel Norte del Valle, Abadía exportou cerca de 400 mil toneladas de drogas aos Estados Unidos, a maioria por meio do cartel de Sinaloa.
Cunha negociou com o braço direito do maior traficante do planeta, Joaquín “El Chapo” Guzmán, do cartel de Sinaloa. O fato de Cunha ter negociado uma casa com ele não passou de uma operação imobiliária normal.
Peça 4 – o bloqueio de contas pessoais
De todo esse quiproquó, o único condenado fui eu.
No dia 20 de julho de 2020, o juiz Luiz Antonio Valiera do Nascimento, da 39a Vara Cível do Rio de Janeiro, solicitou o CPF do réu, para uma penhora online no valor de R$ 20 mil, visando ressarcir Eduardo Cunha pela suposta difamação cometida contra ele.
No próximo dia 14, a Escola de Magistratura do Rio de Janeiro promoverá um webinar sobre o tema “Liberdade de Expressão e de Imprensa e Sigilo Judicial”. O tema abordado será, obviamente, a censura às Organizações Globo.
A intenção é chamar a atenção geral para a propensão da Justiça fluminense. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro é considerado um campeão da censura.
Pergunto: com esse cerco da Justiça, como fica o exercício do jornalismo? Levantamos a história de Cunha em um momento em que ele estava completamente blindado pela mídia. A beleza da diversidade é essa: quando um lado segura a informação, o outro publica.
A ação pertinaz da Justiça, especialmente em São Paulo e Rio, está matando o direito à informação.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)