Não se tem memória de uma crise de tão grandes proporções no país. A epidemia do coronavírus, é claro, contribuiu para tanto, mas não é a responsável única pelo que vivemos. Estamos no meio de um tipo de desequilíbrio que atinge a economia e a ultrapassa, pegando-nos pelos valores (ou ausência deles) no plano da moral. Vem à mente os ecos da observação de Ernst Bloch, segundo o qual os homens têm uma fome que não se sacia com os alimentos. Trata-se de um sentimento que nos leva adiante, vetor do progresso e das nossas realizações… E também das divisões e das lutas fratricidas.
Numa conjuntura em que faltam recursos para a Saúde, a Educação e os projetos habitacionais, espanta que o Ministério da Defesa reivindique, com a aceitação do governo, um aumento de 1,2% do PIB para 2% do PIB. Em épocas de conflito armado se justifica que a população arque com o sacrifício e trabalhe para sustentar os militares. Na paz, não. Muito dinheiro nas mãos de quem tem armas ameaça as pessoas em suas casas, como aconteceu em 1964, quando não havia inimigos externos e os canhões se voltaram contra a cidadania. Devaneios em torno do chavismo e do madurismo alimentam, talvez, semelhantes pretensões. Ninguém consultou o voto popular, entretanto, para conhecer a opinião geral sobre o assunto. Teremos de confiar no Presidente, doente neste instante, para que deixe cair a máscara que de fato não usa?
É bom lembrar que os nossos militares não andam com o prestígio em alta. Envolveram-se na gestão pública sem resultados animadores. Como disse um comentarista político, os ministérios pintaram-se de verde e parecem mais pobres de espírito (e de orçamento) do que antes. Para completar, assistimos, estarrecidos, à homenagem de Trump ao general Davi Almeida Alcoforado que lá aportou para integrar o Comando Sul. Segundo o almirante Craig Faller, em audiência, o Brasil paga para que ele trabalhe para os EUA. O subtexto da cerimônia dá a impressão de que faremos aquilo que a grande nação do Norte prefere delegar a outros. Os povos amazônicos que se cuidem, já que ao mesmo tempo, e por outro lado, somos os campeões predadores da floresta e estamos acabando com ela.
Afirma a sabedoria popular que em casa onde não tem pão todo mundo briga e ninguém tem razão. Caminhando para o abismo, não nos achamos longe de chegar lá. Esperemos que o Congresso Nacional, consciente da real precariedade orçamentária, tome-se de brios e pise no freio das ambições estapafúrdias. Nossa estrutura castrense, sem dúvida, precisa de quarteis aparelhados e limpos. Não precisa esmagar os calos dos desvalidos, a maior parte dos quais mora em condições precárias e mal consegue se alimentar. Se é para apertar cintos e colocar água no feijão, convém um rápido exame nas aposentadorias dos militares. Logo se verificará quem, entre nós, se mostra privilegiado. Deputados e senadores, diferentemente do Palácio do Planalto, não consomem cloroquina nem quando se contaminam com o Convid-19. Não se mostram bobos. Delírios se revelam frequentes em outros endereços…
RONALDO LIMA LINS ” BRASIL 247″ ( BRASIL)
Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ