O NOVO BOLSONARO NA ANTEVÉSPERA DA GRANDE NOITE

O novo bolsonarismo é filho da necessidade. Assim como as águas do rio que seguem para o mar, as circunstâncias políticas acabam conduzindo para o novo-velho desenho do populismo.

Vamos descrever os movimentos do novo bolsonarismo, sem conclusões ainda sobre sua eficácia.

Jair Bolsonaro manteve intocada a lógica da Ponte para o Futuro e da guerra ideológica iniciada pela Lava Jato, de desmonte do Estado, ataque implacável contra inimigos de ideias, privatização selvagem.

Indico a entrevista com Rubens Casaras, para um entendimento melhor da grande guerra ideológica do chamado neoliberalismo vs Estado nacional e políticas sociais.

Bolsonaro foi a alternativa possível para manutenção do modelo iniciado em 2015, no segundo governo Dilma – com Joaquim Levy – e aprofundado nos governos seguintes.

Mas os fatos dos últimos meses mostram uma mudança ainda de consequências imprevisíveis.

Movimento 1: populismo de direita. Fim de Guedes

O novo bolsonarismo é filho da necessidade. Assim como as águas do rio que seguem para o mar, as circunstâncias políticas acabam conduzindo para o novo-velho desenho do populismo.

As circunstâncias, no caso, foram a queda da popularidade com as declarações estapafúrdias, a perda de controle da Câmara, a tentativa frustrada de golpe contra o Supremo Tribunal Federal (STF), o desastre do combate ao Covid-19 e a perspectiva concreta de, em vista de todos esses episódios, derrubar a blindagem permitida pelo cargo, expondo os filhos à prisão.

A boia de salvação passou a ser exclusivamente os índices de aprovação de Bolsonaro. Deles dependiam a blindagem em relação ao julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a capacidade de reorganizar a base partidária, a reiteração do apoio do tal do mercado. E a melhoria veio com a renda básica de 600 reais que, se dependesse de Paulo Guedes, não passaria de 200 reais.

Foi nesse momento que Bolsonaro abandonou o estilo anterior, anti-povo, anti-minorias, anti-pobre e se candidatou a novo pai dos pobres. Provocou surpresa manifestando solidariedade a um entregador negro agredido justamente por um tipo padrão do bolsonarista – o branco complexado valendo-se do racismo como forma de auto-afirmação.

Mais que isso.

Paulo Guedes começou a divulgar elogios à estratégia de gastos brasileira – apesar da clamorosa incompetência de fazer o dinheiro chegar na ponta – e Bolsonaro incorporou os elogios em seus discursos. E, aí, o teco passa a conversar com o tico e, Eureka!, o cérebro de Bolsonaro elabora um novo raciocínio: se aumentar os gastos, em momentos de recessão profunda, passou a ser considerado economicamente racional, qual a lógica do terrorismo de Guedes em relação aos gastos do pró-Brasil? Guedes morreu pela boca. Caiu a ficha de Bolsonaro que aquela história de Guedes, de que “o mundo vai acabar se me desobedecerem”, era blefe.

Tentou-se um primeiro movimento, de envolver Guedes com planos de ajuda e pró-Brasil. Mas Guedes é dotado de raciocínio plano. Se a ortodoxia manda soltar o coelho do alçapão, ele solta. Mas não pense em indagar dele o que fazer com o coelho solto, porque ele só aprendeu a soltar o coelho.

Guedes não conseguiu sair do batidão de sempre. Para aumentar alguma dotação social, nada de criar tributos sobre os mais ricos, mas de cortar outros programas sociais, tirando do pobre para entregar ao paupérrimo, no dizer de Bolsonaro. Não conseguiu captar os desejos óbvios de Bolsonaro, de conquistar as classes de menor renda.

E aí o neo-velho populismo de direito conquistou Bolsonaro, que chiou e o mando de jogo passou a mudar gradativamente para o outro centro de influência do Palácio, o general Braga Neto sob inspiração de Rogério Marinho, Ministro do Desenvolvimento Regional.

O desenho do novo Bolsonaro se fará, inicialmente, rebobinando as principais políticas do período petista – Minha Casa, Minha Vida e Bolsa Família. E montando um mini-PAC de obras públicas, e de concessões, baseado no PPI (Programa de Parcerias para Investimento) de Dilma Rousseff. Aliás, se não tivesse sido boicotada pelo Congresso com as pautas bombas, e atropelada pelo impeachment, o governo Dilma Rousseff já tinha pronto o PPI  um programa de concessões devidamente mapeado.

Essa dinâmica, dos gastos socais e dos investimentos públicos, será irreversível, ainda mais depois que os investimentos começarem a se refletir nos indicadores econômicos e na popularidade de Bolsonaro.

Movimento 2 – a nova base política

Aí se tem um xadrez político para resolver: como aumentar os gastos e manter o apoio do tal do mercado?

A contrapartida ao aumento de gastos públicos, para atender aos templários da Lei do Teto, se dará em duas frentes:

* compromisso reiterado com desregulação da economia e desmonte do Estado.

A Câmara já foi condicionada pela mídia, pelo mercado e pelos patrocinadores, que sua missão maior é completar o desmonte do Estado e de toda forma de regulação econômica e de fundo social. Por outro lado, impõe resistências a cortes que afetem sua base eleitoral. 

A incapacidade de estabelecer relações de causalidade entre fim de fundos sociais, dos gastos compulsórios, e os efeitos na ponta, facilita esse jogo dúbio: o Congresso aprova todas as medidas que impactam o bem estar do cidadão e preserva as entregas diretas.

Essa dubiedade garante o apoio do Congresso ao desmonte e reduz as resistências de mercado e mídia a Bolsonaro.

Agora, em vez do mercado enquadrar Bolsonaro, o próximo passo será o mercado enquadrar Paulo Guedes, que terá que abrir mão de poder e se conformar com papel secundário no jogo.

Guedes não é de ferro: é apenas um blefado que irá aceitar seu novo papel no jogo.

* a distribuição de cargos e a nova relevância política das agências

Com privatização, desregulação, novas definições regulatórias, CADE, ANP (Agência Nacional de Petróleo), CVM (Comissão de Valores Mobiliários), CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) ganham enorme influência política.

Certamente serão novos pontos de barganha com o mercado e o Congresso.

Movimento 3 – a guerra contra os “inimigos”

Enquanto administra alianças provisórias com Congresso e mercado, o governo Bolsonaro avança em duas ocupações, uma militar, a outra paramilitar.

A ocupação militar está se dando nos principais níveis de governo, e obedece à mesma estratégia política iniciada na Lava Jato, estendida pelo governo Temer e aprofundada por Bolsonaro, de tratar as diferenças como guerra política.

Com alguns tropeços, a implementação do modelo ultraliberal passou pelas seguintes etapas:

1. A Lava Jato – junto com o Supremo e o Judiciário – inaugura o direito penal do inimigo. É essa visão bélica que explica a destruição das empreiteiras e a blindagem às instituições financeiras envolvidas com a Petrobras; a tentativa de destruição do PT e as ações retardadas contra o PSDB; a ofensiva contra a Petrobras, a pretexto de defendê-la; a intervenção nas grandes empresas brasileiras, ao entrega-las de mão beijada ao Departamento de Justiça americano.

2. Destruído o sistema partidário, o governo Temer prossegue com as novas leis de destruição do sindicalismo, uma das poucas pernas capazes de segurar um pouco os exageros do movimento pendular do ultraliberalismo. Ao mesmo tempo, desmonta modelos de assistência social, fecha todas as formas de participação social e dá início ao desmonte das estatais.

3. A tomada do poder vai se completando com movimentos do STF (permitindo a venda de subsidiárias de estatais sem passar pelo Congresso) e a captura total das agências reguladoras, para conferir alguma institucionalidade ao assalto perpetrado contra o Estado.

O acordo firmado entre o CADE e a Petrobras, obrigando-a a se desfazer de suas empresas de gás é um dos capítulos mais extravagantes dessa queima de ativos.

4. Na área pública, há um movimento articulado dos principais veículos de desqualificação do funcionário civil, ao mesmo tempo em que as Forças Armadas são contempladas com aumento expressivo de verbas orçamentárias e utilizadas em um movimento de ocupação da área pública.

5. A ocupação final está se dando com a invasão de várias áreas centrais do Estado por militares da reserva, atuando contra as associações de funcionários. Até agora, há as seguintes ocupações explicitas:

  • Militares da reservas nos Correios
  • Militares da reserva na Saúde
  • Militares na infra-estrutura
  • Militares no IBAMA, na Funai, no INPE.
  • Provavelmente a engenharia militar sendo contemplada com obras no próximo programa de investimentos.

Como a nova fase do arbítrio exige o manto das formalidades democráticas, o Poder Judiciário tem papel essencial nessa guerra.

A lista do Ministério da Justiça é apenas uma extrapolação. Há listas e listas circulando em grupos de WhatsApp articulando ações contra “dissidentes” ou “inimigos”.

O Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça têm empreendido ofensiva feroz contra qualquer procurador ou juiz que saia da linha ideológica do Judiciário. São gritantes as diferenças entre as punições aplicadas a manifestações de direita e de esquerda.

Há um tentativa permanente de criminalização dos movimentos sociais pelos tribunais. E, no jornalismo digital, uma perseguição implacável contra vozes tidas como progressistas.

No campo paramilitar, prossegue de forma acelerada a compra de armamentos e os sinais nítidos, da parte dos Bolsonaro, de contar com milícias armadas em sua defesa.

Movimento 4 – o desfecho do jogo

E aí entra-se em um terreno nebuloso. O impacto da Covid-19, a exposição das mazelas sociais, deveriam ser suficientes para espanar da vida nacional a compulsão de morte de Bolsonaro.Leia também:  De onde Bolsonaro quer tirar dinheiro para reeleição

As intenções ditatoriais de Bolsonaro estão nítidas para todos. Mas há uma inércia institucionalizada, de quem não quer colocar a mão no fogo, ou dos que pretendem colher alguns frutos dessa aliança provisória com o arbítrio.

Consolidada o novo modelo bolsonarista, dentro de algum tempo ele começará a colher os frutos de uma melhora relativa da economia e da renda universal. E, aí, não haverá Alexandre de Morais ou Celso de Mello que resolvam.

Motivos não faltam para a cassação da chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Deixando passar essa oportunidade, será inevitável a caminhada de Bolsonaro para o poder absoluto. E para volta da tortura e dos crimes políticos.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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