COMO A LAVA JATO ENTREGOU O CADE AOS ESTADOS UNIDOS

Como é possível a um órgão administrativo submeter uma determinação constitucional aos mesmos critérios de avaliação de monopólios privados?

Peça 1 – o CADE entra na mira do FBI

No dia 14 de julho de 2017, a revista Época trouxe uma reportagem curiosa, sobre dois agentes especiais do FBI treinando funcionários do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico) em técnicas de entrevista.

Um deles foi Devon Mahoney. Por seu perfil no Instagram, fica-se sabendo que Mahoney é Supervisor da Unidade Internacional de Corrupção do FBI, responsável por programas antitrustes e práticas de corrupção no exterior, dentro da FCPA, a lei anticorrupção dos Estados Unidos.

Esse grupo do FBI e o DHS foram os principais parceiros da Lava Jato no desmonte da engenharia nacional. No rastro da Lava Jato, o FBI montou um escritório em Miami e organizou uma equipe de 18 agentes que foram a Curitiba se reunir com a Lava Jato passando ao largo do Ministério da Justiça.

Leslie Backshies, lider do grupo, chegou a posar em fotos em favor das 10 medidas do Ministério Público Federal. E, em um evento em escritório de advocacia, brasileiro, anunciou: “Isso é apenas o começo. Temos o enquadramento correto, a vontade e os fundos para continuar trabalhando juntos”.

A submissão aos Estados Unidos teve início no interregno Temer. No rastro da Lava Jato, foram aceitos interventores americanos nas principais empresas brasileiras, como Petrobras, Embraer, empreiteiras etc. Mas a troca de quê permitir essa intervenção no CADE?

Essa braço da expansão americana não se limitou ao Brasil. O FBI ofereceu assessoria a outras agências de concorrência na Austrália, México, Kuwait, Irlanda, Egito, Croácia, Hong Kong, Bulgária, Macedônia, Filipinas, Romênia, Moldávia, e Coréia. Ou seja, uma autoridade americana assessorando países sobre processos de concentração econômica internos.

Em entrevista à agência AP, Leslie foi objetiva.

“Estamos protegendo o estado de direito. Se não houver estado de direito, você terá certas sociedades nas quais eles sentem que seus governos são tão corruptos, eles irão para outros elementos que são considerados fundamentais, que consideram limpos ou algo contra o regime corrupto, e que torna-se uma ameaça à segurança nacional.” 

A entrevista foi concedida em 5 de março de 2019, com Bolsonaro já instalado no poder graças à Lava Jato. O título da reportagem era “FBI cria esquadrão anti-suborno com foco na América do Sul”.

Essa atuação do FBI ganhou impulso a partir de 2017 e explica as conversas da Vazajato, sobre a nova cooperação com o FBI, em cima das cooperação já tradicionais com o DHS. Mesmo antes do novo escritório, o FBI ja trabalhava com os chamados Esquadrões Anticorrupção e tinha como principais feitos as investidas contra a Odebrecht e a Brasken.

Peça 2 – as bigtechs americanas e o CADE

Há um ano, autoridades antitruste da Austrália, brasil, China, Japão e oito outros países desfrutaram jantares de US$ 110 por prato e derrama ilimitada de garrafas de vinho de 70 dólares em um hotel à beira-mar cercado por vistas panorâmicas da região, do pôr do sol no Oceano Pacífico.

Começa assim uma reportagem do New York Times sobre a conferência organizada e paga pela Global Antitrust Institute visando cooptar autoridades estrangeiras antitruste. O programa falava em educação continuada para reguladores antitruste aprenderem mais sobre os fundamentos econômicos do direito de concorrência.

O Global Antitrust Institute foi criado em 2014, como parte do Centro de Direito e Economia da Universidade George Mason. Segundo o coordenador, já treinou mais de 850 juízes e reguladores estrangeiros. 

Segundo o jornal, a intenção era obviamente a de beneficiar as empresas que financiaram o evento.  São elas o Google, a Amazon e a Qualcomm, todas elas com histórico de concentração de poder econômico.

No Brasil, diz a reportagem, um tribunal no ano passado rejeitou três investigações separadas no Google, que controla 97% do tráfego de buscas do país, por falta de evidências.

A reportagem dedica um longo espaço ao CADE. Diz das restrições orçamentárias do órgão e da resposta a um convite feito pelo instituto:

“Devo informar que estamos enfrentando severas restrições orçamentárias e, a menos que as despesas sejam cobertas, infelizmente não podemos garantir que poderemos enviar um representante”, respondeu Alexandre Cordeiro Macedo, superintendente geral do CADE, se dizendo ansioso por participar, mas levantando as restrições financeiras do órgão.

O Instituto decidiu financiar a ida de até 6 funcionários do CADE para participar da conferência em Washington. E garantiu também convites pagos para eventos em Pahu, Santa Mônica e Tóquio.

Desde 2015, 27 funcionários do CADE participaram das conferências do grupo, além de 10 juízes que viajaram de classe executiva para um evento no hotel Four Seasons em Lisboa.

Segundo a reportagem, criou-se uma relação tão estreita de trabalho que, segundo o jornal, “quando o CADE recebeu um convite para a conferência de Huntington Beach, a agência mal conseguiu conter sua emoção”. “Eu só quero que você saiba que, dentre todas as outras oportunidades de treinamento que oferecemos ao longo do ano, a do GAI é sem dúvida a mais atraente para nossa equipe”, escreveu um funcionário do CADE em um email de abril de 2019.

O CADE permitiu que o instituto selecionasse os funcionários. Tempos depois, Douglas Ginsburg, juiz sênior do Tribunal de Apelação em Washington, e presidente do conselho consultivo do Instituto, solicitou a Cordeiro que recrutasse também juízes. Alguns dias depois, Cordeiro respondeu que já havia recrutado sete juízes.

Peça 3 – as disputas em torno do CADE

O jogo de controle do CADE atuou em duas pontas. Em todo espaço público há duas formas de controle: a direção e a própria corporação. A direção depende de indicação do presidente da República; já a corporação precisa ser convencida para assimilar as novas orientações. 

Na Saúde, uma corporação focada nos objetivos públicos colocou obstáculos às aventuras do setor. No BNDES, os benefícios ao mercado precisam cumprir as formalidades legais. No CADE o caminho encontrado foi a cooptação dos funcionários com viagens e regabofes.

Nos anos seguintes, o CADE passou a desempenhar papel decisivo no desmonte da Petrobras, com apoio técnico de parte do corpo de funcionários.

No dia 5 de dezembro de 2018 o CADE determinou abertura de inquérito administrativo contra a Petrobras, para apurar supostos abusos no mercado de refino.

O estudo que embasou o pedido mencionava o controle do mercado pela empresa, com 98% da capacidade de refino. A Petrobras se dispôs a vender o controle de duas refinarias, mas não foi aceito pelo CADE, por insuficiente. Determinou que o desinvestimento deveria ser feito em refinarias próximas dos concorrentes, por questão de economicidade.

O aval técnico foi conferido pelo Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do CADE, que chegou a opinar sobre quais refinarias deveriam ser privatizadas. Se privatizasse uma refinaria localizada no Sudeste, “seria possível melhorar o design de ativos desinvestidos, com o foco no bem-estar social em termos concorrenciais”. Não se entende bem o que seja bem-estar social em termos concorrenciais, mas o estudo foi decisivo para o CADE consumar a exigência.

O passo seguinte foi em cima do gás.

No dia 8 de julho de 2019, CADE e Petrobras celebraram um acordo pelo qual a empresa se obrigou a vender sua participação no gasoduto TAG. Foi resultado de uma investigação do CADE sobre supostas condutas anticompetitivas da Petrobras no mercado de gás natural.

O acordo foi assinado pelo CADE, pelo presidente da Petrobras Roberto Castello Branco (indicado por Paulo Guedes), co-assinado pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

Pelo acordo, a Petrobras e comprometeu a vender a Transportadora Associada de Gás (TAG), a Transportadora Brasileira Gasoduto Brasil-Bolívia (TBG), e também sua participação na Gaspetro.

Peça 4 – os questionamentos jurídicos

Não há prova maior da subversão institucional que tomou conta do país.

Diz o artigo 177 da Constituição Federal:

Art. 177. Constituem monopólio da União:

I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; (Vide Emenda Constitucional nº 9, de 1995)

II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

Como é possível a um órgão administrativo submeter uma determinação constitucional aos mesmos critérios de avaliação de monopólios privados?

Gilberto Bercovici, jurista especializado em direito econômico, tem demonstrado as inconsistências do CADE. “Ao incorporar a concorrência livre como um princípio, o texto constitucional explicitou a compreensão de que a concorrência é um meio, um instrumento de política econômica, não um objetivo da ordem econômica constitucional”, diz ele, em artigo publicado hoje pelo GGN. Segundo ele, o CADE  “exerce função administrativa, ou seja, o seu poder não é exercido por interesse próprio ou exclusivamente próprio, mas por interesse público. Não há autonomia da vontade para entes que exercem função pública, pois estão submetidos aos objetivos determinados previamente na Constituição e nas leis, possuindo o dever de preservar o interesse público, não o interesse exclusivo da entidade estatal ou os interesses privados de seus dirigentes”.

Segundo ele, a defesa da concorrência não pode ser confundido com a defesa dos concorrentes. O refino do petróleo é de um setor de monopólio por definição constitucional. 

“Deste modo, não é juridicamente viável à Superintendência-Geral do CADE querer impor uma determinada organização de mercado ao setor de refino de petróleo. Não é viável, também, a tentativa de ampliar, a despeito do texto constitucional e da legislação vigente, a atuação do órgão de defesa da concorrência para outros setores, como o de petróleo, monopólio constitucional da União, com base nas demandas de determinados agentes econômicos ou políticos eventualmente descontentes com a estruturação constitucional e legal desta política”.

Como lembrou nosso comentarista André Araújo, “a Lava Jato distrai a plateia com perseguição a doações de campanha de 5 milhões de Reais ocorridas há 6 anos, com a mídia armando o palco das invasões de domicílios, no combate  à mini corrupção, enquanto se vende o País a retalho no presente,  com planos para vender tudo o que encontrar comprador, é a meta central do Governo da turma do Leblon”.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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