O que a nova Lei oferece, com os vetos impostos por Guedes, é retirar as concessões atuais das empresas estaduais – jogando seu valor no chão, no caso de privatização.
Nos anos 80, em pleno período inflacionário, a Sharp era um dos maiores fabricantes brasileiros de eletrônicos – em parceria com a empresa japonesa. Com a escassez de capital de giro, colocou como objetivo principal colocar as contas no azul. Foi contratado um executivo financeiro que, em três meses, conseguiu equilibrar as contas. Em um ano, matou a empresa.
Sua estratégia consistiu em desmontar todos os setores que não davam retorno imediato. Reduziu o marketing, fechou o departamento de desenvolvimento de novos produtos. Matou o futuro da empresa.
Mais recentemente, instaurou-se no país a era dos CEOS genéricos. São pessoas com conhecimento de tesouraria, e sem necessidade de conhecimento setorial. O foco único é o da melhoria do próximo balanço trimestral.
Os resultados foram desastrosos, comprometendo o futuro de grandes empresas brasileiras, que haviam se desenvolvido na era da melhoria de gestão – os anos 90.
Foi assim com a Vale do Rio Doce, sacrificando metas de segurança em favor dos resultados trimestrais. Quando estourou a barragem de Brumadinho, foi um estrago. Ou a Sadia, que esqueceu o foco nos negócios e passou a olhar exclusivamente a tesouraria. Quebrou na crise de 2008.
O papa desse modelo foi o grupo 3G e o guru maior, Jorge Paulo Lehmann. Seu modelo consistia no chamado extermínio de custos. Para contornar o impasse entre investimentos em desenvolvimento e resultados de curto prazo, passou a apostar em setores tradicionais, de baixa capacidade de inovação. E a colocar toda a ênfase nos indicadores de mercado.
Inicialmente, só deu certo devido ao imenso poder de cartel. Mas nem isso contornou o esgotamento do modelo. Numa ponta, houve o avanço das cervejas artesanais. Na outra, mudanças de hábitos de consumo que afetaram até o mercado de alimentos. Esses movimentos não foram percebidos porque o foco único da direção era o balanço trimestral e o preço das ações no mercado.
Na empresa Brasil, os erros são da mesma ordem.
Desde 2016, o foco único da ação federal tem sido as metas fiscais, a Lei do Teto. Nem se fale da extrema burrice ideológica de conter gastos públicos em momentos de recessão. Mas com Paulo Guedes, a cegueira ideológica atingiu níveis jamais vistos.
Guedes é a versão econômica de Bolsonaro. Sua única estratégia é a destruição de qualquer modelo existente, sem apresentar um modelo alternativo minimamente coerente.
Prova disso foi o veto à Lei do Saneamento, ontem, permitindo o desmonte selvagem das empresas estaduais de saneamento. Há espaço para setor privado e estatal, para modernização das estaduais e até para sua privatização. O que importa é o objetivo final, a universalização do saneamento.
Além disso, a única garantia de universalização do saneamento é através do chamado subsídio cruzado. Consiste em entregar o filé mignon dos grandes centros à empresa, com a condição de garantir os serviços para pequenos municípios.
Essa lógica exige um planejamento claro, que abra espaço para setor público e privado, mas jamais perca de vista a característica de serviço público. É essa marca que coloca a universalização e a modicidade tarifária como centros dos contratos e das licitações.
O que a nova Lei oferece, com os vetos impostos por Guedes, é retirar as concessões atuais das empresas estaduais – jogando seu valor no chão, no caso de privatização. Depois, garantir financiamento aos municípios apenas em casos de adoção dos novos modelos de contrato, sem as imposições da universalização.
Não apenas isso. Em relação aos investimentos externos, os dois pontos de maior vulnerabilidade no país são a saúde e o meio ambiente, ambos submetidos aos cortes orçamentários do Ministério da Economia.
Só depois do desastre consumado cai a ficha, quando as condições de inverter a tragédia não são mais disponíveis.LEIA TAMBÉM: “FOI UM ERRO CRASSO”, DIZ RICARDO GALVÃO SOBRE EXONERAÇÃO DE COORDENADORA NO INPE
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)