Se houvesse inteligência diplomática no Brasil, haveria possibilidade de tirar vantagem dessa disputa. Enquanto houver Bolsonaro, permanecerá a submissão a Trump sem contrapartida de nenhuma espécie para o país.
Um dos temas que serão mais recorrentes nos cenários econômicos são as relações Estados Unidos e China. Nos últimos dias, sob o embalo das disputas eleitorais norte-americanas, o presidente Donald Trump radicalizou a retórica. Um caso de espionagem, em vez de resultar na expulsão do espião, provocou o fechamento de um consulado chinês nos Estados Unidos. A reação chinês foi fechar um consulado americano na China.
De certo modo, a China sempre fez parte da retórica política norte-americana, Bill Clinton endureceu o discurso contra a China para combater seu adversário George W. Bush. No cargo, buscou melhorar as relações, devidos aos interesses americanos envolvidos.
Por isso mesmo, até agora as reações norte-americanas eram vistas apenas como retórica política. A partir dos últimos tempos, o quadro inverteu. O mundo prepara-se para ingressar em uma nova guerra fria.
A escalada teve início com a pandemia do Covid-19 e a incapacidade da administração Trump em administrá-la. Embora o início tivesse sido na China, o país logrou vencer a pandemia, iniciou a retomada da economia e, graças a um rápido processo de reciclagem da indústria, tornou-se um fornecedor mundial de equipamentos de saúde contra a doença..
Por seu lado, a estratégia negacionista de Trump promoveu um desastre de proporções incalculáveis, antes dele isolou os Estados Unidos dos grandes cenários de decisão mundial. De certo modo, a pandemia marca o início da decadência americana como o grande centro sem rival, desde o desmonte da ex-União Soviética, e tem início uma nova bipolaridade, mas ante um adversário mais ajustado e economicamente mais dinâmico..
A ascensão da China parece irreversível e é resultante da estratégia encetada pelos Estados Unidos desde a crise de início dos anos 80. Na ocasião, a estratégia adotada foi a do país se concentrar na informática, na parte espacial, abrindo mão das indústrias da geração passada. Às empresas americanas caberia a parte nobre da história – criação de produtos, design, comercialização – terceirizando a manufatura.
Esse modelo transformou a China em chão de fábrica do mundo. E os excedentes de exportação permitiram acumular grandes saldos que passaram a financiar a dívida interna norte-americana, através da aquisição de títulos da dívida pública.
Na última década, o país centrou todos seus esforços em absorver a tecnologia de fabricação,, investir em inovação, tendo como ponto de partida o mercado interno e o mercado externo – das empresas que contratavam a terceirização.
São fatos conhecidos. O desafio é daqui para frente. Hoje em dia a economia global está interligada e a China responde por interesses econômicos de multinacionais americanas. Até que ponto a disputa por hegemonia ditará as regras, sobre os interesses específicos das grandes multinacionais? Reside aí – e não nas republiquetas dominadas por nacionalistas da ultradireita – a grande disputa globalização x nacionalismo da atualidade.
Na fase mais aguda dessa disputa, os EUA ficaram nas mãos de Trmp, o mais despreparado de todos os presidentes do pós-guerra. Mesmo assim, a derrota de Trump não é garantia de que cessará a nova guerra fria.
Segundo Steve Tsang, diretor do Instituto SOAS China da Universidade de Londres, não haverá volta à normalidade nem na hipótese da derrota de Trump. Gal Luft, co-diretor do Instituto para a Análise da Segurança Global em Washington, concordou, dizendo que a relação EUA-China se deteriorou a tal ponto que “nem mesmo uma presidência de Biden provavelmente a consertará”.
Segundo Luft, entrevistado pelo South China Morning Post, “o que estamos testemunhando hoje é um processo de consentimento de fabricação para futuras guerras com a China, usando as mesmas táticas usadas antes da guerra do Vietnã e da guerra de 2003 com o Iraque – demonizando uma sociedade inteira, silenciando dissidentes, exaltando a ameaça e manipulando inteligência”.
No início do ano, Trump se vangloriava do acordo comercial fechado com a China, garantindo demanda para produtos agrícolas norte-americanos. Na semana passada, Trump já minimizava o acordo. Na semana passada Trump mencionou as compras recordes da China, de milho e soja, e terminou com um peremptório: “Hoje em dia, representa muito menos para mim”.
Por outro lado, pesquisas de opinião recentes mostram que 66% dos adultos americanos passaram a ter visão negativa da China, o maior nível de todos os tempos.
Se houvesse inteligência diplomática no Brasil, haveria possibilidade de tirar vantagem dessa disputa. Enquanto houver Bolsonaro, permanecerá a submissão a Trump sem contrapartida de nenhuma espécie para o país.
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LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)