POR QUE O VOTO SINCERO NA CÂMARA DEIXOU BOLSONARO NU

Brazil’s President Jair Bolsonaro who is infected with COVID-19, wears a protective face mask attends during a Brazilian flag retreat ceremony outside his official residence Alvorada Palace, in Brasilia, Brazil, Monday, July 20, 2020. (AP Photo/Eraldo Peres)

Votação que aprovou o Fundeb representa uma humilhação para um Governo que, em quase dois anos de mandato, entrará na história por seu desprezo pela educação

A votação na Câmara para a aprovação da importante lei sobre o Fundeb, que regula os gastos do Estado com a educação básica, com apenas sete votos contra, foi sem dúvida um voto que os deputados deram com o coração. Por uma vez esqueceram seus pequenos interesses políticos ou partidários e souberam colocar os olhos naqueles milhões de crianças que são o futuro da nação, cuja única redenção é uma boa educação básica.

Uma boa educação fundamental impedirá que se deixem escravizar quando forem maiores. E os deputados que votaram com o coração certamente pensaram também nos milhões de professores que são o motor da educação, uma continuação da família. Os professores merecem todo o respeito, o apoio e o carinho do país. Ainda mais no Brasil, onde estão entre os mais mal pagos do mundo e não por isso deixam de dedicar suas vidas com paixão ao ensino.

Foi uma votação com o coração e ao mesmo tempo uma derrota, ou melhor, uma humilhação para um Governo que, em quase dois anos de mandato, não conseguiu mais que sete votos na Câmara em apoio ao seu projeto com o qual queria usar o Fundeb para criar um programa de tom eleitoral.

Portanto, se foi um voto com o coração, também foi um voto de castigo para o presidente Bolsonaro, que além de seu comportamento de matiz genocida durante a pandemia, conforme apontam alguns juristas, entrará na história por seu desprezo pela educação com seu rosário de ministros da Educação incapazes para o cargo, que ele próprio se viu obrigado a destituir porque eram uma vergonha nacional.

Na histórica votação sobre o Fundeb, o presidente Jair Bolsonaro revelou-se mais do que um novo Átila, cujo cavalo matava para sempre a grama que pisava, como o cavalo de Tróia descrito por Homero na Odisseia, que ao longo dos séculos se tornou a metáfora do engano político e militar.

Em qualquer outra parte do mundo, especialmente onde existe a figura do presidente do Governo separada do presidente da República, na mesma tarde da retumbante derrota na Câmara teria havido uma crise de Governo. E mesmo em um regime como o brasileiro, se tivesse tido grandeza política Bolsonaro teria renunciado ao cargo, pois ficou claro que é um Governo que foi humilhado com uma derrota tão acachapante em um tema tão crucial como a educação.

A votação na Câmara, pronunciada pelos parlamentares com o coração, pode ter revelado mais do que uma humilhação ao presidente. Essa votação fará muitos pensarem que talvez seja uma falácia a desculpa de que não é prudente dar curso às dezenas de pedidos de impeachment de Bolsonaro que se acumulam no Congresso com a desculpa de que o Governo teria votos suficientes para detê-los. A votação sobre o Fundeb que envergonharia qualquer Governo em qualquer país também deixou claro que o presidente está mais nu politicamente do que parece.

Bolsonaro, que recorre tanto ao céu e aos deuses em seu favor, deveria refletir que talvez desde aquelas alturas do divino comece a se ver mais abandonado do que poderia imaginar. E quando os deuses, mesmo que seja como metáfora, começam a abandonar alguém, a derrota costuma estar próxima.

Sou filho de dois professores rurais pobres que nunca conseguiam terminar o mês sem dívidas para que mal pudéssemos comer, mas que incutiram em mim e em meus irmãos a paixão pelo saber como a melhor arma de defesa contra a iniquidade. É por isso que não posso deixar de dedicar esta coluna com emoção à vitória conseguida pelos milhões de sacrificados professores de educação básica do Brasil, que hoje podem se sentir orgulhosos de terem vencido essa batalha contra aqueles que sempre os humilharam.

Oxalá esta vitória seja o início de novas vitórias em um país onde a questão da educação é mais crucial, se é que isso é possível, do que em outros lugares. Não podemos esquecer que uma das maiores tragédias deste país-continente foi quando milhões de escravos africanos, cujos descendentes ainda são maioria no país, foram abandonados à própria sorte sem educação para eles e para seus filhos.

Hoje o Brasil paga o preço desse cruel abandono e dessa aberração levada a cabo com milhões de analfabetos e pessoas despreparadas que foram impedidas de conseguir um trabalho digno e um resgate cultural que os libertasse das humilhações e das dores dos demônios de uma injustiça que ainda se resiste a morrer.

JUAN ARIAS ” EL PAÍS” ( ESPANHA / BRASIL)

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