Os caros leitores e caras leitoras devem se lembrar de quantas vezes, entre e vitória e a posse, o então presidente eleito saiu da sua casa no condomínio Vivendas da Barra para ir a caixas eletrônicos de agências bancárias, seguido por um comboio de carros de segurança e de imprensa.
Ninguém achou estranho, numa época em que transferências bancárias podem ser feitas em segundos pelo celular por TED ou DOC, alguém precise andar com dinheiro vivo no bolso para pagar suas contas?
Naquele momento ainda não tinha estourado o escândalo do esquema de “rachadinhas” comandado por Fabrício Queiroz no gabinete do deputado estadual Flávio Bolsonaro, hoje senador, que movimentou R$ 7 milhões entre 2014 e 2017, segundo o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf).
“Pode ser que, por ventura, eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim”, explicou, candidamente, o senador Flávio Bolsonaro, em entrevista ao jornal O Globo publicada nesta quarta-feira.
Foi a primeira vez em que o filho 01 admitiu encarregar Queiroz de pagar suas contas pessoais, mas o que mais me chamou a atenção nesta entrevista foi o fato de ele fazer isso com dinheiro vivo.
Não foi apenas “pagar uma conta minha”. Entre janeiro de 2013 e dezembro de 2018, quando o assessor foi demitido, depois do vazamento da investigação da Operação Furna da Onça, Queiroz fez todos os pagamentos de mensalidades escolares e do plano de saúde da família de Flávio, direto no caixa, em moeda corrente, como mostram as câmeras de segurança do banco.
“Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o Queiroz é como criminalizar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco”?, argumenta o hoje senador.
Tudo bem, digamos que pode, mas fica a pergunta: por que não fazer esses pagamentos por TED ou DOC no celular e usar um funcionário público em horário de trabalho para fazer esses pagamentos particulares com dinheiro vivo?
Flávio garante na entrevista que “a origem dos recursos é lícita”, mas o Ministério Público do Rio apontou indícios de que o dinheiro utilizado pelo ex-faz tudo da família Bolsonaro “não proveio de fontes lícitas de renda do casal”.
Um desses depósitos seria feito na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Segundo o presidente, trata-se do pagamento de um empréstimo que teria feito a Queiroz.
Como em toda história mal contada, Flávio diz que não procurou saber o que Queiroz fazia com o dinheiro que recebia de volta dos assessores do gabinete no esquema das “rachadinhas”, que, segundo eles, seria usado para contratar “outros trabalhadores informalmente”.
Ao seguir o dinheiro, o procurador da República Sergio Pinel afirmou ter encontrado “fortes indícios de prática de lavagem de dinheiro envolvendo Flávio”. Segundo as investigações, o senador teria lavado R$ 2,27 milhões com compra e venda de imóveis e uma loja de chocolates.
Agora o processo está parado à espera de uma decisão do Supremo Tribunal Federal para saber se será julgado na primeira instância ou no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Com a nova nota de R$ 200, ficará mais fácil fazer pagamentos em grana viva, pois menos cédulas serão necessárias nas operações na boca do caixa, como se fazia antigamente, antes da informatização dos serviços bancários, que registram a origem e o destino do dinheiro.
Numa das explicações que deu para a origem das suas altas movimentações bancárias, Queiroz chegou a se bacanear: “Eu sei fazer dinheiro”. Como? Comprando e vendendo carros usados, ele justificou. Tudo sem nota, é claro.
“Com nota ou sem nota?”, pergunta-se muito ainda nas transações “informais” do submundo onde vicejam os Queiroz do leve vantagem em tudo, tão em voga.
Sem nota, e pagando em dinheiro, tem desconto. Por que será?
Fazer tudo direito custa mais caro neste Brasil fora da lei, onde quem pode pagar um bom advogado não paga imposto e não fica na cadeia.
Vida que segue.
RICARDO KOTSCHO ” BALAIO DO KOTSCHO” ( BRASIL)